Falar de Turismo também é falar de diversificação económica

PorSara Almeida,16 jan 2022 9:00

Num momento em que a retoma do turismo em Cabo Verde já está em curso, e é vista com optimismo pelo governo e operadores, o ministro da tutela, passa em revista algumas medidas tomadas para garantir o sucesso do retorno e fala dos produtos turísticos impulsionados pela pandemia e daqueles que ficaram em “stand-by”. Nesta entrevista ao Expresso das Ilhas, Carlos Santos, retrata ainda, em linhas gerais, a visão para turismo, que se quer cada vez mais diversificado, resiliente, mas também elemento propulsor para o crescimento de outros sectores de actividades.

Como vê o sector turístico mundial, neste momento, e como é que Cabo Verde se vai tentar posicionar neste contexto actual?

Cabo Verde é um país iminentemente turístico. Cerca de 25% da sua riqueza criada anualmente vem deste sector e, por isso, é um sector em que temos de ter orientações muito claras sobre aquilo que devemos fazer. E é um país que é destino incipiente, que obviamente tem que olhar para a sua natureza arquipelágica e também a sua dimensão para poder definir os seus instrumentos e a estratégica que deve delinear para poder fazer face a outros países, porque este sector é muito competitivo. Estamos a lidar com concorrentes como a Tunísia, como o Egipto, que são países que em escala têm uma maior intervenção, que lhes permite outro tipo de instrumentos, designadamente no preço, em que nós temos algumas limitações. Por isso é que a palavra de ordem, quando falamos sobre a estratégia que o país deve desenhar e deve seguir, deve ser sempre com base na diferenciação do produto. Ou seja, nunca olhar para o preço como um factor que lhe permite competir com os outros, mas ver as potencialidades que se têm, e diferenciar esse produto que se vai apresentar para poder competir com esses gigantes que existem no mercado. A covid-19 veio desferir um grande golpe naquilo que é o turismo feito em Cabo Verde…

Mas é uma crise global, ao contrário por exemplo da crise na Tunísia ou outras localizadas.

Sim, foi global, e desferiu um grande golpe no turismo. Pôs em causa muitas das empresas e dos ganhos que tínhamos tido, porque fez-se um investimento ao longo dos últimos anos, que está à vista, que é muito virado para a diferenciação e diversificação do produto e de repente tudo estagnou. Nós tivemos de implementar medidas, designadamente de âmbito fiscal, de âmbito financeiro, de âmbito laboral, como o lay-off que vem sendo um instrumento fundamental para proteger o emprego e para proteger muitas empresas. Mas também medidas como linhas de crédito, que foram lançadas com bonificação de juros para apoiar muitas empresas que de outra forma estariam hoje já encerradas. Conseguimos passar esse cabo das tormentas, continuamos numa fase de preparação do país, que começou em 2020. Logo a seguir ao primeiro caso registado na Boa Vista, o ministério do Turismo criou o plano de renascimento de turismo, porque sabíamos que iriamos estar paralisados durante 5/6 meses. Começamos, então, a preparar o país, a nível dos seus hotéis, dos seus pubs, dos seus restaurantes, para que adoptassem os protocolos e regras de higienização de espaços, sinalética, distanciamento social, ou seja, um conjunto de regras, procedimentos e similares que eram mandatórios por organismos como a OMS e outros ligados ao turismo, para que no momento em que reabríssemos as portas ao turismo, fossemos um dos destinos eleitos pelos grandes operadores. E assim fizemos.

Tentaram destacar o país, ganhando competitividade sanitária.

E conseguimos. É com orgulho que verificamos que grupos como a TUI identificaram Cabo Verde, logo após o término da primeira vaga, como sendo um país que, até por ser ilhas, poderia ter condições de receber e de acolher, porque tínhamos o processo bastante controlado a nível desses procedimentos. Logo que abrimos as portas às nossas fronteiras, em Outubro de 2020, os voos começaram, e alguns eram de novos mercados para Cabo Verde. As coisas descontrolaram-se no primeiro semestre de 2021, houve novamente muitos cancelamentos, suspensão. Mas fizemos também, simultaneamente, um investimento nos profissionais do turismo e formamos cerca de 2500 pessoas, entre profissionais, taxistas, guias de turismo.

