“No ano passado, Cabo Verde tinha subido dois lugares. Na altura, os argumentos da RSF eram praticamente os mesmos que acabam por pesar neste último relatório. Cabo Verde tem de fazer reformas para aumentar a autonomia e a independência do sector público de Comunicação Social”, defende.
Este responsável sindical afirma que a aprovação do novo estatuto da Rádio e Televisão de Cabo Verde (RTC), que em teoria vem criar um Conselho Independente (CI), foi um dos “ganhos”. Carlos Santos acrescenta ainda que na altura da constituição do novo Conselho Independente, a AJOC tinha-se posicionado “frontalmente” contra a inclusão da Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde (ANMCV) nesse órgão por considerar que “não faz nenhum sentido”.
“Na altura, defendemos também que se devia arranjar uma outra entidade que não a ANMCV. Por exemplo, a Associação Nacional de Defesa do Consumidor ou uma outra entidade ligada às universidades que têm cursos de Comunicação Social. Não foi entendimento do governo e, portanto, houve um desequilíbrio de forças dentro desse Conselho Independente, que acabou por escolher um Conselho de Administração”, relata.
Carlos Santos relembra que, na ocasião, a AJOC fez ver que não era contra as pessoas que foram escolhidas para o processo. Mas, prossegue, o procedimento em si, do ponto de vista da associação, “foi viciado”.
Por esta razão, o presidente da AJOC reitera que a associação continua a defender que a composição do Conselho Independente não garante aquilo que são os objectivos explicitados nos estatutos da RTC, que é garantir a sua autonomia e a independência.
Para além do atraso na implementação dessa reforma, o sindicalista menciona a questão dos concursos internos para as chefias dentro da própria RTC.
Carlos Santos considera que a RSF “tem razão” ao dizer que “os directores continuam a ser escolhidos pelo governo ainda que de forma indirecta”. Isto porque, justifica, o Governo nomeia o Conselho de Administração e é este que depois escolhe os directores.
Autocensura, pandemia e outros desafios
Um outro aspecto que a RSF chama atenção e que preocupa a AJOC, segundo relata o seu presidente, é a autocensura e a falta de sustentabilidade dos meios privados de Comunicação Social que dependem do subsídio do Estado uma vez que o mercado publicitário “é extremamente fraco”.
A autocensura, avança, tem várias causas. Uma delas, aponta Santos, é a falta de alternativa no sector da Comunicação Social no país, uma vez que ainda há um sector público muito forte. Ou seja, o grupo Estado é o maior grupo de Comunicação Social e não há grandes alternativas no mercado privado.
“Com essa radiografia, a queda de Cabo Verde não nos espanta. Há reformas, mas as reformas estão a ser feitas a conta-gotas”, reitera.
De acordo com o presidente da AJOC, a pandemia teve impactos no exercício do jornalismo, desde logo porque há ainda mais dificuldades no acesso às fontes de informação, sobretudo as oficiais.
“Não há muita disponibilidade das fontes, dos dados, a consulta de dados e de informações do Estado é muito dificultada numa situação normal, mormente agora quando estamos num contexto de pandemia em que os serviços estão completamente fechados e isso naturalmente acaba por afectar o exercício do jornalismo e da autocensura”, frisa.
A autocensura tem que ver com vários factores, como por exemplo, um contrato laboral “precário” que deixa o jornalista mais propenso a fazer autocensura. Um outro factor, na óptica deste entrevistado, é a “debilidade do mercado”.
“Se o sector público é o dominante, o que tem mais meios financeiros, mais meios tecnológicos, mais recursos humanos, os órgãos privados não estão em condições de disputar, de acolher profissionais, é claro que os jornalistas tendem a fazer autocensura, tendem a ter uma postura mais conformista”, profere.
“Pensamos que no dia em que a RTC tiver toda a autonomia, que não tem neste momento, enquanto não houver essa reforma efectiva para libertar a RTC das amarras do estado, a autocensura vai continuar a aumentar em Cabo Verde”, estabelece.
Actual posição no ranking dos RSF “não é má”
Apesar da queda de dois pontos no ranking do RSF, Carlos Santos ressalva que a posição 27 de Cabo Verde não é má, uma vez que continua, no grupo de países africanos de língua portuguesa, a liderar.
“Cabo Verde, pela estabilidade política, pela estabilidade social, devia ter uma posição mais lisonjeira. Eu recordo que Cabo Verde em tempos já integrou o top 10. Desde essa altura que nós temos vindo a perder posições”, assevera.
Para a liberdade de imprensa, Carlos Santos considera que o mercado da Comunicação Social deve funcionar “livremente”, o que no seu ponto de vista não acontece porque os privados não têm condições para disputar em pé de igualdade o bolo publicitário com a RTC.
Por esta razão específica é que é preciso reformas no sentido de retirar a RTC do mercado publicitário, visto que já dispõe de recursos pela via do Orçamento do Estado e já beneficia da taxa audiovisual que é arrecadada na factura de electricidade.
Para o presidente da AJOC, a lei de incentivo aos meios de Comunicação Social aprovada pelo governo em 2017, não foi propriamente um avanço e sim uma regressão em vários aspectos.
“Por exemplo, o porte pago foi retirado. Neste momento, os órgãos de comunicação social privados, os jornais por exemplo, têm dificuldades em chegar a outros pontos do país, não há um apoio do Estado. Uma linha de crédito para a modernização tecnológica das empresas de comunicação social e alguma isenção também do IVA continua a afectar os órgãos”, regista.
Carlos Santos insiste que não está a falar em dar dinheiro aos meios de comunicação social, embora o estado “não estivesse a fazer nenhum favor”. Mas, garante, há vários mecanismos de isenções que poderia utilizar para apoiar os órgãos para que o país tenha uma liberdade de imprensa à altura dos desafios da democracia em Cabo Verde.
“Gostaria de falar da migração para o ambiente virtual, nós reconhecemos que em Cabo Verde este processo está a caminhar muito lentamente, os projectos editoriais nesse sentido, no online, têm alguma dificuldade a afirmar. Isso pode ser um nicho do mercado uma vez que a audiência se alarga grandemente, mas tem havido esta dificuldade em termos de projectos editoriais sustentáveis no ambiente digital”, proclama.
“É preciso algum investimento”, defende Carlos Santos asseverando que, sozinhos, os meios de comunicação social não têm recursos para investir nessas plataformas tecnológicas para capacitar o seu pessoal para esse ambiente virtual.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1013 de 28 de Abril de 2021.