Condenadas por tabela : O drama das mães dos presos

PorSheilla Ribeiro,2 fev 2020 9:00

Ter um filho preso, para além da preocupação constante em saber como pode prestar o auxílio necessário para que o período de condenação seja de reflexão para uma melhor reinserção na sociedade após o cumprimento da pena, um outro elemento, torna difícil a vida dessas mães: a condenação da sociedade. O que, de certa forma, acaba por lhes afectar a vida obrigando-as a conviver com a vergonha e o sentimento de culpa pela situação. É este o drama de muitas mães representadas nesta reportagem por três progenitoras.

“Não sou a mesma pessoa de antes, porque estou sempre com ele nos pensamentos, não consigo dormir... sempre a pensar nele. Por isso é que digo que depois que ele foi preso as coisas tornaram-se complicadas”. É desta forma que Maria (nome fictício) de 59 anos começa a descrever a sua vida após a prisão do filho em 2013, hoje com 27 anos.

Esta progenitora confidencia que o seu dia-a-dia tornou-se “diferente e difícil” após a prisão de um filho. Ela e sua família, diz, tornaram-se “reféns” da preocupação constante.

Na cadeia de São Martinho, na cidade da Praia, onde seu filho está em reclusão, são permitidas duas visitas semanais. Maria e o marido, conta, visitam o filho sempre que podem.

“Eu sempre vou visitá-lo. Se eu não for ele fica ainda mais triste. Sempre, sempre pede-me esse apoio e suplica para não o abandonar”, relata Maria já deixando cair as primeiras lágrimas.

Comida, frutas, sabonete, pasta dental, papel higiénico são alguns dos itens que constam do saco de Maria a cada ida a São Martinho. A progenitora ainda deixa dinheiro para o caso do filho precisar de algo antes da visita seguinte.

Se não for numa terça é numa quinta ou domingo. Nos dias de visita Maria e Joana (nome fictício), outra mãe com filho preso a cumprir pena na Cadeia Central da Praia, acordam cedo para apanhar o hiace que vai para São Martinho. Se a visita for às 10, às 7 têm de sair de casa para enfrentar a fila, que, por sinal, “é maior a cada nova visita, infelizmente”.

O que mudou?

Joana vende rebuçados e outros doces no tabuleiro em diversas artérias da cidade da Praia e arredores onde há movimentação de pessoas para diversos tipos de eventos. Foi com isso que, afirma, criou, sozinha, quatro dos cinco filhos. O mais velho sempre esteve sob a responsabilidade da avó paterna. Com a prisão do filho há 7 anos, desabafa, “as coisas tornaram-se um pouco mais difíceis”.

“A cada visita ele coloca-me novos problemas e isso afecta-me muito porque tenho de fazer o possível para comprar o que ele precisa, seja comida, chinelo, coisas para a higiene pessoal”, diz.

Joana conta ainda que nem sempre tem meios para comprar tudo que o filho precisa, o que, diz, a deixa muito preocupada. Entretanto, afirma que há “muitos amigos e amigas” que por a conhecerem a vender no centro histórico do Plateau, por exemplo, doam “um pouco de tudo” para que ela leve ao filho todos os domingos, o único dia em que vai à São Martinho, já que nos outros precisa “catar” dinheiro para sustentar a casa e ainda suprimir as necessidades do filho condenado.

Depois da prisão do filho, Joana conta que passou a vender de dia e de noite, de modo a ter mais condições para comprar os mantimentos necessários para levar para São Martinho.

“Ontem era dia de visitas mas, como tenho de buscar vida para comprar coisas para lhe levar (não gosto de lá ir sem nada), fui vender na Cidade Velha por causa da festa. Eu tenho de buscar alternativas, sempre vou a lugares onde há mais movimento”, profere.

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Outra condição

Para a família de Maria, a situação é um pouco diferente, no que se refere às condições de comprar e levar mantimentos ao filho preso. Além disso, o marido é reformado, portanto, pode ir visitar o filho no meio da semana ao invés de ser apenas aos domingos.

Há 6 anos que Maria não sabe o que é dormir 6 horas por dia. Além disso, refere, adquiriu problemas de hipertensão, anda sempre stressada e muitas vezes “aérea”.

“Isso acaba por também afectar o meu trabalho porque de tanto pensar nele às vezes fico distraída, faço coisas erradas e tenho de voltar a fazer”, declara.

Filho preso em outra ilha

Rosa (nome fictício) de 47 anos, está desempregada e o filho mais velho, 25 anos, foi preso há quase 7 meses. Por isso, passou a viver numa situação “complicada” tendo em conta que o filho que a ajudava com as despesas, hoje já não pode contribuir com nada. A aflição de Rosa, moradora em Santa Cruz, interior de Santiago, tornou-se ainda maior quando o filho foi transferido para a ilha do Sal.

“Ele ficou com um bocado de problema, antes eu podia visitá-lo quando estava aqui na Praia mas, mandaram-no para a ilha do Sal. Eu não sei o contacto, estou sem informações dele, sem nada. É preciso chamar alguém e ver se consegue ir visitá-lo... minha vida está complicada”, desabafa.

Rosa confessa que se sente “presa” também, uma vez que se tem sentido “mal, nervosa e aérea”. Conta que chora muito cada vez que lembra da situação pela qual tem passado. “Sinto-me mal... ainda mais ultimamente a minha mãe ficou doente e queixou-se muito por não poder vê-lo. A minha mãe adora-o e eles eram muito próximos”, fala. Rosa vive em Achada Fazenda e menciona que o seu maior desejo nesse momento é ver o filho.