Ou seja, não estiveram parados.

Não estivemos parados. Quisemos fazer isso, primeiro para preparar a nossa gente, porque sabíamos que com o recomeçar do turismo, as exigências a nível sanitário iriam ser maiores, e, em segundo lugar, queríamos credibilizar-nos junto daquilo que são os mercados tradicionais, demonstrando que Cabo Verde estava a alinhar pelas boas práticas e, em terceiro lugar, gerar confiança no exterior para que, assim que houvesse abertura dos destinos e possibilidade da prática de turismo, Cabo Verde estivesse na primeira linha. Assim aconteceu. Chegados ao final de 2021, acolhemos com bom grado aquilo que foi ou que está a ser a taxa de ocupação dos hotéis na ilha do Sal e na ilha da Boa Vista, embora nesta ilha com menor intensidade, derivado à própria natureza do turismo, e que demostra que conseguimos transmitir essa boa imagem. Temos também com a vacinação um activo maior que conseguimos passar ao mundo, e que levou a que o mercado aderisse e olhasse para Cabo Verde como um destino de eleição no pós-covid.

E expectativas e estratégias para 2022?

Terminamos 2021 com boas taxas de ocupação em todos os hotéis. Pelas informações que recolhemos, a passagem de ano em quase todos os hotéis teve taxas de ocupação acima dos 90%, nos grandes grupos. Nos pequenos que não houve essa taxa, mas, em média, registaram taxas para cima dos 60%. Recentemente, vi uma entrevista do presidente da TUI que diz que, pelo andar da carruagem, poderemos recuperar as performances de 2019, no Verão de 2022. E na mesma entrevista ele identifica Cabo Verde como sendo o destino de eleição para o Verão de 2022. Também verificamos que os grandes grupos que estavam a fazer investimentos, não desistiram, continuaram e no meio da crise conseguimos aumentar a capacidade instalada na ilha do Sal em cerca de mil quartos, com uma única unidade de hotelaria. Verificamos ainda que os hotéis e os empreendedores nacionais também continuam com os seus investimentos, designadamente na ilha de Santiago na ilha de São Vicente. Portanto, são boas notícias, demostram que os operadores, os agentes económicos estão a acreditar neste processo da retoma do turismo. Da parte do governo, claro que olhamos a retoma com optimismo. Já numa entrevista passada, eu disse que este Inverno 21/22 era considerado o ponto de não retorno para o passado e que estaríamos a entrar agora numa escalada de aumento, até conseguirmos atingir as performances de 2019. As notícias que estão a chegar vão-nos dando razão nesse processo.

E quais as projecções, em concreto?

Fizemos uma projecção de pouco mais de 500/600 mil turistas para 2022, mas acredito que teremos condições de ultrapassar esse número, pela capacidade instalada, que aumentou, e por aquilo que nos está sendo trazido por essas boas notícias. Mas também porque, e como disse, não estivemos parados em 2020 e 2021. Fomos também trabalhando em instrumentos que reflectem a visão e ambição do governo a nível de turismo em Cabo Verde.

Por exemplo?

Fomos trabalhando alguns produtos que consideramos que são essenciais para a diversificação da nossa oferta. Um desses produtos, que lançamos em Novembro de 2020, é o programa Remote Working, dirigido a nómadas digitais, que são aqueles que escolhem os países para passar férias, trabalhando. Ou trabalhando em férias.

Esse programa e esse objectivo surgiram da pandemia?

A pandemia veio enfatizar esse novo nicho, e Cabo Verde, sendo um país arquipelágico, próximo da Europa, com uma localização estratégica também lançou esse produto, que está acompanhado num site. Estamos a lançar a primeira vila digital em Mindelo, onde já acolhemos muitos nómadas digitais e onde, juntamente com operadores privados, estamos a criar os chamados centros co-working onde os nómadas digitais vão trabalhar. Também queremos lançar um segundo, em Tarrafal de Santiago que já começa a ser procurado, e depois queremos densificar estas vilas em todo o país, para captar um tipo de clientela que vem para ficar por mais tempo, normalmente a média de estadia é entre 6 a 9 meses. É um tipo de clientela que consome produtos culturais, está mais interessada em descobrir aquilo que é o Cabo Verde real, na dimensão cultural, na dimensão gastronómica, quer viajar para outras ilhas, como tem estado a acontecer. O importante nisto é criar as condições para que venham, sem burocracia, e consigam permanecer aqui. Também temos um outro produto, que chamamos de turismo interno, que lançamos durante esse tempo, para permitir e facilitar que o cabo-verdiano, residente em Cabo Verde, possa visitar as ilhas

Turismo interno não é um objectivo novo. Há muito tempo que se fala dele, sem que tenha havido sucesso.

