“Não podemos esquecer que Cabo Verde já teve grande capacidade de captura”

Susano Vicente, presidente da APESC
Susano Vicente, presidente da APESC

A Associação de Armadores de Pesca de Cabo Verde (APESC) tem um novo presidente. Eleito em Julho, Susano Vicente quer reposicionar a organização, conferindo-lhe uma nova “identidade estratégica”. Para a classe, reivindica melhores condições, nomeadamente a ambicionada renovação da frota, um estaleiro moderno e melhores equipamentos a bordo das embarcações existentes.

Quais são as principais preocupações da nova direcção da APESC?

A nossa principal preocupação é reposicionar a identidade estratégica da associação. Isso pressupõe manter-se apartidária e manter a distância de todos os partidos políticos, não obstante o diálogo com todos. Lá onde for necessário, estaremos dispostos a dar a nossa contribuição, de forma equitativa e igualitária.

Os pescadores têm reclamado da fraca capacidade de captura e da incerteza que envolve a actividade. Como resolver este problema?

O sistema de pesca de hoje é diferente de há 20 ou 30 anos. Hoje temos mais embarcações, uma concorrência mais acirrada e, por outro lado, temos cardumes cada vez mais longe. Temos mais desafios, daí que seja necessário que as nossas embarcações sejam dotadas de tecnologias, de capacidade de captura e de conservação. Um instrumento de extrema importância, que deveríamos ter e não temos, é um sonar, um equipamento que detecta os cardumes. Tendo este equipamento, um navio tem uma noção de 360 graus do fundo.

E porque é que ainda não têm o equipamento, se é tão importante?

É um equipamento relativamente caro. Um sonar em segunda mão pode custar até 5 mil contos. Com tantos problemas que os armadores têm, a maioria com créditos bancários, a pagar dívidas, fazer esta aquisição seria muito custoso e oneroso, não obstante o seu retorno. A contribuição do Estado neste aspecto seria de extrema importância, porque sem uma contribuição forte do Estado, não vamos conseguir aumentar a nossa capacidade produtiva.

O governo tem demonstrado abertura?

Temos muitas prioridades e vamos, aos poucos, discutindo estas questões. É claro que já levámos essa preocupação ao actual governo. O governo tem estado aberto a estas questões, mas as coisas vão aos poucos, vamos resolvendo passo-a-passo. Num horizonte de três anos, teremos de resolver esta questão, que é de extrema importância para reforçar a capacidade de captura.

A questão da conservação do pescado a bordo também condiciona a faina.

Aí é que reside o problema, porque quando o armador se desloca está sempre condicionado. Quando não se tem essa capacidade de congelação, de refrigeração do pescado, há sempre essa limitação, “será que o gelo vai durar?”. Há o risco de se capturar um grande cardume e o pescado chegar em péssimas condições para consumo humano e logo ser vendido para a fábrica de rações. O pescado que poderia ser vendido a 80 escudos kilo, será vendido a 10 escudos, o que nem dá para tapar os custos de produção.

É possível produzir-se gelo a bordo?

Seria mais fácil para nós se se tivesse a bordo o equipamento de refrigeração, ou seja, de água congelada, num sistema de serpentinas, que dá muito mais qualidade ao pescado, mantendo essa qualidade por dias ou até semanas, porque a água está a 5 graus negativos. O gelo tem a tendência de provocar a perda gradual da capacidade do pescado.

A diferenciação do preço dos combustíveis vendidos à marinha de pesca é uma reivindicação antiga. O que é que a sua direcção pretende fazer para que se torne realidade?

Vamos continuar a bater nesta tecla, porque é inconcebível que o combustível para o sector das pescas esteja em paridade com o combustível consumido nas embarcações de marinha mercante. As embarcações de marinha mercante, nomeadamente de passageiros e cargas, já têm o mercado consolidado, uma estrutura de custos e previsão de receita mensal. Têm muito mais previsibilidade. Na pesca não, é aleatória, sazonal, com muitas incertezas. Tem de haver essa diferenciação. O sector primário tem de ter uma atenção especial, tanto do ponto de vista dos incentivos, como das isenções aduaneiras e outras. Reparem que mais de 80% daquilo que é exportado a nível nacional vem dos produtos de pesca e parte desses produtos é fornecida pelos navios de pesca. Se não houver um incentivo, podemos estar perigando toda a cadeia económica.

