O ano da guerra

PorSara Almeida,1 jan 2023 9:00

Destacam-se, em 2022, uma boa e uma “grande” má notícia. A boa notícia foi a esperada retoma à “normalidade”, após as restrições da pandemia da Covid-19: O mundo voltou às ruas, os eventos culturais saíram do zoom, e o turismo renasceu. A má notícia, em destaque, é a guerra na Ucrânia, com a crise de refugiados provocada e os seus impactos brutais nos preços de quase tudo. Mas vários outros acontecimentos merecem destaque neste ano que ora finda… Este é 2022 em revista.

O acontecimento do ano é sem dúvida a guerra na Ucrânia. 2022 começou sob forte tensão nas fronteiras ucranianas onde estavam estacionadas várias unidades militares russas. Temia-se uma invasão, que o Kremlin foi negando estar a ser levada em causa, exigindo, no entanto, a garantia de que a Ucrânia não entraria na NATO.

Os problemas entre os dois países vêm de longe, como se sabe, mas poderemos situar o início do pretexto para esta invasão, em 2014, com a anexão da Crimeia pela Rússia, com esta a evocar laços históricos com a população russófona.

Este ano, a 21 de Fevereiro, a Rússia acentuou as tensões e deu o mote à invasão, ao reconhecer a independência das províncias de Donetsk e Luhansk, na região de Donbas, o que levou a sanções por parte do Ocidente.

Três dias depois, a 24 de Fevereiro, a violência começou. A Rússia invadiu a Ucrânia e começou uma guerra que ainda perdura. Até ao momento, estima-se que mais de 40.000 civis já tenham morrido. Há também a registar 30 milhões de pessoas deslocadas, a maior migração na Europa desde a 2.ª Guerra Mundial.

No decurso da invasão, os russos foram avançando no terreno, e a Ucrânia, com o continuado apoio bélico dos parceiros ocidentais, tem vindo não só a resistir como a equilibrar as forças neste conflito armado.

A longo destes cerca de 10 meses de guerra têm-se também sucedido acusações de crimes contra a humanidade, de parte a parte. Em finais de Março, as imagens e relatos dos ataques indiscriminados, tortura e assassinato de civis, na cidade de Bucha, chocaram a opinião pública. A 15 de Setembro foram descobertos 445 corpos em Izium, no leste da Ucrânia. Outros crimes, entretanto, foram sendo conhecidos, entre os quais alguns em que a acusada é a Ucrânia. Entre estes últimos está o alegado assassinato de prisioneiros russos e o atentado contra o filósofo ultranacionalista russo Alexander Dugin, no qual a sua filha, Daria Dugina, perdeu a vida.

Outra grande preocupação causada pela Guerra é o “perigo nuclear”, seja pelo temido uso de armas nucleares por parte da Rússia, como, principalmente, pelo perigo de desastre Nuclear, devido aos combates nas imediações de Zaporizhzhia, a maior central nuclear da Europa. Ocupada pelas forças russas, a zona foi palco de combates no início de Agosto, e em finais de Novembro. Na sequência destes últimos bombardeamentos, várias infra-estruturas foram afectadas, mas até agora, de acordo com as vistorias da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o pior tem sido evitado. Rússia e Ucrânia têm trocado acusações sobre a autoria dos ataques.

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Com o ano a chegar a termo, os bombardeamentos em território ucranianos continuam, mas também em território russo, nomeadamente com ataques perpetrados por drones ucranianos contra bases aéreas. A Rússia tem perdido força, a Ucrânia tem resistido e retaliado, e a guerra continua sem fim à vista.

Eleições

Várias eleições marcaram o ano de 2022. Algumas trouxeram a manutenção das forças no poder, nomeadamente em Portugal, Dinamarca, Áustria, Cazaquistão, etc.

Entre os países que votaram na continuidade estão também Hungria, enfant terrible da União Europeia. Nas eleições parlamentares realizadas a 3 de Abril, o Fidesz, partido do nacionalista de direita PM de Viktor Orban conquistou a maioria absoluta e este foi assim reconduzido para um quarto mandato.

Na França, apesar do crescimento da extrema-direita, que teve os seus melhores resultados de sempre, Emmanuel Macron acabou por vencer a populista Marine Le Pen, após disputa da segunda-volta das presidenciais, a 24 de Abril.