Mas creio que neste momento já começamos a ter, da parte da própria operadora de transportes domésticos, uma outra abertura, porque a barreira está realmente no transporte.

Pois, sem transporte, não há turismo. A pandemia veio, por um lado impulsionar projectos como o trabalho remoto e, por outro, veio deitar por terra projectos que estavam a correr bem como o stop over…

Sem dúvida. Esse é um projecto que também acarinhamos muito e que surgiu no âmbito da criação do hub do Sal. O turismo e os transportes andam alinhados em Cabo Verde e muito bem-haja ter sido colocada num único ministério a tutela desses dois sectores. Neste momento, com a retracção da procura de viagens, entendemos que a própria TACV, que é um dos elementos para se criar o tal hub ou centro de redistribuição de passageiros e cargas na ilha do Sal, terá que estar um pouco em suspenso até que as performances voltem àquilo que eram em 2019. Por isso, tivemos que fazer este processo de reversão dos 51% da TACV. O governo teve de dar orientações estratégicas ao Conselho de Administração para reposicionar aquilo que é o público alvo e a política da companhia TACV.

O hub do Sal acabou?

Não acabou. Está em stand-by, porque o hub do Sal é muito direccionado para o mercado internacional e tendo em conta as restrições a nível sanitário, designadamente num mercado importante que é o Brasil, as restrições de mobilidade internacional, até na concessão de vistos, entendemos que nos próximos 18/24 meses a TACV deverá concentrar-se nos mercados ponto a ponto, ou seja, nos mercados étnicos. Depois, em 2023/24 voltar a olhar com interesse para o hub do Sal, para o negócio como foi definido em 2019, que é de servir a redistribuição internacional de passageiros entre os três continentes. Aí, estaremos a falar desse mercado muito apetecido que é stop over, que começou a acontecer em 2019. No último trimestre desse ano já tínhamos um bom percentual de turistas vindos de Nigéria, que seguiam para os EUA, e que ficavam dois, três dias no Sal. São bons consumidores, ou seja, da classe com bom poder de compra. Turistas do Brasil também já o estavam a fazer, já se estava a ganhar o hábito. Portanto, é um mercado que está em stand-by, não o esquecemos, queremos é reposicionar e redefinir o momento em que se deve voltar para esse mercado.

Falava há pouco de como Cabo Verde conseguiu uma imagem positiva pela questão sanitária, mas ainda recentemente aconteceu algo que dá má imagem ao país. Falo da falha de combustíveis para aviões. O que o Ministério do Turismo e Transportes tem a dizer sobre isso?

Obviamente que um país se quer afirmar como um destino turístico arquipelágico deve evitar esse tipo de incidentes. É uma matéria que foi tratada a nível do governo, através do Primeiro-ministro. Há audições a serem feitas para entender o que falhou, porque temos aqui vários actores. Temos a autoridade reguladora multissectorial da economia [ARME] que tem o seu papel, temos o Estado, através do governo, e temos as petrolíferas. Portanto, ainda se está num processo para analisar o que é que falhou. Há as primeiras razões que foram apontadas, que estão relacionadas com as falhas que estão a haver na cadeia de logística internacional, vejamos se é essa de facto [a razão]. Mas isto não pode acontecer. Inevitavelmente, a posição do ministério de Turismo junto do Primeiro-ministro é que se se tiver que reformular a legislação ou introduzir nova legislação para obrigar as partes a cumprir, para que não tenhamos situações desta natureza, é urgente fazê-lo, porque, se não, haverá desconfiança dos operadores perante o país. Se queremos ser plataforma aérea, de redistribuição de passageiros, uma plataforma logística localizada na ilha do Sal - o que aliás é a vocação do país e está reflectido no programa o governo transformar Cabo Verde num centro internacional de prestação de serviço - temos de ter estas matérias completamente resolvidas em Cabo Verde.

