Em 2018, um incêndio de grande proporção deflagrou no perímetro florestal do Planalto Leste, ilha de Santo Antão, e afectou cerca de 200 hectares de terreno, correspondente a um terço daquela reserva florestal. Em Junho de 2022, também houve um incêndio em Cabeço de Pinhão, Costa Leste daquela ilha.
O mais recente caso de incêndio é o da Serra Malagueta que deflagrou no sábado, 1, pelas 10h30, e só foi extinto no terceiro dia, tendo afectado, segundo dados da Protecção Civil, 200 hectares.
Ao Expresso das Ilhas, o director ambiental e das alterações climáticas da Quercus Cabo Verde, Nemias Gonçalves, afirma que a associação se preocupa com essas ocorrências já que o país não está habituado a incêndios de mais ou menos grande escala, devido às suas características.
“É uma preocupação grande para Quercus o facto de há pouco tempo ter havido um incêndio em Santo Antão e agora em Serra Malagueta. Uma preocupação não apenas por causa dos impactos ambientes, sociais, mas também porque degrada o pouco que temos de biodiversidade”, salienta.
Conforme explica, a cobertura vegetal do país não é muito grande e as áreas florestais são diminutas. Sendo assim, 200 hectares ardidos, tornam-se grande e com impactos não apenas ambiental, mas também socioeconómico.
É que a população de Cabo Verde, principalmente do meio rural, depende muito dos pastos, vive à base da criação do gado e da agricultura, conforme refere.
“Não é fácil para as pessoas e não é benéfico para o ambiente a devastação do pouco que temos de vegetação. Em termos de biodiversidade há uma grande perda e mesmo em termo dos animais silvestres em casa cria um pouco de dificuldades”, diz o investigador ambiental.
O incêndio provoca impactos negativos no solo e contamina a água. Como exemplo, Nemias Gonçalves especifica que pode haver erosão do solo, o que dificulta a sua infiltração, gerando impacto na produção do CO2 para a atmosfera.
Nemias Gonçalves afirma que apesar de normalmente ser o Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA) responsável pela avaliação do impacto desses incêndios, a Quercus Cabo Verde pensa fazer a sua avaliação.
Caso houver necessidade de produzir um parecer técnico garante que a organização de preservação da natureza também estará disponível. No entanto, internamente, a Quercus vai avaliando os impactos e produzir alguns relatórios que podem ser benéficos para consultas ou para qualquer entidade que precise.
O ambientalista precisa que há certos hábitos tradicionais que antigamente não provocavam tanto incêndio uma vez que a temperatura era um pouco mais baixa. Por isso, enfatiza que a prevenção deve partir da população já que o Estado não consegue controlar tudo.
“E mesmo que controle, se uma pessoa quiser provocar um incêndio é capaz de o fazer haja ou não fiscalização. Penso que deve haver uma educação das pessoas, da população no sentido de minimizar ou prevenir a alastramento dos incêndios”, defende.
“A população de Cabo Verde, principalmente nas ilhas mais agrícolas como Santo Antão, Santiago e Fogo em que as pessoas preparam os seus terrenos para a agricultura de sequeiro, devem ter algum cuidado. Quando praticam a queima de pastos para facilitar o próximo ano agrícola, devem ter algum cuidado”, aconselha.
Isto devido às temperaturas elevadas mais o clima árido que, quando queimado qualquer pasto sem cuidado, pode provocar incêndios.
Entretanto, Nemias Gonçalves diz que apenas sensibilizar a população não é suficiente e sugere a criação de áreas verdes em todo o país e assim minimizar o impacto desses fenómenos e que têm sido com alguma frequência, com áreas afectadas cada vez maior.
ADAD defende regulamentação das leis florestais
Por seu turno, o presidente da Associação para a Defesa do Ambiente e Desenvolvimento (ADAD), Januário Nascimento, reconhece que o país tem trabalhado a parte dos incêndios florestais, sobretudo sob o ponto de vista da legislação, além da existência de alguns planos.
Mas, argumenta que não é suficiente, alegando que Cabo Verde tem muitas leis e que as mesmas não são regulamentadas.
“A própria lei florestal carece de regulamentação. Também existem muitos planos, como o caso do plano das zonas das florestas, mas muito desses planos também não são postos em prática”, observa.
Januário Nascimento lamenta o facto de planos e projectos de luta contra incêndio e de protecção ambiental não terem continuidade e apela ao Governo e à sociedade civil a continuidade de trabalhos ambientes que considera serem importantes. Isto para que se possa ter o impacto desejado.
