Cabo Verde e Senegal estreitam laços

PorSara Almeida,5 mai 2018 7:47

​O Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, e a sua comitiva reavivaram e cimentaram laços afectivos, políticos e económicos com o Senegal em visita oficial que decorreu de 25 a 28 de Abril. De destacar ainda, a intensificação dos laços logísticos, com uma prevista parceria entre a Air Senegal e a Binter Cabo Verde, com vista ao aumento das ligações aéreas, bem como a garantia dada de que ambos os países vão acelerar o dossier da ligação marítima, cumprindo um desígnio há muito desejado.

Vários encontros com personalidades senegalesas e com a comunidade cabo-verdiana em Dakar e Thies, uma sessão solene na Assembleia Nacional, uma aula magna na universidade Cheikh Anta Diop de Dakar, uma visita à ilha de Gorée, quatro acordos de cooperação assinados, a garantia de um reforço da cooperação económica e comercial, a par com novas perspectivas de ligação aérea e marítima. É este o balanço da visita de quatro dias, que o Chefe de Estado Cabo-verdiano fez ao Senegal, a convite do seu homólogo, Macky Sall.

Uma visita de cariz político, mas que é igualmente vista como um importante passo na dinamização da relação bilateral entre os dois países, que visa, entre outras coisas e nesta nova fase que agora se inaugura, aproximar e facilitar a conexão entre os operadores económicos dos dois países.

Ligando os países

A carência de ligações que conectem os dois países, seja por ar, seja por mar, é um tema que se levanta sempre que se fala da relação Cabo Verde-Senegal. Contudo, e ao contrário dos últimos anos, começam a haver iniciativas concretas que permitirão uma mudança de cenário.

No quadro da visita presidencial e na sequência dos acordos assinados no dia 26, foram anunciadas medidas e os passos já dados nesse sentido que permitirão efectivamente reforçar a cooperação comercial e económica.

A nível da ligação marítima, por exemplo, prevê-se alguma resposta para breve.

“Para a ligação marítima, o estudo de viabilidade já está pronto e o comité bilateral entre Cabo Verde e o Senegal terá de se debruçar sobre ele muito rapidamente para analisar a viabilidade e, especialmente, a implementação do programa que temos em comum.” disse o presidente senegalês Macky Sall, em declarações à imprensa local.

Por ar, “queremos lançar a empresa Air Sénégal, que irá trabalhar com Cabo Verde para assegurar que exista uma ligação diária entre a Praia e Dakar. E os nossos dois governos poderão trabalhar nesta questão”, destacou ainda, citado pelo jornal online SUD Quotidien.

No mesmo contexto, e ainda segundo o Sud Quotidien, referiu Jorge Carlos Fonseca que Cabo Verde vai propor, no quadro da CEDEAO, soluções adequadas à sua situação arquipelágica, o que passa por “investimentos em ligações marítimas e aéreas”.

A questão das ligação marítima e da intensificação dos voos aéreos voltou a ser referida na recta final da visita, e após o último encontro entre os dois chefes de Estado, com o presidente Macky Sal a ressaltar as trocas comerciais que os acordos vão potencializar, prevendo-se um diálogo comercial efectivo, que englobe os “homens de negócio”.

Nessa ocasião, o chefe de Estado senegalês, destacou em concreto, à TCV, a cooperação que se vai iniciar entre Air Senegal e Binter Cabo Verde. “Penso que vamos ter voos diários, o que vai permitir as trocas. Temos comunidades num lado e outro que também vão permitir essas trocas”, reiterou.

… e a CEDEAO

A par com o diálogo político no domínio da cooperação bilateral, as relações no quadro da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidente (CEDEAO), a integração de Cabo Verde e insegurança sub-regional, estiveram também sobre a mesa.

Assim, embora o aprofundamento ora encetado da relação entre Cabo Verde e o Senegal possa ser vista como importante e independente do quadro africano e da CEDEAO, este país pode ser porta de entrada para o continente e até mesmo para o reforço da integração do arquipélago na comunidade, salientou-se.