Falando no Sal e no Programa do governo. Continua de pé a passagem do ministério para essa ilha?

Continua. Estamos a ver se neste primeiro trimestre conseguiremos fazer isso, mas é um compromisso e está definido mesmo no decreto-lei da orgânica do governo, e vai ser cumprido.

O Programa estabelece também o programa operacional do turismo. Em que consiste?

O programa operacional do turismo não é mais do que o desemborcar daquilo que foram os masterplans por ilha, que foram planos directores e de desenvolvimento do turismo por cada ilha, desenvolvidos através da consultoria para cada uma, para podermos conhecer as vocações e potencialidades de cada ilha. Desses estudos surgiu um conjunto de recomendações do que é que se deve fazer, ou em que é que se deve investir, para transformar aquilo que normalmente chamamos de potencialidade da ilha, num verdadeiro produto, na lógica de conseguir densificar o turismo em todo o território nacional. Terminados os masterplans, começamos a preparar o programa que foi trabalhado durante o ano de 2021, com os vários parceiros: Câmaras Municipais, ONGs, e a equipa do ministério. Criamos então o programa, que reúne um conjunto de projectos espalhados pelas ilhas, que visa materializar aquilo que é a visão do governo relativamente ao turismo e que se resume a um crescimento sustentável que possa beneficiar as gerações actuais e as vindouras, sem pôr em causa aquilo que é o património cultural, ambiental, e social que temos. Ou seja, esta é a visão que o governo tem sobre o turismo e esse programa vem materializar essa visão. O programa identificou esse conjunto de projectos, estivemos numa fase posterior a negociar o seu financiamento com o Banco Mundial, e o este também entendeu que há condições de fazer desse programa um instrumento de retoma económica de Cabo Verde.

São projectos para a totalidade ilhas?

Para todas as ilhas, porque vem no âmbito daquilo que é a visão de desconcentrar o turismo, o que é um dos grandes desafios que temos. O turismo está excessivamente concentrado nas ilhas do Sal e da Boa Vista e queremos dar oportunidades às ilhas. Essa é que é a ideia do programa em termos gerais. O programa está estruturado em 5 pilares. Um primeiro pilar é a requalificação da oferta, ou seja, se pretendemos continuar a ser um destino turístico que tem um crescimento sustentável, mormente por serem ilhas com ecossistema frágil, precisamos criar infra-estruturas, infra-estruturas de acessibilidade, transformar as nossas cidades. Portanto, há várias áreas em que precisamos investir para podemos ter sempre um ambiente acolhedor, nas diferentes ilhas. Um segundo pilar tem a ver com a promoção, que foi sempre um ponto fraco do país. Temos uma história de desenvolvimento do turismo muito ancorado nos grandes grupos hoteleiros que acabaram por investir e por modelar aquilo que é a oferta que há hoje e que é muito centrada no macro-produto Sol e Praia. Há o desafio enorme que é podermos trazer e agregar outros subprodutos, nesse macro-produto, designadamente produtos culturais, mas também daquilo que é o património ambiental que temos. Reconhecemos que temos ilhas lindas, mas precisamos divulgar isso, publicitar. Assim, uma boa parte das verbas do programa vai ser destinada à promoção do país, agora em outros moldes, cada vez mais utilizando o digital. Um terceiro pilar tem a ver com a sustentabilidade. Num país como Cabo Verde temos de ter um cuidado muito grande no desenvolvimento do turismo, tendo em conta as questões de capacidade de carga; a própria fragilidade das ilhas e ainda os compromissos internacionais que temos, designadamente com ilhas como o Maio, o Fogo que já foram decretadas reservas mundiais da Biosfera. Mas também há a sustentabilidade social, porque o turismo traz, muitas vezes, as suas desvantagens. Temos que estar sempre atentos para podermos ter respostas actuantes, como temos estado a fazer no reassentamento das pessoas das ilhas da Boa vista e do Sal. Este é um primeiro exemplo da sustentabilidade social que queremos implementar. Um quarto pilar tem a ver com a governança do sector. Criámos um Instituto do Turismo que é o órgão que vai implementar as políticas do turismo, mas também é o organismo escolhido e que tem as competências para fazer essa promoção. Precisamos empoderar essa instituição, e olhar para o território nacional sabendo que o turismo tem de ser desenvolvido é no território, juntamente com o poder local, com as ONGs e com o sector privado. Então temos de definir um modelo de organização, para se conseguir isso, sem perder de vista que somos um país pequeno, mas que há especificidades em cada ilha que devem ser enfatizadas.

