A posição foi assumida em declarações à Lusa por Mário Belo Morgado, na cidade de Santa Maria, ilha cabo-verdiana do Sal, à margem da reunião dos ministros da Justiça da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“Cabo Verde é um Estado de direito e soberano e Portugal mantém toda a confiança nas instituições de Cabo ver e acreditamos que neste caso, como em todos os outros, será feita justiça, até porque, de acordo com as informações que disponho, não há ainda uma situação definitiva”, afirmou o secretário de Estado, questionado pela Lusa.
“Independente disso, as autoridades portuguesas estão a acompanhar o caso, temos dado todo o apoio diplomático e consular ao nosso compatriota e vamos aguardar com otimismo e com confiança a evolução dos acontecimentos”, acrescentou o governante.
O piloto português condenado em Cabo Verde a um ano de prisão, com pena suspensa, por não ter permitido uma evacuação aérea médica, disse na segunda-feira, em entrevista à Lusa, que apenas cumpriu regulamentos nacionais e internacionais, prometendo denunciar o caso em todas as instâncias.
“É um sentimento de injustiça flagrante. É inqualificável, na medida em que estou a ser prejudicado por ter cumprido escrupulosamente a lei do país e as leis internacionais. E nem isso é suficiente para que tenha sido feita Justiça”, afirmou o piloto português Nuno Miguel, de 43 anos.
Questionada pela Lusa à margem da reunião da CPLP, a ministra da Justiça de Cabo Verde, Janine Lélis, escusou-se a abordar diretamente o processo
“Não me pronuncio em relação a processos judiciais, como é natural. Os tribunais são independentes e quando há uma sentença significa que há um posicionamento da entidade que tem competência para isso. Naturalmente não agradando, a decisão há sempre as hipóteses de recursos e no quadro do Estado de Direito Democrático é assim que as coisas funcionam”, afirmou.
Com duas décadas de experiência como piloto - militar e civil - em Portugal e no estrangeiro, Nuno Miguel foi condenado há precisamente uma semana pelo tribunal cabo-verdiano da ilha da Boa Vista a um ano de prisão, com pena suspensa, juntamente com a companhia aérea Binter, por omissão de auxílio, ao recusarem realizar uma evacuação médica sem o obrigatório documento médico de transporte e uma maca para imobilizar o paciente.
“A mensagem é muito clara. Por um lado, há as leis que em tese têm de ser cumpridas e o país apresenta-se como país credível, que ganhou esse estatuto ao longo dos anos, mas por outro as leis não podem ser cumpridas, porque senão o profissional pode ser sentenciado da maneira que eu fui”, afirmou à Lusa o piloto português.
“Estamos a falar de voos comerciais e não voos específicos para uma evacuação aeromédica. Todos os outros passageiros e tripulantes daquele voo tinham o mesmo direito à vida", sublinhou.
O caso remonta a 14 de Maio de 2018, quando um homem foi baleado e esfaqueado no abdómen, na ilha da Boa Vista, durante a madrugada, junto a uma discoteca local, tendo a delegação local de saúde solicitado a evacuação médica para um hospital da cidade da Praia, ilha de Santiago, na ligação comercial de passageiros da companhia Binter.
Em tribunal, o piloto Nuno Miguel, comandante da aeronave da Binter que naquele dia fazia a ligação entre a Praia e a Boa Vista (e regresso à capital), afirmou que o pedido de evacuação não respeitou os procedimentos formais e obrigatórios para o transporte de um paciente com necessidades de apoio médico num voo comercial. Alegou que o avião não tinha maca para o seu transporte, pelo que, nessas condições, estaria em causa a segurança da tripulação e restantes passageiros.
“Só teria duas hipóteses: ou de maca ou sentado. Ora, o documento médico indica precisamente que o paciente é incapaz de viajar sentado, e por maioria de razão, com uma bala na zona onde o cinto aperta, o paciente está completamente imóvel, não poderia ir sentado. Não tendo maca a bordo, não tinha forma de transportar aquele paciente”, assume.
Para o comandante português, na altura foi também considerado um possível cenário de alteração a bordo com os restantes passageiros, face a um eventual agravamento do quadro clínico, tendo em conta as condições em que seria transportado e as perfurações que apresentava.
“Na melhor das hipóteses seria apenas a saúde daquele passageiro que estaria em causa, mas no pior dos cenários, que podia ter acontecido, era um acidente sério, porque as pessoas iam fugir e a massa e centragem do avião era afetada. Eu estaria a pôr em risco a saúde desse cidadão e dos restantes passageiros e da tripulação”, enfatizou.
“Com certeza absoluta teria consequências legais seríssimas, porque, incumprindo as normas, a empresa e a agência de aviação civil viriam atrás de mim, o que o não fizeram tendo em conta que eu cumpri escrupulosamente a lei”, acrescentou.
Na sentença, o tribunal considerou que a Binter “orientara os seus pilotos a recusarem transportar qualquer doente” sempre que “o MEDIF [documento médico internacional e obrigatório com informação sobre o estado do paciente] que lhes for entregue se encontrar mal preenchido”, como acabou por reconhecer a sentença.
O MEDIF, conforme regulamentos internacionais, é um relatório médico obrigatório nos casos em que o passageiro não reúne todas as condições de saúde para realizar uma viagem aérea, nomeadamente quando sofre de uma enfermidade ou incapacidade que causa efeitos à sua saúde e bem-estar durante a viagem ou precisa da assistência ou acompanhamento médico e/ou equipamentos especiais durante a viagem.