Aliás, a relação de Cabo Verde com a CEDEAO foi referida nos discursos que proferiu, destacando-se por um lado, o ensejo de prosseguir na senda da participação activa na comunidade, e por outro, a necessidade de fazer valer as necessidades específicas do país insular.

Duas nações democráticas

Nas diferentes intervenções de Jorge Carlos Fonseca ao longo da visita, tanto em declarações aos jornalistas como em actos públicos, foi destacado o facto de tanto Cabo Verde como o Senegal serem “referências democráticas em África” ou “duas democracias exemplares”.

Um dos momentos altos, desta visita amplamente coberta pela comunicação social senegalesa, foi a sessão solene que ocorreu na Assembleia Nacional, no dia 26.

Na sessão solene, Jorge Carlos Fonseca destacou a importância de preservar a democracia, sobre os desafios que muitas vezes se colocam e a colocam em cheque, nomeadamente a segurança.

Ora, a nível da sub-região, este bem tem sido usado não raras vezes como “uma contrapartida do regime democrático”. Uma posição que deve ser repudiada.

“O dilema democracia ou segurança não tem qualquer razão de ser”, sublinhou o Presidente cabo-verdiano.

“A democracia não pode ser hipotecada como condição para que a segurança seja garantida. Esta só tem sentido se estiver ao serviço do sistema democrático e do bem-estar das pessoas e das suas instituições”, frisou ainda, defendendo que a segurança deve, sim, “ser um instrumento ao serviço da democracia”.

No discurso na casa parlamentar, Jorge Carlos Fonseca expôs ainda o funcionamento da democracia em Cabo Verde, os grandes desafios do país, principalmente a nível da segurança, e a necessidade da solidariedade regional para dar resposta a esses fenómenos complexos, como os tráficos.

“Esse esforço deve ser intensificado e que os nossos dois países, pelos valores que comungam e pela estabilidade de que gozam, podem contribuir para intensificar a cooperação nessa área vital para a nossa região”, permitindo segurança, combate ao crime e paz, sem prejuízo de democracia, disse.

A nível da CEDEAO, uma outra mensagem foi a promessa de continuar a “estimular o nosso Governo a prosseguir, sem desfalecimentos, na senda de uma participação activa na construção da integração africana”, sempre numa perspectiva de contribuir para promoção da democracia e bem-estar dos povos.

Cooperação no ensino superior

Da agenda do Chefe de Estado Cabo-verdiano, na sua visita ao Senegal, constou ainda uma aula magna na universidade Cheikh Anta Diop, na qual desfiou as múltiplas ligações, nas mais diversas áreas, entre os dois países.

“500 quilómetros e 500 anos de distância não foram suficientes para nos separar”, referiu, apresentando as ligações históricas que marcaram as relações entre os dois países, bem como os fluxos migratórios que os unem.

E também nesta aula magna JCF colocou o foco na comunhão de “princípios e valores democráticos, legados pelos seus políticos e intelectuais”, em Cabo Verde e no Senegal.

O discurso continuou incidindo sobre o processo de democratização em África, um processo que, segundo acredita, será feito de avanços e recuos. Mais, segundo crê “não poderá existir um processo único de democratização, sequer um modelo a ser seguido”.

Ao mesmo tempo, “estamos inclusivamente convencidos de que a democratização será possível apenas se abandonarem as posições extremas” e concentração de poderes, afirmou.

E mais uma vez o tema segurança foi levantado com JCF a reiterar que esta “deve ser entendida como condição para o exercício dos princípios democráticos e nunca como uma alternativa à democracia”.

Quanto à posição de Cabo Verde no quadro da CEDEAO, à qual também aqui se referiu, salientou que serão desenvolvidas “acções tendentes a conceder atenção especial a países como o nosso, insular e de reduzidas dimensões territorial e populacional.”

Falando numa Universidade, o discurso terminou com o desejo manifesto de aproximar as universidades e instituições de ensino superior dos dois países, fomentando entre elas uma cooperação mais estreita.

