Guterres e Ulisses alinhados no apelo por financiamento climático

PorNuno Andrade Ferreira,28 jan 2023 9:39

Secretário-Geral da ONU na Ocean Race Summit, em São Vicente (Sailing Energy/The Ocean Race)
Secretário-Geral da ONU na Ocean Race Summit, em São Vicente (Sailing Energy/The Ocean Race)

Mensagem simples: sem financiamento substancial não é possível agir para travar as mudanças climáticas. Pequenos estados insulares em desenvolvimento particularmente expostos e especialmente dependentes da ‘boa-vontade’ (chamemos-lhe assim) dos países ricos, que tardam em cumprir compromissos.

Para a visita inédita a Cabo Verde, o Secretário-Geral das Nações Unidas trazia uma ideia clara: os países ricos devem passar das palavras aos actos e garantir financiamento para acção climática nos países em desenvolvimento. Foi essa a ideia que António Guterres fez questão de repetir em cada intervenção pública ao longo dos três dias passados no arquipélago.

Logo no sábado, pouco depois de ser recebido pelo Primeiro-Ministro, declarou: “Tenho defendido com insistência que os países desenvolvidos devem cumprir o compromisso que fizeram em Paris, de garantir 100 mil milhões de dólares todos os anos ao mundo em desenvolvimento”.

A seguir, acrescentou: “Tenho defendido a necessidade de duplicar os fundos para a adaptação. Houve um compromisso de dobrar o financiamento, mas ainda não vimos um programa de acção que permita ter a certeza de que isso se vai concretizar”.

Não surpreendeu por isso que, esta segunda-feira, na abertura da Ocean Race Summit, o discurso tenha sido nessa linha.

“Continuarei a insistir num Pacote de Estímulos para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, para ajudar os governos do Sul Global a investir nos sistemas que apoiam o desenvolvimento e a resiliência”, disse, garantindo que continuará ao lado dos países em desenvolvimento na protecção e recuperação dos seus ecossistemas, depois de décadas de destruição.

Lembrando em concreto as vulnerabilidades específicas dos países insulares em desenvolvimento (SIDS), grupo do qual Cabo Verde faz parte, o líder da ONU não poupou nas palavras, nem nas críticas ao sistema financeiro internacional.

“Os países em desenvolvimento, e particularmente os SIDS, são vítimas de um sistema financeiro global moralmente falido, concebido pelos países ricos para beneficiar os países ricos”, afirmou de forma categórica.

“[O sistema financeiro] nega rotineiramente aos países em desenvolvimento, particularmente aos países vulneráveis de rendimento médio e aos pequenos Estados insulares em desenvolvimento, como Cabo Verde, os níveis de financiamento concecional e de alívio da dívida que seriam necessários”, reforçou.

Para Guterres, as instituições financeiras devem desenvolver soluções criativas que permitam o alívio da dívida e a obtenção de empréstimos a juros reduzidos.

Não longe desta linha, o Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, igualmente na Ocean Race Summit, lembrou que não há adaptação, nem mitigação, sem desbloqueio de verbas por quem tem dinheiro. No dilema entre ter de agir e não ter como, o chefe de governo não podia ter sido mais claro: “os países em desenvolvimento estão colocados contra a parede”.

“A estratégia de adaptação e de mitigação face às mudanças climáticas, para responder às situações de emergência e aumentar a resiliência, necessita de financiamento com dimensão e consistência no tempo, para produzir transformações estruturais”, complementou, lembrando, em simultâneo, a importância da transferência tecnológica.

Além da reconhecida pouca vontade do Norte, na colaboração com o Sul, as recentes crises pandémica, energética, inflacionista e das dívidas soberanas baralharam contas já por si difíceis.

“Os países em desenvolvimento estão colocados contra a parede face a crises graves com impactos económicos, sociais e humanitários, como tem sido a pandemia da covid-19, emergências climáticas e ambientais e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia”, sintetizou.

Parte da stopover da Ocean Race no Mindelo, a Ocean Race Summit reuniu, ao longo da manhã e princípio da tarde de segunda-feira, um conjunto de especialistas nacionais e internacionais, além de actuais e antigos líderes políticos, casos de António Costa, Primeiro-Ministro de Portugal, e Danny Faure, ex-presidente das Seychelles.

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Corrine Almeida

Investigadora

Para a Bióloga Oceano­gráfica, Corrine Almeida, é preciso investir mais. A corrida contra a crise climática exige outro nível de aposta na produção de conhecimento.

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“Não temos um navio oceanográfico, não temos um sistema de colheita de dados oceanográficos sistematizado, a não ser um ponto oceanográfico que existe a norte do país. Particularmente na nossa costa, precisamos de monitorizar, exactamente porque é ali que estamos actuando todos os dias, através da pesca, da construção”.

A investigadora e professora universitária lembra que é imprescindível conhecer primeiro, para actuar depois.

Tommy Melo

Ambientalista

O presidente da associação Biosfera I concorda com a urgência e a importância de se obter financiamento para a acção climática. Contudo, o ambientalista realça que, enquanto esse dinheiro não chega, é possível trabalhar localmente.

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“Um dos principais passos é tornar as comunidades resilientes. Para isso, é preciso envolver as comunidades em planos de gestão, novas possibilidades de profissões que sejam elas próprias sustentáveis. Isso tudo pode começar a fazer-se apenas com os financiamentos que já existem”.

Tommy Melo sublinha que não é preciso ficar “de braços cruzados”, enquanto decorrem negociações presumivelmente longas nos fóruns internacionais. “Não temos tempo para isso”, adverte.

Mitu Monteiro

Desportista

Campeão mundial de kitesurf e lenda da modalidade, Mitu Monteiro evidencia a missão que os desportos náuticos e o turismo náutico podem desempenhar na promoção de uma consciência ambiental e de preservação oceânica.

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“Normalmente, para os surfistas, kitesurfistas, o mar é a nossa casa. Temos pessoas que quando chegam aqui para praticar desporto tiram uma hora do seu tempo para ir limpar as praias, trazem o seu lixo, querem estar num lugar agradável. Só isso já é uma pequena mensagem que deixam”, destaca.

Enaltecendo o potencial reconhecido de Cabo Verde, Mitu defende uma aposta na formação e qualificação da oferta, para atrair cada vez mais turistas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1104 de 25 de Janeiro de 2023.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,28 jan 2023 9:39

Editado porJorge Montezinho  em  18 out 2023 23:28

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