A justiça pode cometer erros e pode mesmo não ser tão rápida como seria desejável, “mas actua com objectividade, com isenção e de acordo com o princípio da legalidade”, aponta o Conselho Superior do Ministério Público (MP) no relatório.
Pode haver erros, e há, reconhece-se, uma recorrente morosidade processual, que também “não pode ser encarada como sendo regulada em função de indivíduos ou interesses outros”.
Apontadas as “máculas”, estas não podem, porém, “servir de pretexto para ataques injustos e radicalizados à justiça, muitas vezes transpostos para outros campos, tentando atingir o sistema judicial, a honra e a dignidade dos magistrados, seres que, como qualquer humano, também falham”, defende o CSMP.
Na mesma linha, o MP argumenta que a prestação de contas deve ser feita nos termos da lei, sem pressões, sem imposições e sem cobranças injustas.
“Às campanhas levadas a cabo por interesses nem sempre confessados, visando minar um dos alicerces do pilar da sociedade e da Democracia, o Poder Judicial responde com firmeza, autoridade e respeito pela Constituição e pela Lei”, lê-se no relatório, sem que sejam adiantados exemplos concretos dessas “campanhas”.
O MP considera que essa tem sido, aliás, a resposta dada: “colocado à prova em situações críticas recentes, em processos mediatizados, o poder judicial respondeu com integridade e firmeza”.
Produtividade positiva, mas longe do desejável
Quando ao trabalho propriamente dito, realizado no último ano judicial, o relatório avalia, de positiva, a produtividade do MP a nível global. Contudo, admite que esta ainda está “longe do nível desejável”.
Em números, houve um aumento de produtividade na ordem dos 5,8% comparativamente ao ano judicial de 2019/2020. Foram encerrados mais processos-crime do que os registados como novos, em quase todas as Procuradorias e a diminuição da pendência foi de 9%.
“Onze das dezasseis Procuradorias da República não só alcançaram, como superaram os valores de referência processual mínimo fixados pelo Conselho Superior do Ministério Público, sendo certo que em três das cinco que não atingiram esse valor, foi por uma diferença igual ou inferior a 1%. “A nível nacional, os valores de referência processual fixados foram ultrapassados em 49,4%”, lê-se ainda.
Dificuldades
A nível dos factores que impactaram no desempenho e produtividade do MP, há várias questões que são destacadas no relatório.
Uma, já antiga, é a localização dos intervenientes processuais para notificação, que continua a ser uma enorme dificuldade apontada pelos oficiais de justiça. A dificuldade acentua-se nos grandes centros urbanos e, em especial na Cidade da Praia, “impossibilitando a realização de diligências processuais e obrigando a repetição de sucessivas marcações de diligências, com implicações directas não só nos prazos de realização de instrução e na morosidade da justiça, mas também no aumento das despesas com consumíveis e combustível”, explicam.
Outro grande factor de impacto, nos últimos dois anos, é, incontornavelmente, a pandemia da COVID-19 que “foi determinante para a produtividade geral”. Entre os constrangimentos provocados, estão as infecções registadas entre magistrados, oficiais de justiças e outro pessoal do MP, que obrigaram a quarentena.
Entretanto, as restrições orçamentais condicionaram a execução de planos anuais de actividades como inspecções, formações, deslocações às Comarcas, entre outros, cita o relatório.
Resposta da PJ aquém do desejável
No relatório relativo ao período entre 1 de Agosto de 2020 e 31 de Julho de 2021, o MP aponta também que a “capacidade de resposta dos Órgãos da Polícia Criminal, sobretudo da Polícia Judiciária, ficou aquém do desejável”.
De acordo com o relatório, “a coadjuvação pela Polícia Nacional conheceu uma melhoria substancial”, que é vista como uma sequência da instalação da Direção Central de Investigação Criminal.
Em sentido contrário, a maior crítica é dirigida à Polícia Judiciária, onde se verificou “diminuição acentuada da actividade investigativa comparativamente ao ano judicial anterior e, por conseguinte, uma diminuição da coadjuvação ao Ministério Público”.
As maiores queixas estão relacionadas com a secção de investigação de crimes contra o património.
O relatório aponta ainda que tanto na Direcção Nacional como nos Departamentos de Investigação, com excepção do da Boa Vista, houve uma diminuição do número de processos devolvidos após delegação de competências. A nível nacional, essa diminuição foi de 56%. Na Praia a diminuição foi de 29%, em São Vicente de 48,9%, em Santa Catarina de 14,6%, e no Sal de 69%.
Para o MP, são também evidentes, em algumas situações concretas, dificuldades no relacionamento inter-policial entre os dois OPC (PN e PJ), no que se refere à partilha de informações e investigações conjuntas, com prejuízo para a realização da justiça.
“A diminuição da pendência a nível nacional pressupõe, necessariamente, um aumento da coadjuvação por parte desses dois OPC’s”, adverte.
SIJ recua devido a Ciberataque
Desde 2014 que está em curso a implementação do Sistema da Informação da Justiça (SIJ). Começou na Praia e São Vicente, mas devido à necessidade de ajustes passou no ano seguinte a um outro molde: experiências Piloto em procuradorias de comarcas pequenas (São Domingos, Ribeira Grande, Porto Novo e Paúl).
Houve ganhos, nessas comarcas “grande parte dos processos tramitaram via SIJ”, mas devido ao ataque cibernético ocorrido na Rede Tecnológica Privativa do Estado (RTPE), ocorrido em Novembro de 2020, até Março de 2021 os processos deixaram de ser tramitados por essa via.
Houve um retrocesso na utilização do SIJ, mas, garante o MP, “paulatinamente, tem-se vindo a recuperar parte dos avanços outrora alcançados”.
Entretanto, adverte o relatório, o SIJ continua a carecer de pequenos ajustes para ser capaz de dar a resposta que se lhe é exigível.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1035 de 29 de Setembro de 2021.