Acredita em bruxas?

PorAntónio Monteiro,31 out 2021 8:57

Em Cabo Verde o Halloween, ou Dia das Bruxas, é uma celebração ainda incipiente, mas o que não falta a estas ilhas são relatos sobre bruxarias e feitiçarias. O Expresso das Ilhas compilou algumas destas histórias passadas no interior de Santo Antão e Santiago.

Halloween, ou Dia das Bruxas, segundo a Wikipédia, é uma celebração observada em vários países, principalmente no mundo anglófono, no dia 31 de Outubro, véspera do Dia de Todos os Santos. Aliás, o termo tem origem na expressão inglesa “All Hallow’s Eve” (Véspera de Todos os Santos), pois é comemorado um dia antes do feriado de 1º de Novembro.

Como todas as coisas, o Halloween acabou também por chegar a Cabo Verde, mas a sua celebração restringe-se a espaços de diversão à volta de festas e fantasias sobretudo nos maiores centros urbanos do país. Hoje, são poucos os que acreditam nestas crenças populares, mas nem por isso deixam de pertencer ao nosso rico património imaterial que é necessário estudar, preservar e transmitir.

Em Cabo Verde não existe um dia especial dedicado às bruxas, mas esta crença popular está ainda arreigada nas zonas rurais sobretudo nas ilhas de Santo Antão e Santiago.

Comecemos por Santo Antão, mais precisamente pelo concelho do Paúl, “fetcera de Rebera de Janela, que te cmê na got, te cmê na catcor”, cujas feiticeiras foram imortalizadas neste trecho interpretado pela Diva dos Pés Descalços, Cesária Évora.

Feiticeiras de Ribeira de Janela

Antes de entrarmos propriamente nos relatos compilados da Ilha das Montanhas, importa frisar que em Santo Antão a figura da feiticeira coincide completa e exactamente com a da bruxa. Regra geral, há mais feiticeiras que feiticeiros, já que as mulheres, como era crença, tinham mais ligações com as forças obscuras e com os espíritos. Normalmente, eram pessoas já de certa idade, muitas vezes portadoras de deficiência física, como sejam corcundas, zarolhos, coxos, etc. “Comiam” preferencialmente crianças, quer dizer, matam-nas através de” oiadas”, sobretudo no sétimo dia ao do nascimento.

Resguardos e esconjuros

Antigamente, em Santo Antão, e não é que esta prática se tenha desaparecido completamente, para precaverem os filhos dos sortilégios ou “más oiacias” das feiticeiras, as mães costumam dependurar-lhes, ao pescoço ou esconder-lhes na cintura um “esguarde”, (sibitchi, na ilha de Santiago), uma espécie de antídoto para as nefastas acções da “oiada”. Ainda que hoje em dia cada vez menos pessoas acreditam em bruxarias, o sititchi continua ainda sendo usado discretamente por certa camada da nossa população sobretudo nas zonas rurais do arquipélago.

De Santo Antão recolhemos esta bela quadra, uma espécie de breviário musicado, para todas as mães que temem pela saúde dos seus filhos:

“Quem crê criá sê mnine gordin / Del rab de legartixa, del gril, del cafanhot / Detel ne paia de cana, cobril que pegassaia / El toiel vrá bnitin, el toiel vrá gordin”.

Pactuadas com o diabo, as feiticeiras, conforme as circunstâncias, assumiam, muitas vezes, formas de animais (cães, gatos pretos, porcos, bodes, etc.) perseguindo nos caminhos e nas encruzilhadas os incautos transeuntes da noite, aos quais apenas restava um único expediente: zurzir nelas, de cada vez, três chibatadas, sendo duas no ar e somente a terceira era vibrada no corpo do bicho. A aplicação desta técnica repetia-se até que a feiticeira, de rabo alçado, punha-se em fuga muitas vezes em estado deplorável.

Importa referir neste ponto que as encruzilhadas, conforme crença popular, eram lugares ensombrados por espíritos malfazejos, razão por que se erguiam nichos e capelas nestes lugares, convidando os transeuntes à paragem e à reflexão.

Artimanhas contra o mau-olhado

Contam os mais velhos que havia uma mulher, no Paúl, mãe de duas crianças, que não lograva ter mais filhos que sobrevivessem, a partir do dia em que uma feiticeira resolveu ir residir no mesmo local que ela. A senhora andava muito triste com a sua desgraçada situação. Fez votos, peregrinações, promessas, mas tudo em vão. Até que um dia uma vizinha aconselhou-a que convidasse a feiticeira para madrinha do filho ainda no ventre. A feiticeira ficou tão radiante que aceitou logo o convite. Quando a criança nasceu fizeram-lhe um baptizado com toda pompa e circunstância. Desde esse dia a pobre mulher viveu tranquilamente e em paz com a feiticeira, agora sua comadre.

Ilha de Santiago

Com ligeiras nuances e mudando apenas a cor regional, as histórias de bruxas e feiticeiras repetem-se por todas as ilhas de Cabo Verde.

Uma jovem santa-catarinense que vive e trabalha na Praia contou à nossa reportagem que aqui na Praia não acredita nestas superstições, mas quando está na Cidade da Assomada a coisa muda de figura.

“Não acredito em bruxarias, mas depende do sítio onde eu estiver. Aqui na Praia não acredito, mas na Assomada, no meio da escuridão, fico um pouco confusa. Por exemplo, no sábado quando estive em Assomada uma mulher ofereceu-me um maracujá, mas não comi porque não a conhecia. Lembrei-me logo da história que minha avó me contou de uma bruxa que, quando eram criança, ofereceu uma banana a ela e à sua irmã gémea que depois de a comer caiu do burro e morreu. A minha avó teve melhor sorte porque a bruxa só conseguiu comer-lhe uma orelha, porque, entretanto, passou pelo caminho um grupo de pessoas que assustou a feiticeira”, relatou-nos, acrescentando que aqui na Praia não pensa em bruxas, nem em feiticeiras.

A próxima história passou-se na Cidade Velha, quando o nosso interlocutor era ainda criança. Passaram pelos lados do Pelourinho, onde um homem vendia cajus. Quando este se deu conta que a criança estava a comer um caju que lhe tinha subtraído, ameaçou-lhe com um tom de voz que fez estremecer a criança: “Ó menino do diabo, este é o último caju que comes na tua vida”! De facto, antes de terminar de comer a peça de fruta a criança engasgou-se e não havia como fazê-lá desengasgar. No hospital também os médicos não conseguiram ajudar a criança e mandaram-na embora. Chegados a casa, a mãe deu ao filho um beberete à base de chá de barata preta, lagartixa e suco de babosa. “De seguida a minha mãe deu-me banho de urina e fiquei pronto. Imediatamente ela foi ter com o feiticeiro rogando-lhe que “largasse” seu filho. Este assim o fez, e nunca mais senti mais nada”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1039 de 27 de Outubro de 2021.

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Autoria:António Monteiro,31 out 2021 8:57

Editado porAntónio Monteiro  em  2 ago 2022 23:29

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