A Itália escolheu a continuidade nas Presidenciais de 29 de Janeiro, com Sergio Mattarella a ser reeleito, mas nas legislativas, realizadas em Outubro, veio a guinada para o populismo, com a vitória da coligação liderada pelo partido de extrema-direita Irmãos de Itália (FdI). Giorgia Meloni, confessa admiradora de Mussolini e líder desse partido, tornou-se assim Primeira-ministra do país.

Em Maio, o ex-académico Hassan Sheikh Mohamud foi eleito presidente da Somália. Nas Filipinas,e como o mundo dá muitas voltas,as presidenciais foram vencidas por Ferdinand Marcos Jr., filho do ex-ditador Ferdinand Marcos (e de Imelda Marcos) que havia sido deposto em revolta popular e exilado do país. William Ruto foi, em Agosto, eleito presidente do Quénia, numas eleições marcadas por protestos e acusações de fraude eleitoral.

Entretanto, no Reino Unido tivemos, este ano, três primeiros-ministros. 2022 começou com Boris Johnson, que renunciou ao cargo a 7 de Julho após uma onda de escândalos no governo, que envolviam desde festas na sua residência oficial durante o confinamento a reformas pagas com dinheiro de doadores, entre outros. Sucedeu-lhe a 5 de Setembro, depois de eleição interna para a liderança do Partido Conservador, Liz Truss, que se manteve no cargo apenas 44 dias. Demitiu-se e foi substituída por Rishi Sunak que, a 26 de Outubro, no seu primeiro discurso como PM prometeu que iria reconstruir a confiança e liderar o Reino Unido através da “profunda crise económica”.

No Brasil, Lula da Silva volta ao poder ao fim de 12 anos ao ter vencido Jair Bolsonaro na segunda volta das presidenciais, que teve lugar a 30 de Outubro, naquelas que foram consideradas as eleições mais acirradas da história desde a redemocratização do país. Será empossado no próximo dia 1 de Janeiro.

Em Israel, abriu-se espaço para o regresso de Benjamin Netanyahu, com o bloco de direita por ele liderado a vencer com maioria absoluta as eleições de 1 de Novembro.

Na China, em eleições realizadas em outro registo, o Presidente Xi Jinping, no poder desde 2013, foi reconduzido pelo partido para um mandato de mais cinco anos.

E golpes de Estado

Houve alegadas tentativas de Golpe de Estado, em dois países dos PALOP – Guiné-Bissau (1 de Fevereiro) e São Tomé e Príncipe (24 de Novembro). E houve também golpes de estado, em outros países, que se efectivaram. A 23 de Janeiro um Golpe de Estado no Burkina Faso destituiu o presidente Roch Marc Christian Kaboré. Os militares, liderados pelo tenente-coronel Paul Henri Sandaogo Damiba “tomaram o país”, alegando como motivo a “contínua deterioração da situação de segurança” da Nação. A 30 de Setembro, em um novo golpe de estado, Damiba foi deposto pelo seu colega militar Ibrahim Traoré.

Protesto no Irão

O ano fica também marcado pelas manifestações no Irão. Os protestos foram despoletados pela morte, a 16 de Setembro de Mahsa Amini, de 22 anos, presa em Teerão pela polícia moral por ter alegadamente violado o código de vestuário que exige que as mulheres usem o hijab (véu islâmico). A jovem faleceu três dias depois de ter sido detida e agredida pelas autoridades. Milhares de pessoas, sobretudo mulheres, saíram então para as ruas em manifestações pacíficas que foram reprimidas pelas autoridades. Os protestos duraram semanas e ainda ocorrem tanto no Irão como em outros pontos do globo como forma de solidariedade. O regime iraniano tem reagido com violência, prendendo e matando manifestantes. De acordo com as ONGs, pelo menos 160 pessoas foram mortas nas manifestações em Teerão e outras 93 em distúrbios separados. Nesta última semana do ano, as autoridades começaram a fazer execuções públicas dos manifestantes como forma intimidatória.

Protestos na China

A China enfrentou também os seus piores protestos em décadas. A morte de dez pessoas em um incêndio que deflagrou num edifício alvo de confinamento em Urumqi, a 24 de Novembro, foi a gota final numa Nação saturada das restrições impostas pela política “zero covid” de Pequim. Os protestos espalharam-se pelas ruas e redes sociais, e foram rapidamente controlados pelas autoridades e sua máquina eficiente de censura. Porém, tiveram como efeito também uma reavaliação das políticas do país para controlo da doença e o levantamento de várias das restrições impostas. Teme-se agora a rápida propagação do vírus na China e alguns países, nomeadamente o Japão, já estão a exigir testes negativos à chegada aos viajantes provenientes de território chinês.

