Segundo a Inforpress, acusou os bancos de viver às custas dos contribuintes sequestrando fundos públicos. Também teria dito que o BCV esteve muito mal alegando que os fundos não deviam ser transferidos dos bancos para o INPS tornando-se cúmplice do referido sequestro. Seguiram-se comunicados do BCN, do BCV e finalmente do INPS a explicar as respectivas posições sobre o imbróglio. Do governo que tem a tutela do INPS ainda não se ouviu nada não obstante a delicadeza da situação e os cuidados a ter com o sistema financeiro em matéria que o próprio Banco Central classifica de risco sistémico.
A questão que opõe o INPS aos bancos já tinha sido aflorada em dois números anteriores do jornal a Nação com base, supõe-se, em fugas de informação ou acesso privilegiado a fontes sem que as partes envolvidas se sentissem na necessidade de qualquer explicação pública dos acontecimentos. Não deixa de ser uma postura típica no país de, perante coisas importantes a acontecer, faz-se por ignorá-las ou então procura-se varrer para debaixo do tapete. A intervenção da dirigente sindicalista teve o condão de forçar os envolvidos a dar esclarecimentos. A partir daí que se ficou a saber que o BCV, desde 12 de Dezembro, tomou conhecimento da reclamação dos bancos e agiu para acautelar eventuais riscos sistémicos “recomendando aos bancos que se abstivessem de participar nos leilões até que “medidas de mitigação de risco e métricas adicionais de monitorização da liquidez” fossem equacionadas pelo Banco Central.
Da leitura dos comunicados emitidos percebe-se o mal-estar que foi instalado no sector e que tem perdurado por mais de um mês. Aliás, as saídas na imprensa já eram sinal disso culminando nas acusações dirigidas aos bancos comerciais e ao BCV. Quanto a eventuais efeitos no público e nos operadores económicos, o BCN fez questão, através do seu comunicado, de assegurar que os depósitos do INPS estão integralmente disponíveis e que não há condicionantes à sua movimentação. Da parte do BCV a suspensão imediata dos leilões dos depósitos do INPS traduziu a preocupação do BCV com os impactos negativos que uma eventual materialização do risco de liquidez poderia ter em instituições que, embora sem grande importância ou dimensão sistémica, desempenham um papel importante no financiamento das famílias e das empresas.
Desde a crise financeira de 2007-2008 que garantir que a estabilidade financeira, a par da estabilidade dos preços, passou a estar no centro da atenção dos bancos centrais em todo o mundo. Intervenções no mercado são despoletadas para manter liquidez no sistema financeiro e dar combate à inflação sempre que algo anómalo se manifeste. Há quase um ano atrás, por causa de retiradas súbitas de depósitos do banco Silicon Valley (SVB) nos Estados Unidos, rapidamente o banco central em coordenação com a Secretária do Tesouro, Janet Yellen, e outras instituições de regulação se movimentou para garantir liquidez com vista a evitar a corrida aos depósitos e o efeito de contágio nos outros bancos.
O SVB não era considerado um banco sistémico no sentido que a sua falência poderia causar disrupções graves no sistema. Mas há algum tempo que se apercebeu que as crises nascem onde menos se espera. Daí justificar-se ficar sempre alerta. O BCV no seu comunicado diz que já no Relatório de Estabilidade Financeira de 2022 tinha alertado que a “dependência de financiamento de depositantes institucionais [pode] aumentar o risco sistémico e de contágio para todo o sistema bancário nacional. Estranha é que, não obstante todos esses alertas, inovações no sentido de leiloar depósitos do INPS e conseguir taxas de retorno mais altas não tenham aparentemente recebido o devido escrutínio prévio para se ter uma ideia das implicações no sistema.
Os bancos queixam-se que não tiveram conhecimento do regulamento do leilão e dos critérios de selecção e o INPS contrapõe que já constavam da carta-convite e que as dúvidas foram esclarecidas durante a abertura das propostas. O BCV diz que só tomou conhecimento da matéria com a reclamação dos bancos que aconteceu após o primeiro leilão. Quanto ao governo, em particular o ministro das Finanças que, segundo os Estatutos do INPS, alínea e) do nº 2 do art. 3º, exerce a tutela conjunta com o ministro da Família e Segurança Social em matéria de “definição das regras de gestão financeira e investimentos dos fundos próprios do INPS”, não se sabe quando é que teve conhecimento da questão. Até agora não deu qualquer sinal sobre o assunto apesar de tudo o que continua a vir a público na comunicação social.
Infelizmente não é esta a única matéria sensível e urgente que, por exigir acção coordenada de vários intervenientes, precisa de uma atenção mais cuidada do governo. O problema é a tentação generalizada, que também se nota noutras paragens, de fazer da governação uma mistura de marketing político, espectáculo e actos performativos dirigidos para a mobilização de emoções. Não resta muito tempo ou disponibilidade para uma entrega a questões mais complexas e de ganhos a médio e longe prazo que são essenciais para construir um futuro sólido e com menos sobressaltos. E omissões em questões estruturantes acabam por acontecer.
É só ver como nesta questão essencial de “melhor servir e de garantir com maior segurança a rentabilização dos recursos da protecção social obrigatória” como se propõe fazer o INPS no seu comunicado não se avançou com a criação do organismo autónomo de gestão dos investimentos do INPS assim como estipula o artigo 42º dos seus estatutos publicados em Agosto de 2014. É o que existe em todos os países que procuram capitalizar de melhor forma a poupança social. Cria-se capacidade própria e autónoma para gerir uma actividade que exige níveis elevados de especialização técnica, de controlo de riscos e de eficiência e que também inspira credibilidade.
Segundo o decreto-lei nº 40/2014 devia ter sido criada no prazo de quatro meses após a publicação no BO, ou seja, até Dezembro de 2014. Seguramente por conveniências várias os sucessivos governos têm sido relutantes em seguir pelo caminho que a lei os impõe. A responsabilidade de conseguir uma melhor rentabilização dos recursos do INPS e de, ao mesmo tempo acautelar para eventuais riscos sistémicos que os seus enormes depósitos poderão provocar, cria, porém, uma nova urgência. É para se cumprir a lei.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1156 de 24 de Janeiro de 2024.