Em declarações ao Expresso das Ilhas, a presidente da associação, Isabel Moniz, diz que o percurso da Colmeia é satisfatório, tendo em conta que em nove anos conseguiu dar respostas às famílias no que diz respeito à reabilitação e habilitação para as crianças e jovens na condição de deficiência.
Além da reabilitação e habilitação a Colmeia conseguiu fazer com que os pais, que tinham vergonha ou algum tipo de preconceito por causa da deficiência, tirassem os filhos de casa.
“Conseguimos também sensibilizar, nomeadamente os poderes públicos, para a melhoria de algumas respostas. Nesses termos, nós estamos satisfeitos. Naturalmente que a Colmeia continua também com desafios”, refere.
Desafios e ganhos
“Por vezes, ficamos com algumas reticências se as actividades da Colmeia poderão ter continuidade por causa do financiamento. Desde a nossa criação a associação tem enfrentando esse desafio, porque nós trabalhamos com muito poucos recursos. Isto é um problema”, aponta Isabel Moniz.
O financiamento é importante porque a associação precisa manter os seis técnicos especialistas que validam o projecto da Colmeia de reabilitação e habilitação, mas também de respostas sociais. Ou seja, pais com crianças e jovens com deficiência que procuram um psicólogo, um fonoaudiólogo, um fisioterapeuta, um neuropsicólogo ou um assistente social.
“Não temos nenhum projecto a longo prazo que nos vai permitir dizer que esses técnicos continuarão a receber, porque os parceiros terão que reagir uma vez que nós continuamos com o duodécimo do Estado de 87.850 escudos, que é para o nosso funcionamento”, justifica.
Um outro desafio é poder apoiar as próprias famílias, já que algumas não têm sequer 42 escudos para pagar um autocarro e levar os filhos para o atendimento na Colmeia.
Isabel Moniz refere que ainda há crianças com deficiência que não estão no sistema contributivo do INPS.
Razão pela qual a Colmeia lança na próxima sexta-feira, 21, uma petição que deve recolher um mínimo de três mil assinaturas a serem entregues à Assembleia Nacional, visando respostas na reabilitação e habilitação.
Apesar desses desafios, alguns de vários anos, Isabel Moniz reconhece melhorias em algumas respostas. Por exemplo, cita o alargamento da pensão social que permitiu que pais cujos filhos são deficientes fossem beneficiados.
“A nível da Colmeia, conseguimos avaliar várias crianças e jovens em termos de reabilitação. Já temos alguns jovens autónomos, temos um que já está no mercado de trabalho, um outro que já conseguiu passar numa primeira fase do curso de pastelaria e panificação”.
“Temos vários casos de sucesso e, ao longo dos anos, isso repercutiu-se na vida das famílias que hoje têm mais consciência em relação à problemática dos filhos”, acrescenta.
Embora mais sensibilizada, a presidente da Colmeia considera que ainda falta à sociedade consciencializar-se relativamente à deficiência.
Isabel Moniz precisa que a sensibilização e a consciencialização são trabalhos contínuos por serem importantes à compreensão, mas também para o conhecimento, nomeadamente, nas respostas para a população com deficiência.
“Esses são os ganhos que nós entendemos que ao longo dos anos a Colmeia conseguiu perante a sociedade. Ou seja, que a sociedade estivesse um pouco mais consciente e algumas respostas também foram dadas a nível dos poderes públicos”, reconhece.
Mais desafios
A nível da educação, a Colmeia realça a existência de um “grande problema”, no que diz respeito aos conteúdos e ao professor de apoio que deveria estar na sala de aula para apoiar os professores e os alunos na condição de deficiência e fazer com que estejam mais estimulados.
Falta também a parte do despiste vocacional e formação pediatra, já que sem esse apoio não se pode trabalhar a parte do desfecho emocional para as crianças que se tornaram adolescentes, que quando não estimulados podem não ter uma formação profissional.
Condições que fariam com que, de facto, beneficiassem com a gratuitidade do ensino.
Moniz lembra que essas crianças e adolescentes podem ser autónomas e terem uma formação profissional de acordo com o grau de deficiência.
Para as famílias, prossegue, esse é um fardo “muito grande”. Por este motivo, alguns que conseguiram com que os filhos entrassem na escola e tivessem um professor de apoio, ao não conseguir no segundo ano, retiram-nos da escola.
Um outro desafio tem a ver com o emprego protegido. A presidente da Colmeia presume que se as empresas fossem incentivadas poderiam contratar pessoas com deficiência.