Qual o orçamento do programa?

O programa está orçamentado numa primeira fase em cerca de 80 milhões de euros. Uma parte é financiada pelo Banco Mundial, e outra pelo Fundo de Turismo.

O valor já está disponível?

Está numa fase final de contratualização, que deverá ser apresentada muito brevemente para conseguirmos, ainda em 2022, começar a sua implementação. Para os seis anos [do programa], no total, deveremos investir nesse programa cerca de 130 milhões de euros.

Qual o retorno esperado?

É um retorno mais do que previsível tendo em conta que é o sector que mais cresce em Cabo Verde. Todas as actividades que estamos a desenvolver e os projectos que estão inseridos nesse programa têm sempre em vista essa questão da diversificação e a possibilidade de aproveitar os recursos endógenos, as empresas e as famílias, para participar nessa cadeia de valor. Por isso, uma componente forte do programa é o fomento empresarial, para permitir com que haja empresas nacionais de prestação de serviços, da área da agricultura, das indústrias criativas, dos transportes, dos transfers, com capacidade e com qualidade para produzir esses serviços e esses produtos que os grandes hotéis irão consumir. Só para se ter uma ideia, estudos recentes demonstram que hoje os hotéis em Cabo Verde têm um consumo em produtos de comidas e bebidas que pode rondar os 100 milhões de euros.

Mas Cabo Verde não tem capacidade produtiva para esse abastecimento.

É isso. Aí então temos de ver até onde é que podermos chegar para que pelo menos uma parte desses 100 milhões, fiquem em Cabo Verde. E para isso temos de ter pequenas e médias empresas com capacidade e com qualidade para produzir esses produtos e serviços que as grandes unidades estão a solicitar.

A qualidade prova-se com certificação. Como está esse processo?

Aí, temos de falar também do trabalho que foi feito no âmbito do financiamento do Banco Mundial, do projecto de competitividade do turismo ao longo dos últimos 5 anos, designadamente o Instituto de Gestão da Qualidade e da Propriedade Intelectual (IGQPI). É um trabalho que foi feito e que é um exemplo daquilo que teremos continuar a fazer: estarmos focados na qualidade do serviço que as empresas estarão a apresentar naquilo que produzem e que prestam.

Fala-se nisso há muito tempo, mas o processo parece estar lento?

Tivemos uma pandemia que veio parar e paralisar muita coisa. O IGQPI foi a instituição escolhida pelo governo para desenvolver um programa de qualificação de unidades hoteleiras e restauração, que veio desenvolver um conjunto de procedimentos e de indicadores, que estas devem respeitar para conseguirem ter alguma certificação. Este é um primeiro exemplo daquilo que se deve fazer para conseguirmos estar em linha com aquilo que os hotéis, as grandes marcas, que estão em Cabo Verde normalmente requisitam, para podermos responder e fazer com que os recursos endógenos sejam também absorvidos pela cadeia de valor do turismo.

Como o próprio ministro disse, há uns tempos, o turismo vai continuar a ser a âncora da economia. Mas um dos grandes objectivos (e desafios) de Cabo Verde é não estar tão dependente do sector. Como então o turismo pode ser trampolim para a tão desejada diversificação da economia?

Quando nós estamos a falar da diversificação do turismo estamos implicitamente a falar de diversificação da oferta que leva também a que haja uma diversificação daqueles que nos procuram. Estarmos a querer dar um primeiro passo naquilo que é a diversificação da economia, porque até agora 90% das dormidas estão concentradas na ilha do Sal e da Boa Vista e cerca de 75%dos turistas estão praticamente nas mãos de um único operador. Deixa-nos numa situação muito vulnerável, e ciente dessa situação o governo tem estado a fazer essa política de criar condições para que os outros produtos turísticos surjam, designadamente o turismo de montanha, ecoturismo, trekking, cruzeiros…

Continua a ser turismo.

