O plano estratégico está assente em quatro eixos e em um enabler, portanto, um facilitador. Estamos a falar do quê?
Este novo plano estratégico foi desenhado para o período 2021-2025 e é um trabalho feito em conjunto com uma consultora internacional [a PwC – PricewaterhouseCoopers] e demorou algum tempo. Desse trabalho resultou que, em termos de eixos estratégicos temos quatro que passam por ser: a revisão e disseminação da proposta de valor, ou seja, conseguir um reforço da procura local e que o mercado nos veja como uma bolsa de valores que consegue diversificar a oferta de produtos. É, por exemplo, o que estamos a fazer com a introdução dos Blue Bonds [Os Blue Bonds, ou ‘títulos azuis’, são uma forma de financiar projectos vocacionados para a economia azul, mas obedecem a um critério, têm de ter um cariz ambientalista], temos também, ainda neste primeiro eixo, o objectivo de dinamizar o mercado secundário [onde os investidores podem vender e comprar, num segundo momento, os seus títulos]. Pretendemos também, ainda no primeiro eixo, massificar a literacia financeira. Sabemos que só quando as pessoas tiverem mais entendimento sobre os vários produtos, como funciona, como é possível investir, como é possível financiar é que poderemos cumprir cabalmente a nossa função. O segundo eixo estratégico tem a ver com a internacionalização da bolsa de valores.
Até porque as bolsas não funcionam sozinhas.
E captar negócio internacional é um dos objectivos que nos foi dado pelo próprio governo. Esta questão do negócio internacional é fundamental. Nesse sentido, temos aqui alguns aspectos importantes, nomeadamente a plataforma Blu-X [https://blu-x.bvc.cv] que vai permitir, através da Internet, de uma app, investir ou financiar através de instrumentos sustentáveis. Temos o WACMIC [West African Capital Markets Integration Council – Conselho Oeste-Africano de Integração dos Mercados de Capitais] um processo que está a decorrer desde 2013 e que comporta as quatro bolsas de valores da região [Nigéria, Gana, Cabo Verde e a BRVM - Bourse Régionale des Valeurs Mobilières - Bolsa de valores regional, que funciona no Benin, Burkina Faso, Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Mali, Níger e Senegal] e a ideia é que seja possível que, por exemplo, um investidor na Nigéria possa negociar instrumentos listados na bolsa de Cabo Verde e vice-versa. Terceiro eixo, desenvolvimento digital e tecnológico. Todos sabemos que as bolsas são cada vez mais tecnológicas e queremos, através da plataforma Blu-X, chegar mais longe, através de processos mais eficientes e seguros. O quarto eixo é o foco no capital humano, essencialmente uma estratégia de captação e retenção de talento, além da capacitação dos colaboradores. Verificámos que estamos com uma fuga do nosso melhor activo, o capital humano, que principalmente nos últimos dois anos tem estado a sair e teremos de tomar medidas. Quanto ao enabler, o facilitador, tem a ver com a actuação conjunta com os stakholders [partes interessadas] para a criação de condições de mercado favoráveis. Muito do que eu disse antes, exige que haja uma concertação, seja com a AGMVM [Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários – Regula o funcionamento dos mercados de valores mobiliários], que tem responsabilidade na criação de condições para os investidores, na questão do regulamento de acesso ao mercado, na protecção ao investidor, mas também questões relacionadas com o BCV, com a banca comercial. Há um conjunto de stakholders que precisam de estar alinhados para termos condições para a bolsa poder cumprir as suas funções. Diria que mais de 60% do que está previsto depende desta concertação.
Para além destes eixos, o plano estratégico fala ainda em 17 iniciativas. Não vamos falar de todas, claro, mas quais considera serem as prioritárias?
Há cinco que são considerados os passos imprescindíveis. A primeira iniciativa é a diversificação da oferta, a aposta no segmento do sustentável e a questão de chegar às pequenas e médias empresas. A segunda iniciativa tem a ver com a dinamização do mercado secundário e isto é algo fundamental e explico porquê. Imagine que tem uma acção e passado um ano ou dois pretende vender essa acção, se não houver esta dinamização o que vai acontecer é pouca liquidez, ou seja, você até pode dar a instrução para vender, mas a instrução fica no mercado e se não aparecer ninguém para a adquirir, na prática, vai continuar com essa acção. É isso que pretendemos mudar, nomeadamente com uma ferramenta chamada market maker em que os bancos assumem um papel mais dinâmico, comprando a quem quer vender ou vendendo a quem quer comprar. A terceira iniciativa tem a ver com o advogar da revisão do preçário e requisitos de acesso à bolsa de valores. Digo advogar e não fazer porque não é uma atribuição da bolsa, mas sim da AGMVM.
E esse trabalho já começou?
Esse trabalho já começou. Vou dar-lhe um exemplo concreto. Neste momento, uma empresa para ser cotada na bolsa tem de ter um capital próprio mínimo de 100 mil contos e aquilo que vemos é que são muito poucas as empresas que têm este capital próprio. A ideia seria baixar essa exigência para valores que há noutras bolsas. Fizemos um benchmarking [análise estratégica das melhores práticas usadas por empresas do mesmo sector] e a que tem um preço mais próximo é a de Angola, que ronda os 600 mil euros. Mas há bolsas onde este valor baixa para os 400 mil e o valor mais baixo é de 250 mil euros, muito inferior em relação à exigência que consta na nossa legislação.
