Jovem agricultor de Santo Antão implementa produção orgânica de hortícolas e frutícolas

PorSheilla Ribeiro,16 out 2021 10:01

Em Ribeira Grande de Santo Antão fica a propriedade de Lucas Leite Monteiro, onde muita coisa mudou desde os finais de 2019. A área de dois hectares e meio deixou a tradicional produção dos avós e o foco passou a ser a produção orgânica de hortaliças e frutas. A partir de então, a vida de Monteiro tomou novo rumo e a propriedade começou a chamar a atenção pela qualidade das verduras colhidas.

Lucas Leite Monteiro conta que a família possui algumas propriedades em Santo Antão, que no seu ponto de vista, precisava de uma outra dinâmica. Foi então que decidiu assumir a gestão daquela área e “cortar” toda a produção tradicional praticada pelos avós.

Assim, alguns meses depois de ter assumido a gestão do terreno, optou por abrir uma empresa agrícola para que pudesse explorar a área, a Ecofarm Cabo Verde, Lda.

De acordo com o empresário rural, a propriedade familiar é hoje uma fazenda agrícola com cerca de 2,5 hectares que aposta exclusivamente na produção de hortícolas e frutícolas 100% orgânicos, mas também na sua transformação ou processamento natural para conservação dos nutrientes dos alimentos.

“Em finais de 2019 começamos a trabalhar o projecto Ecofarm Cabo Verde no sentido de introduzir no mercado tudo quanto é cultura de produtos orgânicos. Não usamos nem pesticidas, nem fertilizantes químicos”.

“É tudo à base do que a natureza oferece. Por exemplo, na área onde está instalada a Ecofarm, usamos tudo que é o processo de compostagem de material orgânico, que é o resto de produção, mas também misturado com algum estrumo, neste caso, de caprinos”, explana.

Produção e mercado

Lucas Monteiro informa que a Ecofarm Cabo Verde produz batata-doce, batata comum, cebola, cebolinho, cenoura, abóbora, mandioca, tomate (kiara, savana, anaya), gengibre biológico, alho, alho francês, pimento verde e vermelho, beringela, beterraba.

Ainda na lista de produção faz parte o feijão ervilha (grão), feijão fava, verduras 100% orgânicas como coentro, salsa, alface, couve, repolho e espinafre.

Quanto à produção de batata-doce e batata comum, o empresário precisa que são feitas com alguma ressalva tendo em conta a praga dos mil pés.

No que tange às frutas, são cultivadas abacate, banana, papaia, manga, maracujá, coco.

Apesar da diversidade de hortícolas e frutícolas, o jovem agricultor refere que o mercado da empresa restringe-se às ilhas de Santo Antão e São Vicente, devido à praga dos mil pés.

“Por causa do embargo não conseguimos colocar os produtos de Santo Antão em nenhuma outra ilha. Um produto diferenciado que não há na ilha de Santiago, como o inhame, entre outros, não podemos lá pôr”, declara.

“E temos a produção do inhame que poderíamos estar a vender na ilha de Santiago num preço bem em conta, porque sabemos que é vendido por 700 e tal ou 800 escudos”, complementa.

O projecto que iniciou em plena pandemia, já conta com cerca de dois mil seguidores no Facebook, plataforma utilizada para anunciar a venda dos produtos em São Vicente. Contudo, Lucas Monteiro aponta que a página também conta com seguidores das ilhas de Santiago, Sal e Boa Vista que perguntam sempre pela possibilidade dos produtos chegarem até si.

“Há restaurantes especializados em produtos orgânicos na ilha de Santiago e entram sempre em contacto para saber quando vamos ultrapassar a fase do embargo e enviar os produtos. Sem falar na ilha do Sal onde os hotéis se interessam pelos licores e transformados”, destaca.

Para driblar o embargo e poder exportar para todas as ilhas do arquipélago, a Ecofarm Cabo Verde começou a investir noutros produtos, também orgânicos. No caso, investiu no processamento da cana-de-açúcar produzido naquela área, para a produção de aguardente através da marca "Páia d'Cana". Também dedicam-se a produção dos “Licores d’ Avó”.

“Temos por exemplo, o licor de café. Foi um teste que fizemos com cafés de Cabo Verde, mais especificamente o café da ilha do Fogo, completamente orgânico. Também temos licores de gengibre produzido por nós, de hortelã, de alecrim”, adianta, acrescentando que no total, são cinco licores que serão exportados e colocados na ilha de Santiago.

Além dos licores, Lucas Monteiro investiu ainda na marca ““Delícias d’ avó”, uma linha de transformados que inclui desde doces, pastas e purés de frutas existentes na ilha de Santo Antão. Além de frutas “devidamente tratadas e embaladas”.

“Já que não conseguimos colocar os produtos em si no mercado nacional, que seria de interesse para a hotelaria, restauração, a ideia é fazer a transformação. Mas, também poderão ser exportados para os EUA e a Europa”, anuncia.

Nos transformados, o agricultor garante que não são utilizados nem corantes nem conservantes. Deste modo, afirma que são produtos naturais, cujo período de consumo varia entre 10 e 15 dias após serem abertos.

Segundo Lucas Monteiro, a empresa poderá começar a exportar para os EUA a partir de Janeiro de 2022. Para tal, já se encontra registada no Food Drugs Administration (FDA) que controla a entrada dos produtos naquele país.