Continua, mas pelo menos já começamos a dar passos para diversificar a oferta. Diversificando a oferta estaremos implicitamente a diversificar o tipo de turista que vem para Cabo Verde, designadamente a nacionalidade e a faixa etária e fazendo isso já começamos a esbater um pouco essa vulnerabilidade. Já teremos outro tipo de turistas, outro tipo de operadores, outro tipo de agência de viagens e já começamos a não estar em dependência excessiva de um operador ou de um único mercado. Este já é um primeiro passo. O segundo, que aliás está no programa do governo, é essa ambição de diversificação da economia e também através do turismo conseguimos fazer isso. Temos sectores que poderiam tirar muito proveito deste sector, estou a falar, por exemplo, da agricultura e da agro-indústria, mas até agora temos dificuldades nesse sentido, porque quase 90% daquilo que os hoteis consomem é importado, porque nós também não temos produtos em quantidade, com a previsibilidade que os hotéis querem e com a qualidade e preço para apresentar aos hotéis. Então, temos de trabalhar a montante, ou seja, temos que ir trabalhar no fomento empresarial da nossa agricultura, numa agricultura que começa a ser menos de subsistência para ser uma mais semi-industrializada. Provavelmente, aí já começaremos a ter um agricultor de uma outra qualidade e preparando esses agricultores estaremos a preparar também a agricultura para outros desafios, por exemplo, para a exportação. No passado, Cabo Verde exportou banana. Porque não voltar [a fazê-lo]. Com a política que estamos a fazer de densificação da agricultura, através do aproveitamento das águas residuais e de prospecção de águas e de dessalinizaçao para a agricultura, voltamos a olhar para estes mercados. Mas agricultura muitas outras áreas, outros sectores de actividade, podem ser direccionados, numa primeira fase para o sector turístico. Consegue ganhar qualidade para depois preparar-se eventualmente para exportação para outros mercados.

Quando estamos a falar de turismo, estamos a falar dos diferentes nichos, e também estamos a falar de diversificação económica porque permite que outros sectores de actividade comecem a crescer. Um turista quando chega ele pede um conjunto diversificado de serviços, e se nós tivermos a capacidade de diversificar o tipo de turista, estaremos inevitavelmente a diversificar esses serviços e a estimular sectores de actividade para prestarem esses serviços.

E quanto a mercados emissores?

Como disse, temos que olhar também para a história. O turismo em Cabo Verde foi um pouco a reboque dos grandes investimentos. Nos últimos 4 anos houve uma alteração desta política e houve uma maior proactividade do governo através de instrumentos como o fundo do turismo que foi investindo nas localidades, nas acessibilidades para preparar as ilhas para estarem com um ambiente mais qualificado para acolhimento de turistas. Por isso é que, por exemplo em Santo Antão, começamos a ter um aumento do número de turistas. Tem muito a ver com a criação de condições.

Continuam a ser turistas europeus.

Sim, mas temos de ver que os grandes fluxos do turismo continuam a acontecer da europa para os outros países. Não há dúvida de que por bons anos vamos continuar a depender do turismo europeu. Outros mercados em que podemos apostar, designadamente o mercado que está aqui tao perto que é o mercado africano só o podermos se tivemos acessibilidade, ou seja se tivermos conectividade. Vimos que em 2019 começamos a ter turistas por exemplo da Nigériae podemos ter de outros países, mesmo Angola, se tivermos uma conectividade com confiança e previsibilidade.

Mas qual é a vossa estratégia quanto aos mercados?

Neste momento, do nosso ponto de vista, primeiro é consolidar o mercado europeu, que é um mercado que já conhecemos. Aliás, o plano de marketing que acabamos de preparar vai nesse sentido. Vamos consolidar os mercados que temos porque aí temos a certeza de que cêntimo que investimos o retorno é muito maior do que investir em novos mercados como o mercado africano. Mas vamos à procura de mercados ainda dentro da Europa, designadamente o mercado russo, que são mercados que ainda desconhecemos e que queremos ir conquistando para trazer essa diversificação da procura. O mercado africano e o do sul da América, designadamente o mercado do Brasil, que começou também a dar os seus frutos em 2019, estão dependentes da conectividade, mas não estão fora do radar daquilo que é nossa política promocional de destino Cabo Verde. Dependerão sempre da conectividade e para isso nós estamos gradualmente, paulatinamente a pôr a TACV a funcionar.

