“O impossível reside nas mãos inerte daqueles que não tentam.” - Epicuro
E se isso já parecia incrível, a verdade é que o mais belo não foi o apuramento em si. Foi o instante em que todos, nas ilhas, na diáspora, nas ruas, nos cafés e nas casas, gritaram juntos. Nesse momento, não havia partidos, não havia diferenças, não havia distâncias e não haviam classes. Havia Cabo Verde. E esse é o verdadeiro milagre do desporto, lembrar-nos de que pertencemos uns aos outros e que estamos unidos debaixo de uma só bandeira.
O futebol, tantas vezes tratado como distração ou espetáculo, é também linguagem universal de esperança. O campo é uma metáfora da vida, exige trabalho, disciplina, estratégia e fé. E onde nenhuma vitória nasce do acaso e nenhum golo acontece sem uma equipa. É isso que este apuramento deve inspirar-nos a compreender, uma verdade cristalina em que quando um país acredita no seu talento e trabalha com rigor, o mundo escuta o seu nome.
O desporto como projeto nacional
O desporto não é apenas competição, desporto é cultura, é saúde pública, é política social, é economia e é diplomacia. É um espelho do país que somos e do país que queremos ser. Quando uma criança veste a camisola nacional, não está apenas a jogar, está a aprender sobre pertença, sobre sacrifício e sobre respeito. É por isso, este feito da seleção deve ser mais do que um momento de celebração. Este é um momento que deve ser o início de uma nova política nacional para o desporto e para tudo o que o desporto simboliza. Porque um país que forma atletas, forma cidadãos. E um país que cuida do talento da sua juventude, está a cuidar do seu futuro.
Cabo Verde tem um património humano extraordinário. Da música à literatura, da ciência ao mar, da língua à diáspora, Cabo Verde viu nascer alguns dos melhores e criou uma sociedade de heróis. Agora tem também, de forma visível e inquestionável, o símbolo desportivo de uma nação madura, capaz de competir entre os maiores. Isso traz uma responsabilidade nova, a responsabilidade de investir de forma estrutural no desporto enquanto instrumento de coesão nacional e desenvolvimento social.
E se a aposta no desporto me parece inquestionável, olhar para tal desígnio de forma isolada parece-me um erro. A cidadania é um equilíbrio mágico e perfeito de um triangulo de valores. Juntemos ao desporto e educação e cultura e teremos uma nação. Porque não há progresso sustentável sem educação, não há educação plena sem cultura e não há uma mente sã para tudo isso sem desporto.
Lembremo-nos que a escola ensina-nos a pensar, a cultura ensina-nos a sentir e o desporto ensina-nos a agir. Juntas, estas três forças constroem cidadãos completos, com conhecimento, sensibilidade e disciplina.
Quando um jovem aprende um ofício, lê um poema e joga em equipa, está a ser formado num triplo compromisso, uma tríade de saber, identidade e coletivo. Esse é o modelo de desenvolvimento que precisamos de afirmar e que vê no ser humano o centro de toda a política pública.
Em muitos países, as maiores transformações sociais começaram nos estádios e nas escolas. O orgulho nacional nasce quando as pessoas sentem que fazem parte de algo maior do que elas. O apuramento para o Mundial mostrou isso mesmo demonstrando, de forma cabal, que o país é capaz de se superar. Criou, ainda, um lembrete de que o talento precisa de estrutura. O futuro não se constrói apenas com emoção, constrói-se com visão, planeamento e investimento.
“A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.” - Peter Drucker
A energia que hoje enche as ruas pode ser a mesma que enche as salas de aula, os centros culturais e os espaços de criação. O que o futebol fez, unindo o país em torno de uma causa coletiva, pode e deve ser replicado noutros domínios. Porque o verdadeiro desafio começa agora e passa por transformar a emoção coletiva em propósito nacional.
