“Esta é uma tendência internacional – a criação da taxa de carbono aplicável aos viajantes – não é uma invenção em Cabo Verde”, disse o Ministro das Finanças, no Parlamento, durante a discussão do OE2025 na especialidade.
“Estamos em linha com aquilo que se faz em todas as geografias. O mundo, hoje, entende que temos de investir no ambiente e no clima. Criámos o Fundo Climático Ambiental e temos de ter uma estruturação fiscal que nos permita arrecadar receitas para investirmos no fundo e também pedirmos que os parceiros possam co-investir nesse mesmo fundo”, explicou Olavo Correia.
Segundo a informação oficial, a taxa de carbono tem o valor de 550 escudos, incide sobre os títulos de transporte aéreo (com partida dos aeroportos e aeródromos situados em território cabo-verdiano) e marítimo (sobre a atracagem dos navios de passageiros nos terminais portuários localizados em território cabo-verdiano para abastecimento, reparação, embarque ou desembarque de passageiros).
Em Julho, o ministro do ambiente disse que Cabo Verde precisa mobilizar 3,1 mil milhões de euros nos próximos 26 anos para implementar as medidas da estratégia de baixas emissões de gases com efeito de estufa.
Gilberto Silva lembrou que a Estratégia de Desenvolvimento a Longo Prazo com Baixas Emissões de Gases com efeito de estufa decorre dos compromissos do Acordo de Paris de 2016 e do facto de Cabo Verde ter aderido à neutralidade carbónica, em 2017, meta que espera atingir em 2050, ou seja, emitir a mesma quantidade de carbono que absorve.
A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) define que o país deve reduzir a emissão dos gases com efeitos de estufa em 18% até 2030, em relação às emissões atuais, que é de 0,02% do total global.
De acordo com a AAC – Agência de Aviação Civil – as companhias aéreas cabo-verdianas realizaram 4.400 voos em 2023 e emitiram 23.886 toneladas de dióxido de carbono (CO2).
Segundo o relatório publicado pela agência, foram consumidos 9.448.900 litros de combustível. Os voos internacionais (650) emitiram 18.784 toneladas de CO2 e consumiram 7.430.518 litros de Jet A-1. Os voos domésticos (3.750), emitiram 5.102 toneladas de dióxido de carbono e consumiram 2.018.382 litros de combustíveis para aviação.
Ainda segundo o regulador, as operações internacionais foram responsáveis por 79% do total das emissões de CO2, enquanto as domésticas geraram 21%. O documento detalhou as emissões de CO2 geradas pelas aeronaves dos operadores aéreos nacionais (TACV e TICV), incluindo todos os tipos de voos: regulares, não regulares, domésticos e internacionais, que têm como origem e destino Cabo Verde.
A taxa de carbono, como sublinhou o ministro das finanças na Assembleia Nacional, tem receitas estimadas à volta de um milhão de contos, “mas é uma receita consignada, ou seja, não vai ser utilizado para mais nada a não ser projectos que têm a ver com investimentos na acção climática”, referiu Olavo Correia.
Serão ainda estabelecidos indicadores para permitir que as entidades internacionais acompanhem o resultado do investimento com a taxa de carbono. “Haverá uma fiscalização nacional, mas também global, porque o clima não é um bem público apenas nacional”, reforçou o governante.
“Não podemos criar um fundo climático apenas para irmos pedir aos parceiros para meter o dinheiro. Cabo Verde tem de dar o exemplo. Antes de pedir a outros, tem de mostrar que está comprometido e que todos os cidadãos cabo-verdianos e aqueles que procuram Cabo Verde contribuem para o investimento no clima”, concluiu Olavo Correia.
O exemplo de Portugal
Os compromissos de neutralidade de carbono já assumidos por diversos países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, variam em termos da sua definição de neutralidade, da data para atingir emissões líquidas zero e da força legal do compromisso para atingir as metas estabelecidas.
Segundo o governo português – no chamado “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” – a neutralidade carbónica é económica e tecnologicamente viável e assenta na redução das emissões entre 85% e 90% até 2050 e na compensação das emissões restantes através da garantia de uma capacidade de sequestro de carbono agrícola e florestal de cerca de 13 milhões de toneladas.
Portugal implementou em 2021 um conjunto de “taxas” aos consumidores que viajam por via aérea e marítima, no valor de 2€ (menos de 200$00) por passageiro, tanto aéreo como marítimo.
Esses impostos sobre o carbono são baseados numa adaptação do princípio geral do “poluidor-pagador” ao chamado “princípio do utilizador-pagador” (que exige que o utilizador de um recurso natural arque com o custo da degradação do capital natural).
A posição do FMI
Um estudo, publicado no passado mês de Outubro, refere que a necessidade de descarbonizar o transporte internacional tem sido negligenciada há muito tempo. A aviação (principalmente voos de passageiros) e o transporte marítimo são responsáveis por uma parcela crescente das emissões globais de dióxido de carbono. Um imposto global de carbono sobre combustíveis usados nos sectores pode contribuir para a mitigação climática.
Isto pode ser conseguido, por um lado, incentivando a eficiência e o desenvolvimento tecnológico, acelerando a descarbonização dos sectores. Por outro, poderia arrecadar até 200 mil milhões de dólares, por ano, em receitas até 2035, potencialmente triplicando o actual financiamento climático global.