Falha e vergonha

Joana revela que não se sente culpada pela situação em que o filho se encontra visto que sempre lutou para que os filhos tivessem escola, educação e fossem boas pessoas.

“Quando o meu filho foi preso, muitas pessoas vieram visitar-me e diziam ‘que pena, criaste os teus filhos na ponta da tua saia, mas, o mundo é triste’... Sempre dizem isso. Mas eu digo que não, o mundo é triste, mas nós vamos enfrentar a situação e tudo vai passar”, afirma com fé.

Apesar do apoio manifestado pelos amigos, Joana diz sentir vergonha quando oferecem ajuda com mantimentos para levar ao filho.

Da mesma forma, Rosa acredita que deu uma boa educação ao filho que, conforme diz, sempre foi um rapaz “tranquilo e atencioso”.

“A mãe quando vê que o filho está a fazer coisas erradas, deve aconselhar, se souber, aconselhar a não fazer coisas erradas para não ser preso. É por isso que eu, estou sempre a conversar com os meus filhos, porque por vezes podes estar com um amigo, ou colega, que não gosta de ti e às vezes levanta uma calúnia contra si. Há muitos que estão presos por causa da calúnia de amigos”, observa Rosa, para quem o filho “também é uma vítima”.

Já Maria, conta que já sentiu muita vergonha pela condição do filho. “Há muito preconceito. Tornei-me mãe de preso, aliás, cúmplice por auxiliar o meu filho na prisão”, lastima.

Hoje, Maria já não sente vergonha de dizer que tem um filho preso, ou vergonha de sair com um ou dois sacos cheios de mantimentos para levar ao filho. Conforme afirma, acostumou-se à sua condição.

“No início eu sentia muita vergonha, principalmente por ser algo que eu não esperava. Apesar de já não sentir vergonha por causa do que podem pensar ou falar, continuo a não me sentir bem com a condição do meu filho, mas não há nada que eu possa fazer”, expressa.

Para a Maria, o filho está preso por se ter recusado a ouvir os conselhos que sempre lhe deu, enquanto mãe. Complementa ainda, que sempre lutou pelos filhos e sempre lhes deu de tudo.

“Os jovens hoje não ouvem os conselhos e depois arrependem-se. Eu sempre lutei por ele. Por isso acho que o ambiente que ele frequentava e os colegas não eram bons. Sempre dei de tudo, amor, conselho, tudo. Só não sei porque ele entrou naquele ambiente”, depõem.

Esperança

Apesar de o filho ter sido condenado a vários anos de prisão, Maria mostra-se esperançosa de que o filho seja libertado antes por bom comportamento. Entretanto, realça que não está disposta a passar, outra vez, pelo mesmo sofrimento.

“Eu falei com ele, dessa vez eu vou apoiá-lo. Porém, quando ele sair se cometer o mesmo erro, eu não vou mais apoiá-lo, não vou visitá-lo. Eu não posso passar por tudo isso outra vez”, enfatiza.

Joana, assim como Maria quer acreditar que até o final de 2021 o filho esteja livre e que encontre um emprego com serralheiro, área em que se formou.

“Lá na cadeia ele está a frequentar uma formação e eu estou com vontade que ele termine porque assim quando sair vai ter algo para fazer, além da serralharia”, manifesta.´

  • “Mães com filhos presos sentem-se presas” – especialista
    O psicólogo Nilson Mendes afirma que mães com filhos presos sentem-se psicologicamente presas. Conforme diz, além da vergonha que caracteriza a sua pessoa, muitas podem entrar num quadro depressivo. Segundo o psicólogo, a prisão de um filho afecta a progenitora psicológica e emocionalmente, sobretudo quando o vínculo entre os dois é forte e quando o filho é preso pela primeira vez.
    “Além da vergonha que caracteriza a sua pessoa, muitas podem entrar num quadro depressivo com vários sintomas como baixa auto-estima, isolamento, descuido da imagem corporal, problemas alimentares e insónia”, informa.
    Nesses casos, prossegue, podem recorrer à medicação para aliviar a dor e a angústia. De acordo com a mesma fonte, a mãe acaba por se sentir presa, muitas vezes devido à condenação social, mas também pela questão da visita ao presídio que caracteriza essa fase.
    Um outro ponto apontado por Nilson Mendes refere-se ao facto das mães culparem os colegas pela prisão dos procedentes. “É um mecanismo de defesa que é activado de forma voluntária. Normalmente as mães ou outros parentes são os últimos a saberem das situações em que os filhos se encontram, pelas pessoas particulares, vizinhos, amigos próximos ou policiais”, explica.
    “Além da vergonha que caracteriza a sua pessoa, muitas podem entrar num quadro depressivo com vários sintomas como baixa auto-estima, isolamento, descuido da imagem corporal, problemas alimentares e insónia”, informa.
    Nesses casos, prossegue, podem recorrer à medicação para aliviar a dor e a angústia. De acordo com a mesma fonte, a mãe acaba por se sentir presa, muitas vezes devido à condenação social, mas também pela questão da visita ao presídio que caracteriza essa fase.
    Um outro ponto apontado por Nilson Mendes refere-se ao facto das mães culparem os colegas pela prisão dos procedentes. “É um mecanismo de defesa que é activado de forma voluntária. Normalmente as mães ou outros parentes são os últimos a saberem das situações em que os filhos se encontram, pelas pessoas particulares, vizinhos, amigos próximos ou policiais”, explica.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 948 de 29 de Janeiro de 2020. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,2 fev 2020 9:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  28 out 2020 23:21

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