Presumo que seja uma medida para também atrair as pequenas e médias empresas.
Exactamente. E assim ter mais empresas cotadas. Um dos nossos objectivos é ter, no mínimo, em 2025, 10 empresas cotadas e estamos a trabalhar nesse sentido. Voltando às iniciativas, a quarta é a aceleração digital. Por último, uma estratégia de recrutamento e retenção de talento. Queremos manter os nossos quadros por um período mínimo de 3 anos.
Há mais alguma estratégia específica direcionada para as PMEs?
Já tínhamos feito, há relativamente pouco tempo a operação da MORABI [empréstimo obrigacionista], com um valor de 100 mil contos que permite que a MORABI empreste, ou seja, repasse esse montante, com uma taxa muito inferior à cobrada pela própria MORABI. Esta já é uma forma de chegar às pequenas e micro empresas. Quando houver a revisão dos requisitos, estamos a pensar em criar um outro mercado, que permita critérios de acesso diferenciados para as PMEs. Contamos ainda durante este ano ter novidades sobre o acesso das PMEs ao mercado de capitais.
Durante a construção deste plano, devem ter analisado os pontos fracos e fortes da bolsa de Cabo Verde. O que descobriram?
Podemos dizer que em termos de pontos fortes, podemos apontar o facto de já termos alguma experiência. A bolsa vai fazer 25 anos e já somos procurados por outras bolsas africanas que estão em etapas mais incipientes. Há também aspectos menos positivos, nomeadamente o facto de estarmos muito focados em instrumentos ligados à dívida pública. Desde que a bolsa começou que temos as mesmas empresas cotadas, não houve evolução, dependemos muito dos instrumentos lançados pelo Estado, como os títulos do tesouro, e não temos tido novos instrumentos, como por exemplo aquilo em que estamos agora a trabalhar, a possibilidade de termos fundos de investimento, que cumprem a sua parte no apoio à economia e aos projectos que precisem de financiamento.
Falou que durante a execução deste plano estratégico houve conversas com os stakholders. Quais foram as interacções principais com as instituições públicas e privadas?
As entidades envolvidas foram o governo, naturalmente, através da senhora secretária de estado do fomento empresarial, a AGMVM, dois bancos comerciais, o BCV, o PNUD [parceiro estratégico na plataforma Blu-X] e, na prática, falou-se do que consideravam sobre a bolsa, os aspectos a melhorar, etc.. Contributos que consideramos relevantes.
E qual foi o peso que o actual quadro económico teve neste plano? Ou seja, é um plano adaptado ao que existe agora, ou a pensar no futuro?
É um plano que tem por base não só as dificuldades por que passam, neste momento, as empresas, mas também, e principalmente, aquilo que se quer para a bolsa em 2025. Ou seja, independentemente das dificuldades, o que queremos é que a bolsa deixe de ser um repositório dos instrumentos do Estado, em grande maioria. Por exemplo, em termos objectivos concretos sobre investidores de fora do país – não quer dizer que sejam estrangeiros, estamos a falar também da diáspora – queremos passar de 4% [o valor de 2020] para 20% em 2025. Isto é uma mudança, independente da crise do momento, e é um objectivo estratégico. A nossa visão é em 2025 sermos uma bolsa de valores sustentável, acessível, atrativa e relevante a nível nacional e regional, com uma reputação global. Com este plano estratégico iremos servir a economia real e apoiar o desenvolvimento sustentável de Cabo Verde, oferecendo alternativas de financiamento/investimento em condições favoráveis a emissores e investidores através da intermediação financeira.
A novidade é a parte da sustentabilidade.
Segundo um estudo da PwC, 77% dos investidores institucionais pretende deixar de investir nos instrumentos ditos tradicionais para passar a investir nos instrumentos sustentáveis dentro de 2 anos. Ou seja, investir sabendo que aquilo em que estão a investir terá impacto ambiental e social. Esse será o futuro e a bolsa de Cabo Verde está a virar-se para esse futuro.
Quando apresentou o plano, disse que havia condições para colocar a bolsa num novo patamar. Pelo que me disse, percebo qual é esse patamar, por isso pergunto-lhe o que seria a bolsa ideal dentro de 3 anos?
Uma bolsa que teria nos instrumentos sustentáveis o principal mercado, que dependesse menos das receitas de custódia, que neste momento são as principais, e passasse a ter a maioria das receitas através do mercado secundário – vendas e compras de acções e obrigações – uma bolsa que tivesse parcerias com outras bolsas, tanto da nossa região como a Euronext [bolsa de valores europeia que opera mercados em Amesterdão, Bruxelas, Londres, Lisboa, Dublin, Oslo e Paris] e a bolsa de valores do Luxemburgo e que pudesse ter no seu portfólio novos produtos como fundos de investimento, que conseguisse ter dual-listing com empresas cotadas na bolsa de Cabo Verde e, por exemplo, na Euronext ou na bolsa do Luxemburgo. Esta seria a visão de uma bolsa com sucesso total.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1073 de 22 de Junho de 2022.