Quatro acordos assinados

À margem da visita presidencial, teve lugar, no dia 26, uma reunião interministerial presidida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades, Luís Filipe Tavares, e seu homólogo, Sidiki Kaba.

A sessão surgiu na sequência da oitava reunião da comissão mista Cabo Verde/Senegal, que decorreu em Novembro de 2017, e pela primeira vez em 23 anos, na cidade da Praia.

Durante a reunião de quarta-feira foram assinados quatro acordos de cooperação entre os dois países entre os quais se destaca o acordo sobre o projecto de convenção para acabar com a dupla tributação de impostos e previne ainda a evasão fiscal.

Um segundo, diz respeito ao projecto de acordo interajuda institucional no domínio da Justiça. A estes somam-se o protocolo de cooperação no domínio da Saúde e o projecto de acordo de cooperação na área da comunicação social.

No final, o tema das ligações marítimas foi também destacado por Luís Filipe Tavares, que frisou, o facto de as duas comissões técnicas criadas já estarem a trabalhar, esperando-se no entanto a avaliação da viabilidade para iniciar a mobilidade.

Nesse sentido é assumido, conforme declarações à TCV, o compromisso de acelerar o dossiê da ligação marítima.

Na mesma linha, Sidiki Kaba, sublinhou que o período de letargia que marcou as relações durante algum tempo já foi ultrapassado e uma nova era de ligações começa.

Oposição ausente da Sessão solene

“A democracia não pode ser hipotecada em nome da segurança”. Esta frase de Jorge Carlos Fonseca no seu discurso perante o Parlamento foi destacada por vários órgãos de comunicação locais. Foi o caso, por exemplo, do jornal Le Quotiden, que descreve ainda que Jorge Carlos Fonseca “vem de um país modelo em matéria de democracia”.

O contexto do discurso diz respeito à questão da insegurança sub-regional, um dos temas, aliás, em agenda no encontro que teve no mesmo dia, no Palácio Presidencial com o seu homólogo.

Assim, e embora o seu discurso fosse essencialmente dirigido ao bloco da África oeste-africana, apanhou o país num momento em que esse tema se encontra em discussão na actualidade interna da política senegalesa.

A proibição, uma semana antes de uma manifestação junto à Assembleia Nacional, alegadamente por motivos de segurança tem sido alvo de reclamações e acusações de atitudes anti-democráticas no Senegal. Tanto é que, em protesto contra essa proibição, a oposição parlamentar não participou na sessão solene desta quinta-feira, na qual JCF discursou.

O presidente cabo-verdiano recusou-se, entretanto, a comentar a ausência desses deputados, bem como qualquer assunto da política interna do Senegal e frisou por várias vezes a solidez da democracia do país anfitrião, “um dos regimes democráticos mais sólidos do nosso continente”.

98% dos senegaleses entra em Cabo Verde sem problemas

A situação dos senegaleses em Cabo Verde foi também tema incontornável nesta visita, com o presidente da República a prometer apoio na facilitação dos processos de obtenção dos documentos de residência.

Hoje, há, de acordo com Jorge Carlos Fonseca, cerca de 1300 senegaleses que têm uma autorização formal de residência. Contudo, estes ainda são uma minoria. Há, de acordo com JCF, pelo menos 2700 cidadãos senegaleses a residir ilegalmente no arquipélago, uma situação que se pretende ver regularizada.

E há ainda, reconhece casos de cidadãos senegaleses que tiveram problemas na entrada em Cabo Verde, mas estes constituem uma pequena percentagem. Dos cerca de 8000 senegaleses que entraram no arquipélago, de 2015 a 2017, “apenas 163 tiveram dificuldades na fronteira”. “Portanto, 98% entraram sem nenhum problema”, frisou, citado pelo Sud Online, reiterando que irá instar o governo a melhorar as condições dos senegaleses no país para que possam ser tratados como os cabo-verdianos são em Dakar.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 857 de 02 de Maio de 2018.

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Autoria:Sara Almeida,5 mai 2018 7:47

Editado porAndre Amaral  em  5 fev 2019 10:57

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