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“Desde o início da nossa criação introduzimos a importação e a exportação e já estamos registados na Câmara de Comércio de Barlavento. Já temos um representante da marca nos EUA, que são familiares com negócios em Boston e New Bedford e temos contactos de algumas casas crioulas que se interessaram pelos nossos produtos na França, Portugal e Luxemburgo”, salienta.

Por agora, a ideia de Lucas Monteiro é ter um espaço em São Vicente, que será o ponto de distribuição. Uma loja exclusiva do projecto Ecofarm Cabo Verde, voltada para tudo o que é produto orgânico da empresa.

Conforme revela o produtor, espera-se aumentar, nos próximos tempos, a produção de modo a ter fluxo dos produtos da marca “Plurim Bio”, também da Ecofarm.

“Essa loja, além de ser um ponto de venda dos nossos produtos, vai ter uma parte de armazenagem e transformação dos produtos. Isto para que a partir de São Vicente possam ser exportados mais rapidamente do que se saírem de Santo Antão”, fundamenta.

Mão-de-obra e outros custos

Para Lucas Monteiro, a produção orgânica é mais custosa, uma vez que requer, por exemplo, o preparo da compostagem (processo biológico de valorização da matéria orgânica).

“E, tendo em conta que é um projecto numa área de grande dimensão, é preciso ter pelo menos uns 10 ou 15 homens a trabalhar. E neste momento temos um responsável na área com a sua família que trabalha a terra, mas, precisamos de mais pessoas”, diz.

O empresário rural aponta que, actualmente, a maior dificuldade da Ecofarm é encontrar mão-de-obra, porque “a juventude actual não quer saber do contacto directo com a terra”.

“Quando encontramos mão-de-obra são pessoas de meia-idade que não conseguem dar um rendimento satisfatório. E o custo aumenta porque se há mais gente a trabalhar, é menos intensidade de trabalho e ao invés de cinco teríamos 15 pessoas a trabalhar e pagaríamos um preço justo. Mas, com menos gente é preciso pagar um preço que compense todo o trabalho”, analisa.

Além da mão-de-obra, Lucas Monteiro refere ainda ao custo com o transporte, tendo em conta que a propriedade fica no interior do concelho de Ribeira Grande, de onde sai para Porto Novo e depois para São Vicente.

Os custos, conforme o entrevistado, reflectem de forma “bastante suave” no preço dos produtos.

“Porque somos produtor e ao mesmo tempo distribuidor e não temos um intermediário que compre em nós para fazer a revenda. Então, por exemplo, um produto que pode comprar em mim por 250 escudos, com um intermediário poderia custar quase 500 escudos”, exemplifica.

Agricultura + Digital

Ao investir nas plataformas digitais para divulgar seu negócio, Lucas Leite Monteiro acabou por despertar o interesse de técnicos ligados à agriculta que fornecem orientações a nível da produção.

É o caso de Júlio Lima, PhD em agronomia que, neste momento é também orientador do projecto.

Ainda sobre o digital, a Ecofarm Cabo Verde pretende dividir os 2,5 hectares em talhões de meio hectares cada, onde serão cultivados produtos específicos.

Ou seja, um talhão só para frutíferos, um para cana-de-açúcar, um para mi­lho, um para batata-doce, entre outros.

Esclarece que o objectivo é que a produção agrícola seja desenvolvida com base em boas práticas de produção e sistema de irrigação gota-a-gota adequadas para o bom desenvolvimento das plantas.

E tendo em conta a existência de um furo e a barragem Canto de Cagarra a 800m da propriedade, Lucas Monteiro fala ainda da possibilidade da existência de um sistema de irrigação gota-a-gota de alta tecnologia e de controlo de solos.

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“Será uma área de 2 mil metros quadrados que vai ter irrigação inteligente. Temos o gota-a-gota que tem sido praticada em Cabo Verde por pequenos agricultores através do Ministério da Agricultura, mas nós vamos introduzir o gota-a-gota combinado com um sistema inteligente de rega. Ou seja, poderá ser controlado remotamente, posso estar aqui, em Portugal ou outra ponta e através do meu telemóvel conseguir ordenar a rega”, especifica.

Além do sistema inteligente de rega, a ideia é ter um conjunto de sensores para medir o pH do solo, a humidade do ar e anemómetros para medir a velocidade do vento.

“Depois, tudo será introduzido numa base de dados e incorporado num sistema através do professor Júlio Lima, que tem ligações com engenheiros da NASA que estudam o clima. Aliás, o professor traduziu o manual de mais de 200 páginas para português, para que pudéssemos seguir tudo que a NASA diz a nível desse sistema, para podermos implementar em Cabo Verde”, narra.

Neste sentido, Monteiro menciona que a empresa vai apresentar drones de uso agrícola para mapeamento, fertilização e semeadura do solo, em parceria com a PRIMEBOTICS e com a GESTAGROSYSTEM (premiada pela STARTUP CHALLENGE).

A ideia é aplicar tecnologias de IoT que permitirão aos produtores e agricultores reduzirem o desperdício e aumentarem a produtividade, conectando às suas plantações à tecnologia de rega e controlo de solos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1037 de 13 de Outubro de 2021. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,16 out 2021 10:01

Editado porDulcina Mendes  em  20 jul 2022 23:28

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