Orgulho Cabo-verdiano — Um povo maior que as suas ilhas

PorPaulo Veiga,9 jun 2025 8:53

​A nomeação do Dr. Artur Correia para o Conselho Executivo da Orga nização Mundial da Saúde (OMS) é mais do que uma distinção individual. É o reconhecimento internacional da competência, da dedicação e da excelência que tantos cabo-verdianos colocam ao serviço do bem comum. Aprovada pela Assembleia Geral da OMS, esta nomeação honra também o país que o propôs: Cabo Verde.

O nosso pequeno arquipélago no meio do Atlântico, apresenta-se a quem o visita com menos de 600 mil habitantes, mas com um capital humano e moral que há muito transcende a sua geografia.

O Dr. Artur Correia não é apenas o antigo Diretor Nacional de Saúde, conhecido pela serenidade com que liderou o país durante momentos desafiantes. É também um símbolo de mérito, de serviço público, de preparação técnica e de prestígio acumulado ao longo de uma vida dedicada à saúde. A sua entrada no Conselho Executivo da OMS faz de Cabo Verde voz ativa num dos órgãos mais importantes da governação global da saúde. Um feito que enche de orgulho cada cabo-verdiano, dentro e fora das ilhas.

Este orgulho, e esta nomeação, representam um excelente ponto de partida para uma reflexão muitas vezes esquecida, mas que se sente em cada cachupa, em cada morna e em cada sorriso crioulo.

“Eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura” - Fernando Pessoa

Ser cabo-verdiano é ser, desde a origem, filho de cruzamentos e construtor de pontes. A nossa história é feita de migrações, de diáspora e de reinvenção e resiliência. Em todas as geografias onde há cabo-verdianos — de Lisboa a Boston, de Paris a Roterdão, de Luanda a Dakar — há histórias de superação, de trabalho árduo e de talento reconhecido.

E se Artur Correia é um caso de sucesso nacional, a diáspora cabo-verdiana é uma das maiores riquezas do país. Não só pela sua contribuição económica, mas sobretudo pela sua afirmação cultural, intelectual e ética, um património com que se assume em tantos setores da sua presença global.

Cesária Évora foi, e continua a ser, um dos maiores símbolos da cultura cabo-verdiana no mundo. A sua voz profunda, carregada de melancolia e verdade, levou a morna aos palcos mais prestigiados do planeta. Sem nunca ceder ao artifício, cantou em crioulo, descalça, com a alma inteira, e fez com que o mundo escutasse Cabo Verde com respeito, admiração e emoção.

O impacto de Cesária Évora transcendeu fronteiras, géneros musicais e idiomas. Com discos galardoados, uma carreira internacional de décadas e uma legião de admiradores em todos os continentes, ela elevou Cabo Verde à condição de referência cultural mundial.

Cesária ensina-nos que não é o tamanho do território que define a força de um povo, mas a profundidade da sua voz e da sua verdade.

No panorama literário há nomes que elevam Cabo Verde ao Olimpo da criação intelectual. Um desses nomes maiores é Vera Duarte, natural de Mindelo. Vera é uma das vozes intelectuais mais respeitadas do espaço lusófono. A sua obra literária, traduzida e premiada, dialoga com o universo feminino, com a luta pela igualdade e com a força poética da condição humana. Tal como Vera Duarte, há outros nomes que elevam a presença cabo-verdiana no mundo do pensamento como os escritores Germano Almeida e Arménio Vieira.

Este último, Arménio Vieira, é uma das vozes mais profundas e emblemáticas da literatura cabo-verdiana. Com uma escrita simultaneamente lírica e crítica, enraizada na história, na linguagem e na alma do arquipélago, a sua obra deu corpo poético às inquietações de um povo que sempre pensou o mundo a partir da insularidade. Ao ser distinguido com o Prémio Camões, o mais prestigiado da literatura em língua portuguesa, Arménio Vieira não apenas elevou a literatura de Cabo Verde ao panteão das letras lusófonas, deu-lhe também uma presença universal, serena e indelével. Como Cesária na música, Arménio na palavra demonstrou que das ilhas podem nascer vozes que ecoam por oceanos inteiros, com força, beleza e consciência.

