Os impactos das mudanças climáticas e a crescente desigualdade entre países e dentro dos países estão a prejudicar o progresso da agenda 2030. O último relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU faz um alerta sobre a ameaça de uma reversão de muitos dos ganhos obtidos nas últimas décadas, que melhoraram a vida de milhões de pessoas.
Lançado esta terça-feira, dia de abertura do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, o relatório apresenta os últimos dados disponíveis. O estudo continua a ser o pilar utilizado para medir o progresso e identificar lacunas na implementação de todos os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
O relatório regista avanços em algumas áreas. Entre elas, a redução da pobreza extrema, a imunização generalizada, a redução das taxas de mortalidade infantil e o aumento do acesso à electricidade. No entanto, o documento alerta que a resposta global não tem sido suficientemente ambiciosa. Sem surpresa, as pessoas e os países mais vulneráveis são os que sofrem mais.
Para o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “é evidente que é necessária uma resposta muito mais profunda, mais rápida e mais ambiciosa para desencadear a transformação social e económica necessária para alcançar os objectivos para 2030.”
A falta de progresso é particularmente aparente entre os objectivos relacionados com o meio ambiente, como a acção climática e a biodiversidade. Outros estudos lançados recentemente pela ONU também alertaram para uma ameaça sem precedentes à biodiversidade e a necessidade urgente de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
O estudo aponta que os impactos da deterioração ambiental estão a afectar a vida das pessoas. Condições meteorológicas extremas, desastres naturais mais frequentes e severos e o colapso dos ecossistemas estão a causar maior insegurança alimentar e a piorar a segurança e a saúde das pessoas, forçando muitas comunidades a sofrer com a pobreza, o deslocamento e o aumento das desigualdades.
O subsecretário-geral da ONU para Assuntos Económicos e Sociais, Liu Zhenmin, alerta que o relógio para tomar medidas decisivas sobre o clima está a correr. O responsável destaca a importância de fortalecer a cooperação internacional e a acção multilateral para enfrentar os desafios globais.
Liu acredita que os desafios destacados no relatório “são problemas globais que exigem soluções globais" e que “assim como os problemas estão inter-relacionados, as soluções para a pobreza, a desigualdade, a mudança climática e outros desafios globais também estão interligadas”.
Apesar das ameaças, o relatório demonstra que existem oportunidades valiosas para acelerar os progressos, fortalecendo as interligações entre os Objectivos. A redução das emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, anda de mãos dadas com a criação de emprego, a construção de cidades mais habitáveis e a melhoria da saúde e da prosperidade para todos.
Algumas das principais questões apontadas no relatório:
Desigualdade
- O relatório alerta que o aumento da desigualdade entre países e dentro deles requer atenção urgente;
- Três quartos das crianças com atraso de crescimento vivem no sul da Ásia e na África subsariana;
- A pobreza extrema é três vezes maior nas áreas rurais do que nas áreas urbanas;
- Os jovens têm maior probabilidade de estar desempregados do que os adultos;
- Apenas um quarto das pessoas com deficiências graves recebe uma pensão por invalidez;
- As mulheres e meninas ainda enfrentam barreiras para alcançar a igualdade.
Clima
- O ano de 2018 foi o quarto ano mais quente já registado;
- Os níveis de concentração de dióxido de carbono continuaram a aumentar em 2018;
- A acidez oceânica é 26% maior do que na época pré-industrial e está projectada para aumentar em 100% a 150% até 2100 na taxa actual de emissões de CO2.
Pobreza Extrema
- O número de pessoas que vivem em pobreza extrema caiu de 36% em 1990 para 8,6% em 2018, mas o ritmo da redução da pobreza está a começar a desacelerar à medida que o mundo luta para responder à privação, conflitos violentos, vulnerabilidades a desastres naturais;
- Caso se mantenha no actual ritmo, o mundo não vai alcançar a meta de ter menos de 3% da população a viver nessa condição até 2030;
- De acordo com as estimativas actuais, é mais provável que a taxa fique em torno de 6%, o que representa 420 milhões de pessoas;
- Conflitos violentos e desastres naturais têm influência sobre o número. Na região árabe, a pobreza extrema era calculada em menos de 3%. Contudo, os confrontos na Síria e no Iêmen levaram a um aumento da taxa de pobreza na região, deixando mais pessoas sem ter o que comer e sem ter onde morar.
Fome
- A fome voltou a crescer no mundo, com 821 milhões de pessoas subnutridas em 2017, segundo dados compilados pelo relatório;
- Em 2015, o contingente de indivíduos passando fome era estimado em 784 milhões de pessoas;
- Actualmente, uma em cada nove pessoas no mundo não tem comida suficiente;
- África continua sendo o continente com a mais alta prevalência de subnutrição. O problema afecta um quinto da população africana, o equivalente a mais de 256 milhões de pessoas.
Saúde
- O relatório ressalta que pelo menos metade da população mundial, o equivalente a 3,5 mil milhões de pessoas não tem acesso a serviços essenciais de saúde;
- Em 2015, segundo a pesquisa, estima-se que 303 mil mulheres em todo o mundo morreram devido a complicações na gravidez e no parto. A maioria dessas gestantes vivia na África Subsaariana;
- A pesquisa da ONU aponta que os progressos estagnaram ou não estão a acontecer rápido o suficiente para combater doenças como malária e tuberculose. Eliminar essas infecções, como ameaças de saúde pública, é uma das metas do ODS nº 3, sobre saúde e bem-estar.
Igualdade de género
- Globalmente, nos últimos 12 meses, em torno de 20% de todas as mulheres com idade de 15 a 49 anos sofreram violência física ou sexual cometida pelo próprio parceiro;
- O índice de agressões é mais alto nos 47 países mais pobres do mundo, um grupo de nações que a ONU chama de países menos desenvolvidos;
- O relatório aponta que alguns indicadores sobre igualdade de género estão a melhorar. O levantamento lembra a queda significativa na ocorrência da mutilação genital feminina e no casamento infantil, mas ressalta que os números para essas violações de direitos continuam altos;
- A pesquisa vê progressos insuficientes em questões estruturais que estão na raiz da desigualdade de género. Entre os problemas citados pelo documento, estão a discriminação legal, normas e atitudes sociais injustas, o processo de tomada de decisões sobre questões sexuais e reprodutivas e os níveis baixos de participação política. Esses desafios estariam a minar os esforços para cumprir os objectivos da ONU.