A afirmação é do FMI: as empresas estatais continuam a representar riscos para o programa de reforma do governo. Apesar, diz o fundo, das recentes reformas na transparência das empresas estatais que melhoraram a disponibilidade de informação para a tomada de decisões, os desafios na redução das perdas das empresas estatais, especialmente no sector dos transportes, agravam os riscos para as contas fiscais. Aliás, o FMI sustenta que a companhia aérea nacional utiliza recursos que poderiam ser mais úteis para melhorar a conectividade entre ilhas – um estrangulamento de crescimento.
Por isso, o FMI aconselha que os esforços para reestruturar ou alienar o sector das empresas estatais devem ser mantidos e considera que as autoridades devem trabalhar numa estratégia para o transporte aéreo doméstico inter-ilhas, ao mesmo tempo que devem lidar com a TACV, a companhia aérea estatal deficitária focada nas rotas internacionais.
A TACV, a empresa estatal para rotas internacionais, continua a não ser rentável, refere o FMI. A entrada de uma companhia aérea internacional de baixo custo no mercado de Cabo Verde oferece uma oportunidade “para reconsiderar a melhor utilização das finanças públicas para suportar a conectividade” interna.
Na análise do FMI, o custo financeiro do apoio às Empresas Estatais, entre 2019 e 2023, colocou uma pressão “considerável” no orçamento nacional. Os gastos do governo com empresas estatais, incluindo subsídios, transferências e serviço da dívida para empréstimos transferidos, bem como injecções de capital, foram “notavelmente” elevados, ultrapassando, em média, metade dos gastos do país com cuidados de saúde e mais de um terço do seu orçamento de educação.
As injeções de capital aumentaram de 0,4% do PIB em 2020 para 0,8% até 2023, direccionadas principalmente para o apoio à companhia aérea nacional, bem como para o cumprimento das obrigações financeiras da NewCo. Além disso, o aumento da dívida estatal garantida pelo governo, atingindo 8,6% do PIB até 2023, elevou o risco de passivos contingentes, deixando o orçamento mais vulnerável a potenciais incumprimentos.
Os riscos fiscais ligados às empresas estatais decorrem tanto de passivos explícitos, como dívidas garantidas pelo governo e empréstimos concedidos às empresas estatais, como de riscos implícitos, incluindo pagamentos em atraso das empresas estatais e custos ligados a obrigações de serviço público. Os desafios de liquidez para as empresas estatais que beneficiam de empréstimos repassados significam que estes se tornaram um passivo cada vez mais significativo. O desempenho financeiro persistentemente baixo entre muitas empresas estatais contribuiu para um aumento substancial dos passivos contingentes, impulsionado principalmente pelas necessidades de reestruturação de dívida e empréstimos adicionais.
Segundo o FMI, é necessária uma abordagem abrangente para melhorar a governação e o desempenho das empresas estatais. As principais reformas incluem a adopção e implementação consistente de leis actualizadas sobre as empresas estatais, o estabelecimento de uma política clara de propriedade das empresas estatais e a operacionalização da Parpública como uma holding, garantindo total transparência. A gestão do desempenho deve ser melhorada através do envio atempado de dados na plataforma SOE Manager e de metas de desempenho claras com incentivos associados.
A selecção dos membros do conselho das empresas estatais, sublinha o FMI, deve enfatizar a competência e a independência, enquanto a transparência pode ser aumentada garantindo a comunicação atempada de dados não financeiros. A disciplina orçamental é crucial, incluindo através da aplicação de taxas garantidas e de uma maior transparência nas transações das empresas estatais entre si e com o sector público.
Turismo com recuperação desigual
Em 2022, os fluxos totais de turismo estrangeiro ultrapassaram os níveis pré-pandemia, impulsionados pelo forte desempenho do Sal e da Boa Vista, que viram o número de visitantes disparar para mais de 60.000 e 25.000 por mês, respectivamente.
Em contraste, ilhas como Santiago, São Vicente e Santo Antão estão a recuperar mais lentamente e mantêm-se abaixo dos níveis pré-pandémicos. As outras ilhas mais pequenas continuam a receber números modestos de visitantes, ainda longe das tendências anteriores.
O FMI reforça que melhorar a conectividade entre ilhas é essencial para aumentar ainda mais o impacto do turismo no crescimento. Por outro lado, o relatório refere que as autoridades devem continuar a procurar reformas para melhorar o ambiente de negócios, especialmente as dirigidas às PME, e para facilitar a diversificação económica liderada pelo sector privado. “Reduzir os elevados custos das finanças, da electricidade, da água e dos transportes, que constituem grandes obstáculos, é uma componente importante destas reformas”.
Os esforços de diversificação estão a ser procurados através de dois canais: dentro do principal sector do turismo, avançando activamente para projectos de resorts mais integrados. Em segundo lugar, promover sectores alternativos, como a economia azul e a economia digital.
Os próximos tempos
As perspectivas económicas de curto prazo de Cabo Verde continuam a ser favoráveis, diz o FMI. A projeção é que o crescimento convirja gradualmente para a sua taxa potencial – de cerca de 4,8% – até 2029. A inflação está prevista para 2% a médio prazo, em grande parte alinhada com a inflação da zona euro. Estima-se que o défice da balança corrente diminua em 2024 e depois estabilize em torno dos 2,5% no médio prazo. A projecção é que a dívida continue a diminuir à medida que o saldo primário se torne excedentário em 2025 e depois melhore para mais de 1% do PIB.
No entanto, dadas as vulnerabilidades do país, os desenvolvimentos nos preços globais das matérias-primas, as interrupções na cadeia de abastecimento e as incertezas globais, com as potenciais implicações na estabilidade macrofinanceira, podem desafiar a gestão macroeconómica cabo-verdiana a curto prazo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1212 de 19 de Fevereiro de 2025.