Brasil na América. E no continente africano, qual é o mercado que mais interessa?

O nigeriano, que tem poder compra e muita gente.

E a conectividade com a Europa?

A diversificação da procura tem muito a ver com a conectividade, mesmo com o mercado europeu. Por isso é que nós a estudar como é que nos novos mercados que queremos atingir na Europa poderemos apoiar. E estamos a ver como é que podemos fazer, com alguns instrumentos financeiros que temos, fomentar a conectividade desses mercados de países que já manifestam vontade de ter aqui bases de visitantes. Não havendo conectividade, não havendo ligações aéreas, teremos que ver como despoletar isso. Queremos é apoiar e fomentar essa conectividade com esses países.

Mais companhias?

mais companhias, designadamente low cost. Temos estado em contactos com duas low cost para ver como é que poderemos atrair. Não é fácil porque o país fica distante e normalmente as low cost são para distâncias curtas, mas estamos a trabalhar com as companhias nesse sentido. É mais um caminho, um instrumento que queremos introduzir como uma inovação nesse processo de atrair e desbravar caminhos para atrair novos mercados. A nossa vontade, como disse, é cada vez mais aumentar as nacionalidades que visitam o país, porque fazendo isso estaremos a combater a vulnerabilidade e a sazonalidade. Fazendo isso estaremos a não deixar dependente o mercado e o turismo de um único produto, e estaremos a transformar o produto turístico num produto mais resiliente e mais preparado para choques futuros, que vão continuar a existir.

E a nível interno, vamos continuar com uma operadora?

Vamos continuar. Também aqui temos de fazer um pequeno historial, tivemos anos passados com um operador que era a Binter que depois da pandemia desistiu, porque tiveram prejuízos elevados durante o ano de 2020. Tem de ser reconhecido. Tivemos de tomar uma decisão, em poucas semanas conseguimos contratualizar a vinda de um outro operador que já cumpriu aquilo que estava estabelecido no contrato emergencial. Depois eles adquiriram a TICV e com esta empresa estão a fazer o transporte normal. Neste momento estão a operar dois aviões, e chegamos a um entendimento de que devem manter esses aviões por forma a ter aqui uma previsibilidade.

E dois chegam?

Sim, porque o mercado é pequeno. Às vezes esquecemos uma coisa que é a sustentabilidade da empresa. Quando vemos as taxas de ocupação dos voos inter-ilhas, tirando nas épocas altas a taxa, esta cai muito abaixo daquilo que é o ponto de equilíbrio financeiro da empresa, o chamado break-even point. Fala-se de que deveria existir uma concorrência, mais operadoras, mas há a dificuldade de se manter uma empresa no mercado. O importante, que o governo quer garantir, é que haja mobilidade dos cabo-verdianos e a garantia de um ou outro operador - não estamos a impor que haja só um – da chamada obrigação do serviço público. Por isso, estamos a trabalhar a legislação para, à semelhança daquilo que é aplicado na Madeira e Açores, ter a obrigação de serviço público, o que significa que será assinado um contrato por mais anos de prestação de serviço de transporte.

E para a mobilidade inter-ilhas dos turistas?

Temos estado a acompanhar a operação da TICV e verificamos que eles começam a ter procura de agências de viagem, de turismo e de operadores turísticos, para essa mobilidade. Já começou. Há um operador que fez uma encomenda de cerca de 1200 lugares até ao final do inverno à TICV. Isso é importante porque também é um dos elementos essenciais da tal diversificação turística que tanto almejamos, que é o turismo de circuito.

E com essa procura, dois aviões continuam a ser suficientes?

A empresa vai reagir à medida que houver a procura. Agora, o compromisso que o governo quer ter com o operador TICV é que tenha, no mínimo, dois ATR-72, o modelo que têm neste momento, para garantir a mobilidade das pessoas, independentemente da sua nacionalidade, entre as ilhas. Este é o compromisso que eles têm para connosco. Se houver o aumento da procura, vão-se adaptando.

Funcionando com a lógica de mercado?

Sim.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1050 de 12 de Janeiro de 2022. 

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Autoria:Sara Almeida,16 jan 2022 9:00

Editado porDulcina Mendes  em  10 out 2022 23:29

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