Pôr um preço ao carbono
O mesmo relatório do FMI sublinha que uma justificação forte para pôr um preço global de carbono na aviação e no transporte marítimo internacionais. Primeiro, todos os sectores consumidores de energia precisam ser descarbonizados até meados do século para atingir as metas de temperatura do Acordo de Paris (limitar o aquecimento a 1,5 °C a 2 °C acima dos níveis pré-industriais), incluindo sectores difíceis de reduzir, como aviação internacional e marítimo. Segundo, este preço global poderia criar receitas substanciais que poderiam ser usadas para aumentar o financiamento climático internacional (atualmente cerca de 100 mil milhões de dólares anuais).
Sem acções de mitigação, alerta o FMI, as emissões dos combustíveis de transporte internacional devem aumentar rapidamente com o crescimento da economia global, podendo atingir de 15 a 40 por cento do total de emissões globais de CO2.
Como explica o Fundo Monetário Internacional, o preço global de carbono pode assumir a forma de impostos de carbono ou sistemas de comércio de emissões. Sendo o imposto de carbono (ou taxa) a abordagem mais simples para aplicar e de fornecer certeza de preço a longo prazo.
Os impostos sobre o carbono promovem de forma económica toda a gama de respostas de mitigação, mas, diz o FMI, um sinal de preço robusto é essencial. Para ser eficaz, o imposto sobre o carbono deve ser suficientemente alto para promover combustíveis de emissão zero.
Os impostos sobre o carbono poderiam mobilizar uma fonte de receita grande e sustentável que poderia ser usada para uma combinação de propósitos: usar a receita de taxas internacionais de aviação e marítimas para financiamento climático; ou em pesquisa e desenvolvimento, através, por exemplo, de subsídios para pesquisa básica ou prémios para tecnologias comercialmente viáveis; ou ainda, os países poderiam reter receitas coletadas de taxas sobre desembolsos de combustível dentro de suas fronteiras para necessidades internas.
O outro lado da taxa
Estudo do FMI também prevê o impacto da taxa, e para países como Cabo Verde, as notícias não são as melhores porque o turismo será o sector que mias poderá sofrer com este novo imposto.
Como sublinha o relatório, o custo de voar aumenta substancialmente, enquanto os preços dos produtos enviados aumentam menos de 6%. Estas subidas são motivadas por custos mais altos de combustível e pela mudança para combustíveis mais caros e de menor emissão; a participação dos custos de combustível nos preços para o utilizador final; melhorias na eficiência energética; investimento em abastecimento de combustível de emissão zero, armazenamento e infraestrutura de avião/navio; e o repasse de custos para os utilizadores finais. Os maiores aumentos de preço da aviação são causados principalmente pela maior participação de combustível nos custos para o utilizador final (cerca de cinco vezes maior do que para o marítimo).
Apesar dos impactos variarem entre os países, são geralmente menos de um por cento do PIB em mercados emergentes e de baixo rendimento, mas maiores para pequenos estados em desenvolvimento e algumas economias menos desenvolvidas.
Os maiores impactos estão relacionados ao turismo, uma vez que há uma redução relativamente grande em voos de lazer (para os quais as elasticidades de preço são estimadas em duas a três vezes maiores do que para negócios) e o turismo compõe uma grande parcela do PIB em alguns países (21 países, entre eles Cabo Verde, têm participações do turismo no PIB acima de 20%). Se for assumido que os encargos do turismo são divididos igualmente entre destinos e viajantes, as contas do FMI mostram que os pequenos estados em desenvolvimento enfrentam custos económicos entre 0,5% e 6% do PIB devido à maior dependência do turismo, enquanto os impactos são menores para países de baixo rendimento e avançados, onde o turismo representa, em média, 3% do PIB.
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O artigo aprovado em plenário
Artigo 72.º
No quadro da estratégia do governo visando a promoção de uma economia descarbonizada em 2050 e considerando a implementação do plano de ação climática e os compromissos assumidos a nível internacional, é criada uma taxa de carbono no valor de 550 escudos tendente a financiar exclusivamente ações de mitigação e adaptação dos efeitos das alterações climáticas.
A taxa referida no número anterior incide sobre a emissão de títulos de transporte aéreo comercial de passageiros com partida dos aeroportos e aeródromos situados em território cabo-verdiano e sobre a atracagem dos navios de passageiros nos terminais portuários localizados em território cabo-verdiano para abastecimento, reparação, embarque ou desembarque de passageiros, respetivamente.
A taxa de carbono para o consumidor de viagens aéreas e marítimas incide sobre as transportadoras aéreas que procedam à comercialização dos bilhetes e sobre os armadores dos navios de passageiros ou os respetivos representantes legais, respetivamente.
A taxa prevista no presente artigo não se aplica às crianças com menos de 2 anos de idade, aos serviços de transporte abrangidos por obrigações de serviço público, ao transporte aéreo e marítimo entre ilhas e às aterragens ou atracagens por motivos de ordem técnica, meteorológica, força maior ou contingência similar.
Será criado um mecanismo que permite a catalogação dos investimentos relacionados com os investimentos climáticos, permitindo um melhor seguimento na utilização dos recursos provenientes desta taxa, no quadro da execução orçamental.
A liquidação, cobrança, pagamento e outras normas procedimentais são objetos de desenvolvimento em diploma autónomo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1200 de 27 de Novembro de 2024.