A renovação da frota é outra questão antiga.

Essa é uma questão um pouco mais complexa. Muitas vezes falamos de renovação, remodelação ou modificação e são termos diferentes. Os armadores têm vindo a fazer algum trabalho, muitos têm vindo a modificar e a remodelar as suas embarcações, aumentando as dimensões, o que tem dado algum resultado. Mas continuamos aquém daquilo que pretendemos. Para dar resposta às nossas conserveiras, para resolver a questão da derrogação, é necessário que tenhamos uma frota com navios com capacidade para, pelo menos, 300 toneladas. Navios industriais, capazes de laborar por longos dias, capazes de detectar cardumes a longas distâncias, que tenham capacidade de tirar proveito dos recursos disponíveis na zona económica exclusiva (ZEE), mas também dos acordos que temos para pescar no Senegal, Mauritânia e Guiné-Bissau, onde há abundância de pescado. Não podemos esquecer que Cabo Verde já teve grande capacidade de captura. No passado, tivemos três grandes navios – Murdeira, Salamansa e Pedra Badejo – que faziam essas rotas e abasteciam a Interbase.

As obras na ONAVE já começaram. Qual é a expectativa da APESC?

É bom que fique claro que são trabalhos de manutenção. Muita gente ficou com a ideia de que se trata de investimento, mas não, é um projecto de manutenção da ONAVE. Passaram 40 anos desde a última remodelação e requalificação da ONAVE, na década de 80. Esta foi desmantelada, creio que em 2008/2009, e manteve os resquícios dos equipamentos que se mantiveram activos. Contudo, estão obsoletos. Daí que solicitámos a intervenção do governo e apresentámos um plano para manutenção do espaço. O projecto que apresentámos ronda os 17 mil contos.

Qual seria, então, a ambição da APESC em relação ao estaleiro?

Apresentámos um projecto de remodelação, em 2022. Num país arquipelágico, é necessário ter estaleiros navais capazes de responder à demanda de reparação e manutenção das embarcações, não só de longo curso, que a CABNAVE tem vindo a fazer, mas também das pequenas embarcações de pesca e de náutica de recreio. Para responder a essa demanda, teríamos de ter um estaleiro dotado de tecnologias modernas. Isto requereria um conjunto de investimentos, que oscilariam entre 4 a 6 milhões de euros. Seria um projecto de investimento relativamente estruturante para o sector das pescas.

O investimento não beneficiaria apenas a frota nacional.

Exacto. Temos o exemplo da passagem da Ocean Race pelo Mindelo. Se tivéssemos capacidade de manutenção e reparação desses veleiros, seria de extrema importância. Cabo Verde está nesta rota, ficou claro que temos todas estas condições, então, o país tem de estar preparado para esta demanda. Um projecto desta envergadura seria bem-vindo. O projecto que está agora a ser financiado pelo governo é de manutenção, de manter o estaleiro operacional, para dar condições de segurança, porque os equipamentos estão velhos, os vagões estão em estado avançado de degradação, a empilhadeira que temos, uma empilhadeira telescópica, temos vindo a dar-lhe manutenção, mas já é velha. É necessária uma outra empilhadeira, não nova, mas em segunda mão. As linhas de alagem que estão submersas no fundo estão numa situação preocupante.

Sobre o número de associados da APESC, qual é a situação actual e que resultados pretendem alcançar?

No que diz respeito aos associados, neste momento, a APESC tem por volta de 80 associados. Temos cerca 30 a 34 que pagam quotas. Pretendemos imprimir uma dinâmica junto dos associados, fazer com que cumpram as suas obrigações. Quando todos os armadores cumprirem as suas obrigações, a APESC terá mais condições financeiras para responder às questões da classe. Reparem que temos custos, temos um escritório, temos funcionários, temos custos administrativos. Se não for sustentável, teremos de despedir pessoas e não queremos isso, queremos é contratar mais gente, para dar resposta a todas as questões dos armadores, questões judiciais, administrativas, técnicas, lá onde essa resposta for necessária. A APESC é uma organização privada e de âmbito nacional, temos representações a nível nacional. Uma deliberação que tomámos é que vamos estabelecer delegações, delegados com poderes, nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Sal e Santiago.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1133 de 16 de Agosto de 2023.

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Autoria:Fretson Rocha, Nuno Andrade Ferreira,20 ago 2023 6:42

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  9 mai 2024 23:28

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