Ir à farmácia com uma receita e não encontrar parte dos medicamentos prescritos pelo médico é algo a que estamos relativamente habituados. As rupturas de stock não são de agora, mas foram agravadas com a pandemia, que afectou as redes de produção e distribuição de produtos farmacêuticos. Por vezes, a situação resolve-se com nova ida ao consultório, para nova prescrição. No entanto, nem sempre a solução é fácil e imediata.
Em Outubro, Lia Medina precisou de um antialérgico para o filho. Só 21 dias depois da primeira tentativa conseguiu comprá-lo.
“Às vezes acontecia faltar um ou outro medicamento, mas geralmente havia reposição no final do dia ou no dia seguinte, mas efectivamente, neste mês de Outubro, tive uma receita passada no dia 7, para concluir o tratamento do meu filho, que teve um problema respiratório, e só 21 dias depois é que conseguimos adquirir o mesmo na farmácia e já com indicação de que vai acontecer nova ruptura”, recorda.
Também Faial Fonseca confessa não ter conseguido comprar todos os medicamentos de que precisava.
“No outro dia, andei à procura de um simples remédio para a tosse, para a minha filha, e não encontrei, estava esgotado no mercado. Voltámos ao médico, que nos passou um outro medicamento, que também não tinha. Tivemos que voltar ao médico para procurar outra alternativa, que felizmente acabámos por encontrar”, lembra.
O cenário repete-se uma e outra vez. O médico e antigo delegado de saúde de São Vicente, José d’Aguiar, sublinha a importância de garantir o aprovisionamento de medicamentos.
“Os medicamentos são essenciais para a manutenção da saúde. É algo que não deve faltar. Não sei onde é que está a culpa, se é na programação, na distribuição, na produção, se é na importação. De qualquer forma, é algo que tem que ser evitado”, afirma.
As farmácias estão na linha da frente. É a elas que os pacientes se dirigem e é nelas que deixam a sua frustração. No Mindelo, Diorides Gomes, técnica da Farmácia Higiene, confirma a escassez de alguns fármacos, particularmente aqueles que são usados por doentes crónicos.
“Quando fazemos o pedido, vem logo com cancelamento de algumas encomendas, por falta dos medicamentos”, explica.
Cenário idêntico em Santo Antão. A sócia da Farmácia São João Baptista, em Porto Novo, Ana Paula Vera-Cruz, entende que a situação é crítica.
“A nossa situação é igual à situação das outras farmácias, temos o mesmo fornecedor, o único fornecedor. Quando [os medicamentos] faltam numa farmácia, faltam em todas. A nossa situação é crítica em termos de medicamentos”, analisa.
Anti-histamínicos, multivitamínicos, medicamentos para a hipertensão, insulina ou antibióticos. Eis alguns dos fármacos mais vezes em falta nas prateleiras, de acordo com a ronda feita pelo Expresso das Ilhas. Ainda assim, no final de Outubro, na Praia, Maria Helena Santos, directora da Farmácia Santa Isabel, constatava sinais de melhoria.
“Neste momento, [falta] um ou outro antibiótico, os anti-histamínicos estão a faltar dois ou três. Já melhorou bastante. As insulinas estão estabilizadas”, exemplificava.
A Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos não tem dúvidas de que a falta de medicamentos tem impacto negativo na saúde. Para Marcília Fernandes, a resolução do problema é uma prioridade.
“A questão da ruptura de medicamentos tem vindo a acontecer desde o período pré-pandemia. Antes do advento da covid-19, já estávamos a verificar essa ruptura, que causou algum reboliço e preocupação, por parte de todos os profissionais de saúde, e que tem consequências graves, até bastantes graves, para determinados grupos de pacientes, principalmente os pacientes crónicos”, adverte.
Nalguns casos, a falta de medicamentos atinge as primeiras e segundas opções. Sem alternativas, os riscos são acrescidos.
“Quando estamos a falar de pacientes crónicos, por exemplo, do hipertenso, do diabético ou de um paciente com patologias cardíacas, são pacientes que não podem estar sem medicamento”, reforça.
A bastonária dos farmacêuticos defende que sejam encontrados fornecedores alternativos, mesmo se mais caros.
“Num primeiro momento, pode ser um custo financeiro elevado, mas a médio e longo prazo esse custo diminui. Um paciente descompensado, que não consegue fazer a sua terapêutica, vai custar muito mais aos serviços públicos”, contabiliza.
O Expresso das Ilhas e a Rádio Morabeza tentaram ouvir a empresa pública responsável pela importação e distribuição de medicamentos, Emprofac. As tentativas não produziram resultados até ao fecho desta edição.
*com Fretson Rocha e Lourdes Fortes (Rádio Morabeza)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1041 de 10 de Novembro de 2021.