“Nós temos pessoas com deficiência que em termos de produção trabalham mais do que muitas pessoas ditas normais. Porque a deficiência é uma condição e qualquer ser humano poderá estar numa secção ou serviço”, pensa.
São respostas que, no entender de Isabel Moniz, devem ser dadas para permitir que o cidadão que estiver na condição de deficiência beneficiar-se de políticas públicas e espera que no 10.º aniversário da Colmeia estejam pelo menos na agenda política e social do país.
“Isso aliviaria as famílias com filhos ou pessoas que estão na condição da deficiência”, frisa.
Serviço de intervenção precoce faria grande diferença
A presidente da Colmeia salienta que o país ainda não tem um serviço de intervenção precoce, que considera ser muito importante para uma resposta antecipada a nível da saúde, através de especialistas adequados.
Como, por exemplo, fonoaudiólogos, neuropsicólogos, psicólogos e outras áreas afins que devem estar no sistema para dar resposta tendo em conta o Censo de 2021 que aponta que cerca de 47.000 pessoas em Cabo Verde têm algum tipo de deficiência e incapacidade.
Além dos especialistas, Moniz acredita que as respostas passam pela existência de estruturas próprias para apoiar as famílias, as crianças e os jovens que estão na condição de deficiente.
“São precisas estruturas com recursos humanos e também com respostas sociais. Daí que o serviço de intervenção precoce poderia fazer grande diferença. As próprias famílias devem ser trabalhadas e também atendidas para compreenderem melhor a problemática dos filhos e os serviços de intervenção precoce abrangeriam uma equipa multidisciplinar, pluridisciplinar e sectorial que faria esse trabalho na sociedade e traria respostas a todos os níveis”, argumenta.
Dados sobre deficiência
Segundo os dados do Censo de 2021, sobre uma população de 445.693 indivíduos residentes, foram registadas 47.021 pessoas com deficiência. 61,8% são mulheres e 38,2% homens.
Quando analisado por meio de residência, os dados mostram que 69,2% das pessoas com deficiência residem no meio urbano, enquanto 30,8% vivem no meio rural.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, a deficiência visual é aquela que mais predomina a nível nacional, afectando 6,5% da população com deficiência. Essa deficiência é ligeiramente mais elevada no meio rural (6,9%) que no meio urbano (6,3%).
Entretanto, para ambos os meios de residência, a deficiência visual afecta mais as mulheres do que os homens.
Em seguida, aparece a deficiência em andar ou subir degraus, com uma taxa de prevalência de 2,9%, e atinge mais a população feminina (2,3%) do que a masculina (3,5%).
Com uma taxa menor, 2,1%, aparece a deficiência cognitiva total, atingindo mais as mulheres (2,7%) do que os homens (1,6%). A deficiência auditiva atinge uma taxa de 1,8%, e acomete mais mulheres (2%) do que os homens (1,5%).
De acordo com o Censo de 2021, os domínios funcionais relativos ao autocuidado e à comunicação, são os que apresentam menores taxas de prevalência da deficiência (1,2% e 0,8%, respectivamente).
Os dados relativos às taxas de prevalência da deficiência por concelho, revelam que nos concelhos de Santa Catarina do Fogo (7,3%). Boa Vista (7,4%), São Filipe (7,6%), Praia (9,0%), São Salvador do Mundo (9,0%), Ribeira Grande de Santiago (9,3%) e São Lourenço dos Órgãos (10,2%), a prevalência da deficiência é inferior à registada no país.
O concelho com maior taxa de prevalência da deficiência no país é Ribeira Grande de Santo Antão, em que 16,6% do total da população de 5 anos ou mais, corresponde à população com deficiência.
Conforme a mesma fonte, 69,5% da população com deficiência tem capacidade de ler e escrever, o que indica, pelo menos em parte, a persistência das barreiras ou obstáculos à escolarização das pessoas com deficiência.
Ainda para as pessoas com deficiência, pouco mais de metade da população de 5 anos ou mais possui nível básico, ou alfabetização (52,9%), 15,4% nível secundário, e, somente 5,3% possui um curso médio/superior.
Já a nível nacional, as pessoas com deficiência estudam 6,5 anos, enquanto que este valor é mais elevado entre as pessoas sem deficiência (8,1 anos de estudo).
Somente 35,2% dessa população é empregada, sendo 3,0% desempregada. A inactividade entre a população com deficiência é de 61,4%, valor superior ao da população sem deficiência (43,4%).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1116 de 19 de Abril de 2023.