“As autoridades cabo-verdianas devem desistir da investigação ao jornalista Hermínio Silves e não devem obrigar os jornalistas a divulgar informação confidencial sobre as suas fontes ou criminalizar a divulgação de informação de interesse público”, divulgou aquela organização internacional, em comunicado, na sexta-feira.
Em causa está uma investigação do Ministério Público à notícia publicada pelo jornal ‘online’ Santiago Magazine, pelo jornalista Hermínio Silves, em 28 de Dezembro de 2021, que dava conta de uma investigação ao actual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, por alegado envolvimento num homicídio em 2014, quando era dirigente da Polícia Judiciária, durante uma operação desta força policial.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) negou anteriormente que tenha constituído arguido nessa investigação a Paulo Rocha e avançou que, no âmbito da investigação entretanto aberta por violação do segredo de Justiça foram realizadas várias diligências, designadamente buscas ao gabinete profissional e domicílio de um procurador da República, um inspetor chefe da Polícia Judiciária e um coordenador superior de investigação criminal da Polícia Judiciária.
Também foram notificados pessoas e órgãos para diligências presenciais.
“Os procuradores em Cabo Verde devem parar de perseguir o jornalista Hermínio Silves e devem abandonar a busca pelas suas fontes confidenciais”, afirmou Ângela Quintal, coordenadora do programa África do CPJ, citada no mesmo comunicado da organização, que recorda que o jornalista deverá ser ouvido em 26 de Janeiro pelo Ministério Público.
“Os jornalistas devem poder denunciar supostos abusos cometidos por funcionários sem medo de serem sujeitos a assédio legal ou ver suas reportagens sobre questões de interesse público serem criminalizadas”, acrescenta-se no comunicado da CPJ.
Na quinta-feira, a PGR de Cabo Verde emitiu um terceiro comunicado sobre este assunto em pouco dias, com o título “Alegada constituição de arguido de jornais e jornalistas”, recordando que o segredo de Justiça implica “a proibição de divulgação, pelas pessoas a ele vinculados”, como autoridades judiciárias, órgãos de investigação criminal, sujeitos processuais, “da ocorrência de ato processual ou dos seus termos”.
Acrescenta que pelo Código de Processo Penal (CPP) vigente em Cabo Verde “é proibida, sob cominação de desobediência qualificada, salvo outra incriminação estabelecida em lei especial”, a “divulgação ou publicitação, ainda que parcial ou por resumo, por qualquer meio, de atos ou peças processuais, quando cobertos pelo segredo de justiça”.
“Qualquer pessoa, incluindo jornalista, que pratique factos previstos (…) pode incorrer no crime de desobediência qualificada”, refere-se no mesmo comunicado, que não esclarece os termos da investigação ao jornalista em causa, mas em que se sublinha que os profissionais de comunicação social “não estão vinculados ao segredo de justiça, o que não os iliba da prática de outro(s) crime(s)”, como o de “desobediência qualificada”.
O presidente da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), Geremias Furtado, criticou anteriormente este episódio, considerando que condiciona os jornalistas e os profissionais da comunicação, pedindo o apoio internacional.
Disse mesmo tratar-se de uma tentativa de o Ministério Público “colocar uma mordaça nos jornalistas, limitando suas ações e o próprio jornalismo de investigação em Cabo Verde”.
A posição foi assumida em conferência de imprensa, à mesma hora em que decorria a sessão solene comemorativa do Dia da Liberdade e da Democracia, que assinalou a realização, em 13 de Janeiro 1991, das primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde.
O caso não foi referido directamente pelos intervenientes, mas o Presidente da República, José Maria Neves, defendeu nessa cerimónia a importância de uma “imprensa livre, forte e independente”, como “um dos mais sólidos garantes da democracia”.