“Quanto ao futuro da protecção da floresta, recomendamos pôr na prática esses planos, utilizar as novas tecnologias e dar muita atenção a formação. Penso que deve ser feita uma formação muito séria aos Guardas Florestais. Além da formação, autorizar as novas tecnologias para fazer o seguimento dos fogos florestais”, sugere.
Um outro problema apontado por este ambientalista é a falta de fiscalização das leis de protecção florestal.
Num momento em que se fala tanto de alterações climáticas, Januário Nascimento entende que as florestas têm um papel importante e que, por este motivo, se torna necessário consagrar mais recursos às mesmas e maior integração de todos os parceiros, o Governo, as Câmaras Municipais, as comunidades, para as proteger.
“É preciso dar atenção à protecção das florestas porque a restauração custa, leva tempo, os recursos financeiros são escassos e também os recursos humanos que devem ser postos ao serviço das florestas”, argumenta.
Para o Dia da Terra, a ADAD pretende realizar uma grande campanha de limpeza nas zonas florestais, com especial atenção para as áreas protegidas.
Serão feitas a substituição de árvores “velhas” propícias a provocar incêndios por novas espécies de modo a ter florestas limpas e evitar fogos que trazem consequências para a população, para os animais podendo até mesmo levar à perda humana.
Fundação ambientalista afirma haver necessidade de formação para evitar incêndios
A Fundação Fundamental, com sede em Santo Antão, lamenta ouvir falar de incêndios florestais no país, em particular naquela ilha, onde existe a principal floresta de Cabo Verde, situada no Planalto Leste, mais precisamente em Água das Caldeiras, a cerca de 2 mil metros de altura.
Segundo o presidente, Manuel Nascimento, tais ocorrências preocupam a fundação e indicam a necessidade, o mais urgente possível, de acções de formação da defesa do ambiente, em particular das florestas por parte da população, sobretudo das pessoas residentes nessas áreas.
Por esta razão, a organização procura financiamento de acções formativas da educação ambiental em toda a ilha, que vai começar pelas escolas e também pelas populações nas comunidades rurais.
A Fundação Fundamental SA quer realizar estas formações, sobretudo para preservar as várias espécies de árvores cultivadas a cerca de dois mil metros de altura e com “missão muito importante”.
“Uma das principais espécies é o Pinho que tem a missão de captar a água das nuvens para fazer a recarga freática que abastece as nascentes nas zonas baixas, nas ribeiras da ilha. E quando há um incêndio isso prejudica os pinhos que deixam de cumprir essa missão”, aponta.
Os últimos incêndios no Planalto Leste afectaram muito o pinho e há necessidade de serem recultivados. Manuel Nascimento destaca que as delegações do MAA têm feito algumas acções, mas que a população da ilha, em particular as que residem nessa floresta, necessitam se consciencializar para, voluntariamente, os apoiar na recuperação, principalmente dos viveiros.
Nascimento realça que a população dessa área precisa sobreviver. E para sobreviver com sustentabilidade é preciso defender e preservar o meio ambiente, mas com uma visão integrada e sustentável.
“É por isso que nós, a Fundamental SA, defendemos que só conseguiremos preservar o nosso meio ambiente, a nossa floresta, conquistando a estabilidade mínima da economia da ilha. E para tal, é preciso colocar a população da ilha como o centro de desenvolvimento e de defesa de preservação do nosso meio ambiente” assegura.
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Em Agosto de 2022, depois de quatro anos do incêndio que consumiu 200 hectares do perímetro florestal do Planalto Leste, na ilha de Santo Antão, o MAA iniciou a reflorestação das zonas atingidas.
O plano de recuperação que começou a ser executado em 2019, termina este ano, com a realização de investimentos à volta de 30 mil contos na preparação dos terrenos, produção de plantas, reflorestação, limpeza da floresta e capacitação de guardas-florestais.
Quanto à Serra Malagueta, o Governo aprovou 35 milhões de escudos para medidas de recuperação do incêndio que abrangeu apenas a camada herbáceo-arbustiva, exaurindo todo o pasto existente, colocando em forte risco de erosão os terrenos.
Estas medidas, válidas por 12 meses, envolvem o apoio às famílias afectadas pelo incêndio florestal, nomeadamente na recuperação dos currais/pocilgas, reposição dos animais e sua alimentação, também na recuperação das áreas ardidas, mediante limpeza e remoção do material queimado e de plantas invasoras e construção de dispositivos anti-erosivos, com a sementeira de pasto e plantação de espécies endémicas, na protecção das aves endémicas e os respectivos ninhos, com a limpeza e manutenção/reconstrução de caminhos vicinais e na formação e sensibilização sobre medidas de prevenção contra incêndios florestais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1115 de 12 de Abril de 2023.