Isso exige política, mas também exige alma, exige um Estado que perceba que a cultura e o desporto não são custos, são investimento. Um Estado que veja em cada campo reabilitado, cada escola com uma biblioteca viva, cada espaço cultural ativo como uma vitória no campeonato do desenvolvimento. Não basta termos jogadores no Mundial, é preciso termos cidadãos que se sintam parte do mundo.
E é aqui que o desporto ganha uma dimensão estratégica. Ele é, talvez, a forma mais eficaz de combater o desalento e a apatia. Num tempo em que tantas forças dividem o mundo, o desporto continua a unir. Onde há desporto, há esperança, e onde há esperança, há futuro.
Este apuramento é, no fundo, um espelho da trajetória nacional. Podem ver-nos como pequenos, podem até, alguns, querer que acreditemos que somos pequenos e que só um “salvador” nos pode liderar, mas aprendemos a competir que podemos vencer entre gigantes, que podemos ser do tamanho dos nossos sonhos e que, embora dispersos em ilhas, podemos ser únicos quando unidos num só arquipélago. Um arquipélago que se liga desde as areias de Maio ao frio sentido pela nossa diáspora em Massachusetts.
E agora somos mundialistas. E isso não é apenas um título desportivo, é uma metáfora política, cultural e humana. Uma metáfora que nos mostra que Cabo Verde entrou no mapa do mundo com a cabeça erguida, e o mundo ouviu o nosso nome. E se esse apuramento é histórico, o que mais importa não é o lugar onde chegámos, e sim o caminho que percorremos para lá chegar. Um caminho feito de esforço, de resiliência, de fé e de trabalho. Esse é o verdadeiro retrato do país, um país que oferece ao mundo um povo que acredita, mesmo quando duvida, que luta, mesmo quando está cansado e que sonha, mesmo quando parece impossível.
Um futuro que se constrói em equipa
O Mundial será, inevitavelmente, um momento de visibilidade, mas também pode (e deve) ser um ponto de viragem. Podemos usá-lo para reforçar a nossa marca nacional, para inspirar jovens, para atrair investimento e para mobilizar a diáspora. Acima de tudo, devemos ter a coragem e visão para consolidar a ideia de que Cabo Verde é mais forte quando joga em equipa.
Educação, Cultura e Desporto devem ser os três pilares de uma nova estratégia nacional para o futuro. Já o disse no passado e volto a repetir. Talvez hoje a mensagem colha mais atenção e que isso seja feito não apenas em setores de governo, mas por todos criando verdadeiros motores de transformação. Uma nova visão que incorpore o espírito que levou os nossos jogadores ao Mundial e que se concretiza numa estratégia que deve guiar o país. Que essa visão nos traga disciplina, humildade, fé e coragem e que com isso nos permita criar um novo e próspero Cabo Verde.
Quando uma nação inteira vibra com o mesmo sonho, percebe que o seu verdadeiro poder está na união. É isso que o desporto nos lembra, que o coletivo é sempre maior do que o individual, e que o mérito nacional é feito da soma dos méritos de cada um e que é para todos, e não só para alguns, que devemos trabalhar.
“O futuro pertence àqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos.” - Eleanor Roosevelt
Daqui a anos, talvez já não nos lembremos do minuto exato em que a bola entrou, tenho, contudo, a certeza que nos lembraremos do que sentimos. Lembraremos a alegria, o orgulho e os abraços. Lembraremos o instante em que o país inteiro se reconheceu, inteiro, vivo e unido.
Esse é o golo que continuará para lá do Mundial, um golo de uma geração que aprendeu que vencer é possível, que sonhar vale a pena e que o futuro de Cabo Verde se constrói, como o futebol nos ensinou, jogando em equipa.
Porque, afinal, o verdadeiro apuramento não é o que nos leva ao Mundial, é o que nos leva uns aos outros e o que nos deve fazer lutar por todos, para todos e com todos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1247 de 22 de Outubro de 2025.
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