Alta de preços está para durar

PorJorge Montezinho,7 mai 2022 7:50

No meio de uma crise, saber que esta vai prolongar-se não é a melhor notícia, mas é o que acontece quando à pandemia se junta o cenário de guerra. As políticas protecionistas por parte de alguns países só vieram agravar o problema e o Banco Mundial já avisou, no último Outlook de Abril, que os custos elevados dos alimentos e da energia poderão durar anos.

A volatilidade dos preços vai continuar, como todos sentem nos bolsos em Cabo Verde e no resto do mundo. No início desta semana, foi anunciado mais um aumento, de cerca de 8%, dos preços da gasolina e do gasóleo, como consequência da evolução conjuntural do mercado externo e do aumento do câmbio do dólar, moeda em que são pagos os combustíveis importados.

No dia 22 do mês passado, o Governo anunciou a isenção de impostos de importação do leite e derivados, para mitigar os efeitos da escalada dos preços em consequência das crises provocadas pela covid-19 e pela guerra na Ucrânia.

Os preços dos produtos importados por Cabo Verde aumentaram 3,1% em Março, face ao registado no mês anterior, e 18,9% em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados do INE.

Já os preços dos combustíveis aumentaram 5% em Abril, o tecto máximo estipulado pelo Governo, mas acumulam no último ano um aumento médio de 42,6%, bem como uma subida de 7% desde Janeiro último.

Um futuro pouco risonho

Vários governos começaram a apertar o controlo sobre os stocks globais de alimentos, o que elevou ainda mais os preços. Dezenas de países ergueram barreiras comerciais nos últimos dois meses para proteger os escassos suprimentos de alimentos e commodities, mas estas políticas poderão agravar a crise alimentar global.

A Ucrânia, por exemplo, limitou as exportações de óleo de girassol, trigo, aveia e gado na tentativa de proteger a economia nacional devastada pela guerra. A Rússia proibiu a venda de fertilizantes, açúcar e grãos para outras nações. A Indonésia, que produz mais da metade do óleo de palma do mundo, interrompeu os embarques. A Turquia parou as exportações de manteiga, carne bovina, ovina, caprina, milho e óleos vegetais.

As restrições à exportação estão a tornar grãos, óleos, carnes e fertilizantes – já com preços recordes – mais caros e ainda mais difíceis de encontrar. Isto põe um fardo ainda maior sobre os pobres do mundo, que estão a pagar uma fracção cada vez maior do seu rendimento por alimentos, aumentando o risco de agitação social nos países que lutam contra a insegurança alimentar.

Desde o início do ano, os países impuseram um total de 47 restrições às exportações de alimentos e fertilizantes – 43 em vigor desde a invasão da Ucrânia no final de Fevereiro, de acordo com o estudo de Simon Evenett, professor de comércio internacional e desenvolvimento económico na Universidade de St. Gallen, citado pelo New York Times.

Com os países a enfrentar graves ameaças ao fornecimento de bens básicos, muitos decisores políticos rapidamente abandonaram a linguagem dos mercados abertos e começaram a defender uma abordagem mais protetora. As recomendações vão desde a criação de cadeias de fornecimento seguras para certos materiais críticos em países amigos até ao bloqueio das exportações e a “recolocação” de fábricas estrangeiras, trazendo as operações de volta aos seus países de origem.

O pior cenário

Decore a seguinte palavra: estagflação, vai ouvi-la muitas vezes nos próximos tempos. O aumento dos preços da energia nos últimos dois anos foi o mais acentuado desde a crise do petróleo, em 1973. O aumento dos preços dos alimentos básicos e dos fertilizantes tem sido o mais marcado desde 2008.

“Em conjunto, representa a maior crise de commodities desde a década de 1970. A crise é agravada pelo aumento das restrições ao comércio de alimentos, combustíveis e fertilizantes”, escreve Indermit Gill, vice-presidente de Crescimento Equitativo, Finanças e Instituições do Banco Mundial, no último Outlook da instituição, publicado no final de Abril. “Estes eventos começaram a levantar o espectro da estagflação” - situação simultânea de estagnação económica, ou até mesmo recessão, e altas taxas de inflação. “Os decisores políticos devem aproveitar todas as oportunidades para aumentar o crescimento económico nos seus países e evitar acções que causem danos à economia global.”

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Diz o documento do Banco Mundial que os preços da energia devem aumentar mais de 50% em 2022, antes de diminuir em 2023 e 2024. No início de Abril, o ministro da Indústria, Comércio e Energia, Alexandre Monteiro, disse, no Parlamento, que a guerra na Ucrânia já causou um impacto de 3,7 milhões de contos no preço dos produtos energéticos no País.

Os preços não energéticos, incluindo os de produtos agrícolas e metais, também devem aumentar quase 20% em 2022 e também moderar nos próximos anos. Se a guerra continuar, ou se forem aplicadas sanções adicionais à Rússia, os preços poderão subir ainda mais e mostrar mais volatilidade do que o previsto actualmente, avisa o Banco Mundial.

Devido a interrupções no comércio e na produção devido à guerra, espera-se que o preço do petróleo bruto atinja a média de 100 dólares por barril em 2022 - o nível mais alto desde 2013 - um aumento de mais de 40% em relação a 2021. Espera-se que esse valor tenha uma descida ligeira para 92 dólares em 2023, ainda muito acima da média dos últimos cinco anos (60 dólares o barril). Além disso, as projeções indicam que os preços do gás natural (europeu) vão duplicar em 2022 em comparação com 2021, enquanto os preços do carvão ficarão 80% mais altos, Ambos os valores são recordes.

“Os mercados de commodities estão a enfrentar um dos maiores choques de oferta em décadas”, refere Ayhan Kose, diretor do Outlook Group do Banco Mundial, que produz o relatório. “O aumento resultante nos preços dos alimentos e da energia está a cobrar um alto preço humano e económico e provavelmente vai retardar o avanço na redução da pobreza”.

O relatório pede aos decisores políticos para agirem rapidamente para minimizar os danos nos seus cidadãos e na economia global. Os governantes são incentivados a elaborar programas de protecção social direcionados, como transferências de rendimento, alimentação escolar e obras públicas, em vez de subsidiar alimentos e combustíveis. Uma prioridade deve ser o investimento em medidas de eficiência energética.

Os pobres cada vez mais pobres

Num texto no blog do FMI, Abebe Selassie, director do Departamento Africano do Fundo Monetário Internacional, e Peter Kovacs, economista, escreveram que a África Subsaariana enfrenta um choque severo com o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis, o que pode abrandar o crescimento económico, afundar os governos em dívidas e corroer os padrões de vida. Os alimentos respondem por cerca de 40% dos gastos dos consumidores da África Subsaariana, e cerca de 85% dos suprimentos de trigo da região são importados.

“Os mercados de commodities estão sob enorme pressão, com alguns preços a atingir máximos históricos “, sublinha John Baffes, economista sénior do Outlook Group do Banco Mundial. “Isso terá efeitos colaterais duradouros. Aumentos acentuados nos preços de insumos, como energia e fertilizantes, podem levar à redução da produção de alimentos, principalmente nas economias em desenvolvimento. O uso reduzido de insumos afetará a produção e a qualidade dos alimentos, que por sua vez influenciará a sua disponibilidade, os rendimentos rurais e os meios de subsistência dos pobres”, conclui. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1066 de 4 de Maio de 2022. 

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Autoria:Jorge Montezinho,7 mai 2022 7:50

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  18 jan 2023 23:27

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