“O desporto dá-te uma identidade além da geografia. Faz-te representar um povo e um sonho.” - Didier Drogba

Airton Cozzolino e Walter “Edy” Tavares são mais do que atletas de elite — são símbolos vivos de um Cabo Verde que acredita, que se supera e que conquista. O primeiro, mestre das ondas e campeão mundial de kitesurf, levou a ilha do Sal ao pódio dos mares do mundo, voando entre céu e água com a bandeira cabo-verdiana no peito. O segundo, gigante vindo da ilha do Maio, é hoje um dos maiores nomes do basquetebol europeu, pilar do Real Madrid e antigo jogador da NBA. Ambos começaram em ilhas pequenas, com recursos escassos, mas sonharam em grande, trabalharam com disciplina e chegaram onde poucos acreditavam ser possível.

Os seus feitos desportivos, mais do que troféus, são conquistas nacionais. Porque cada vitória de Airton ou cada bloqueio de Edy é um grito de orgulho que ecoa nas ilhas, nas comunidades da diáspora e no coração de cada cabo-verdiano. Eles representam a força de um povo que, mesmo pequeno em território, é imenso em talento, coragem e determinação. Que ninguém duvide: quando os filhos das ilhas levantam voo ou dominam os gigantes do mundo, Cabo Verde cresce com eles — e mostra, mais uma vez, que a grandeza não se mede em hectares, mas em carácter.

“A liderança feminina, especialmente vinda de contextos periféricos, não se impõe, inspira. Não se exibe, constrói.” - Ellen Johnson Sirleaf, ex-presidente da Libéria e Nobel da Paz

Permitam-me terminar esta seleção de estrelas, mencionando um exemplo que reúne o melhor de Cabo Verde. Para nós, cabo-verdianos, as mães são a essência de tudo, as mulheres são os pilares de tudo e as nossas filhas são o futuro dos nossos olhos. Helena Semedo é um nome que enobrece Cabo Verde e projecta o talento insular muito para além das suas fronteiras. Mulher de rigor, visão e coragem, com um percurso profissional de excelência em organizações internacionais de grande exigência, onde deixou, e continua a deixar, marcas de liderança sólida e pensamento estratégico.

Helena Semedo, até recentemente Vice-Directora Geral da FAO, teve um papel central na promoção da segurança alimentar, da agricultura sustentável e da diplomacia ambiental global e apresenta um perfil e uma competência de quem pode um dia, tenha o sonho para isso, liderar uma nação. Helena, que foi a primeira mulher a ser nomeada ministra em Cabo Verde, mostrou que é possível, a partir de um pequeno arquipélago atlântico, alcançar os mais altos fóruns internacionais com autoridade e humanidade. Representa a força do feminino no exercício do poder transformador e é um símbolo de um Cabo Verde que não apenas sonha com o mundo, mas também o influencia.

“Um povo só é verdadeiramente grande quando é maior do que as suas fronteiras.” - Amílcar Cabral

Estes são apenas alguns nomes entre centenas. Médicos, investigadores, engenheiros, artistas, líderes comunitários, empresários, professores. Em todo o mundo, há cabo-verdianos a deixar marca, não por se imporem com volume, mas pela sua consistência, pelo seu carácter, pelo seu valor.

Cabo Verde é um país que aprendeu a vencer as suas limitações. A falta de recursos naturais, a dependência da chuva, o isolamento geográfico, tudo isso moldou uma cultura de resiliência, disciplina e solidariedade. É por isso que cada conquista de um cabo-verdiano no mundo nos diz respeito a todos. Não se trata apenas de orgulho nacional, trata-se de identidade, de possibilidade e de inspiração. Mostra aos nossos jovens que podem sonhar alto.

Não somos grandes em extensão, mas somos imensos em humanidade. O nosso valor não se mede em hectares, mas em histórias. O nosso mapa pode parecer pequeno, mas o nosso povo está em todo o lado. Cabo Verde é maior do que as suas ilhas.

O futuro do país passa pela valorização do seu talento, pela criação de condições para que mais Artur Correias, Cesárias, Edys e Helenas possam crescer, desenvolver-se e contribuir, dentro e fora. O orgulho cabo-verdiano não é um sentimento vazio. É um compromisso com a excelência, com a ética, com o mundo.

Celebremos, pois, o que somos: um povo que se ergueu no Atlântico, mas que pertence ao planeta. Um povo que se move entre culturas sem perder a sua. Um povo que se supera todos os dias com coragem, com dignidade, com orgulho. Tenhamos a Visão de sonhar, de transformar Cabo Verde na dimensão que o seu Povo já mostrou ter e que conquistar dentro das nossas ilhas, aquilo que há décadas o sangue cabo-verdiano já conquistou para lá deste oceano.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1227 de 4 de Junho de 2025.

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Autoria:Paulo Veiga,9 jun 2025 8:53

Editado porAndre Amaral  em  9 jun 2025 16:20

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