Tragédias

Entre as tragédias que marcaram este ano, uma das mais mortíferas aconteceu também no Afeganistão. A 22 de Junho, um sismo de 5,9 na Escala de Richter causou pelo menos 1.000 mortes e 1.500 feridos na província de Paktika. Meses depois, em Novembro, um sismo de magnitude 5.6, na ilha indonésia de Java, matou pelo menos 318 pessoas e deixou mais de 7.729 feridas.

O ano encerra com tempestades perigosas nos EUA e outros países, mas durante todo 2022 há tragédias climáticas a lamentar. As Filipinas continuam a fustigadas por várias tempestades, mas o destaque este ano vai para África: em Abril, na África do Sul, as fortes chuvas causadas pela depressão subtropical Issa, mataram pelo menos 306 pessoas e, em Outubro, enchentes na Nigéria provocaram mais de 600 mortos e 1,3 milhões desalojados.

Entre os acidentes aéreos que ocorreram este ano, o mais mortífero aconteceu a 21 de Março, quando um Boeing 737-800 com 132 pessoas a bordo caiu na China. Não houve sobreviventes.

Tragédias ocorreram também em locais de diversão e culto, sobrelotados. A 1 de Outubro, mais de 130 pessoas morreram num tumulto entre os adeptos e as forças de segurança após um jogo de futebol em Surabaia, Indonésia. No dia 29 do mesmo mês, cerca de 100.000 pessoas juntaram-se em Itaewon, um popular bairro de Seul, na Coreia do Sul, para celebrar o Halloween. Pelo menos 153 faleceram, pisoteadas e sufocadas pela multidão. Para terminar esse mês fatídico, uma outra tragédia, no dia 30, aconteceu em Gujarat, Índia, quando 141 morreram no colapso da ponte suspensa em Morbi, recentemente reaberta ao público.

Mundial do Qatar

Em ano de campeonato do mundo de Futebol, claro que esse é sempre um marco a assinalar. O Mundial aconteceu no Qatar, e apesar de toda a polémica sobre as condições laborais dos trabalhadores que construíram as infra-estruturas do maior evento desportivo do mundo, foi um sucesso. Bateu recordes de audiência e também de facturação. Segundo a FIFA, o Qatar, primeiro país árabe a acolher este campeonato decorrido entre 20 de Novembro e 18 de Dezembro, recebeu 1,4 milhões de visitantes. A Argentina foi a grande vencedora, ao derrotar a França na final.

Corrupção na EU

O Mundial” mexeu” também com a União Europeia, que se viu envolvida num escândalo de corrupção ligado ao Qatar. A investigação já decorria há alguns meses, mas um caso, conhecido por Qatargate, rebentou já após o fim do evento desportivo, quando Eva Kaili, socialista grega e uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu, foi detida, acusada de receber subornos do Qatar para influenciar as decisões relativas à celebração do Mundial de futebol naquele país. Além de Kaili foram também detidos o companheiro de Kaili, Francesco Giorgi; um lobista de Bruxelas; e o ex-eurodeputado italiano Pier Antonio Panzeri, este último considerado o cérebro de todo o esquema.

Obituários

Entre os que nos deixaram este ano, destaque para duas figuras do tabuleiro mundial: a Rainha Elizabeth II e o último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev.

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Gorbachev, construtor da Perestroika (reestruturação) e da Glasnost (abertura) e prémio Nobel da Paz em 1990, faleceu no dia 30 de Agosto, aos 91 anos. As várias reformas políticas e económicas que encetou, recorde-se, culminaram na queda do Muro de Berlim e na dissolução da União Soviética.

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Poucos dias depois, a 8 de Setembro, faleceu a rainha que mais tempo esteve em funções desde que há memória. Elizabeth II foi coroada aos 25 de anos, em 1952, e morreu aos 96 anos, Castelo Balmoral, na Escócia, depois de ter estado 70 anos no trono. Apesar de a rainha manter uma posição relativamente neutra em assuntos políticos, testemunhou eventos, como a desintegração do império britânico, a Guerra Fria (e os efeitos sociais da abertura de Gorbatchev), o Brexit, entre vários outros. Sucede-lhe o seu filho, Carlos III.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1100 de 28 de Dezembro de 2022.

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Autoria:Sara Almeida,1 jan 2023 9:00

Editado porFretson Rocha  em  24 set 2023 23:29

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