A nova Lei de armas entrou em vigor esta quinta-feira, 15 de Junho, e traz um agravamento das penas pela posse de armas sejam elas de fogo ou armas brancas.
Paulo Rocha, ministro da Administração Interna, explica que, além das medidas punitivas previstas para quem seja encontrado na posse de qualquer tipo de arma que seja considerado ilegal, é necessário falar em prevenção.
“Primeiramente, e já o temos vindo a fazer e vamos continuar, temos a questão da sensibilização relativamente à posse ilegal ou não autorizada de armas”, aponta o ministro.
Munições
Paulo Rocha deixa igualmente um alerta para a questão das munições que têm sido apreendidas ao longo dos últimos meses em Cabo Verde uma vez que “há apreensões constantes de munições”.
Segundo dados do Ministério da Administração Interna, só entre Maio e Junho deste ano já foram apreendidas mais de 1.600 munições de diversos calibres “isto apenas nos portos da Praia e do Fogo”, frisa Paulo Rocha. “Munições de calibre de caça, mas que são munições que alimentam, na sua maioria, as armas de fabrico artesanal”, reforça.
Paulo Rocha assegura que a existência de tão grandes quantidades deste tipo de munição em Cabo Verde “não se justifica num país onde praticamente não existe caça”.
De recordar que, em Outubro do ano passado, quando a lei foi levada ao parlamento e aprovada, ficou estabelecida “uma classificação autónoma das munições, porque até hoje a classificação era feita em função das respectivas armas ou das armas a que se destinam”.
Campanha de recolha de armas
Desta forma, após a entrada em vigor desta nova lei, “vai arrancar uma campanha de entrega voluntária de armas e estaremos a reforçar a necessidade de as pessoas perceberem que a lei vem agravar” a punição pela posse deste tipo de armas. Assim, será dada às pessoas a oportunidade de “entregarem voluntariamente as armas que tenham na sua posse sem qualquer responsabilização”.
Em declarações ao Expresso das Ilhas o ministro da Administração Interna anunciou igualmente que “vai haver a possibilidade de determinadas armas poderem ser legalizadas, mas isto dependerá da perícia e do manifesto dessas armas para ver se está dentro do leque passível de licenciamento”.
Dentro desse grupo incluem-se “armas de defesa pessoal, que têm um calibre específico, gás lacrimogéneo, armas de caça, desde que não tenham um calibre superior a 36mm, entre outras”, especifica Paulo Rocha.
Esta campanha de recolha e legalização de armas prevê, segundo confirmou Paulo Rocha, que as pessoas possam solicitar a sua legalização e a emissão de uma licença de porte de arma “mediante o preenchimento de um documento a dizer que pretendem que seja feito o manifesto da arma para efeitos eventuais de licenciamento”. Feita essa entrega e essa anotação o passo seguinte é a realização de uma perícia à arma de forma a perceber se é uma arma cuja posse seja permitida ou não. “A pessoa será depois chamada, no prazo de 30 dias, para formalizar o pedido de autorização do porte de arma”.
Armas brancas
Outro dos problemas que se coloca actualmente à Polícia Nacional é a questão da posse de armas brancas, especialmente facas. “Todos os dias são apreendidas dezenas em todo o país,” mas com particular incidência na cidade da Praia, refere o ministro da Administração Interna ao Expresso das Ilhas.
Um fenómeno que preocupa as autoridades.
“Este é um fenómeno bastante preocupante, porque está subjacente a inúmeras situações de violência inusitada, particularmente quando combinada com o consumo excessivo de álcool”, refere Paulo Rocha.
Com este novo regime jurídico pretende-se resolver um problema que está relacionado com esclarecer “o que é proibido e o que não é” na via pública.
A anterior legislação dizia que arma branca era toda a arma que não tinha uma aplicação definida “e uma faca como tinha um efeito definido, independentemente do tamanho, não era considerada, para efeitos penais, como uma arma branca”. Agora tudo isso muda e quem for interceptado pelas autoridades na posse de um objecto deste tipo “terá de justificar qual a finalidade” e razão de estar na sua posse.
“Em função disso os órgãos policiais e judiciais chegarão à conclusão se aquela arma, naquelas circunstâncias era proibida ou não”, explica Paulo Rocha. Ainda assim, reforça o ministro da Administração Interna, “passa a ser proibido estar na posse de uma arma de lâmina superior a seis centímetros [n.d.r. na legislação anterior era 10 cm], caso em que terá de ser justificável aquela posse naquela circunstância”.
Paulo Rocha ilustra esta situação com o exemplo “do pescador que às seis da manhã é interceptado pela Polícia na posse de uma faca, quando se dirige para o cais ou para o seu bote, que é perfeitamente justificável. Bem diferente é a pessoa que a meio da noite, à porta de um bar, no meio da rua, ou num beco, tem uma faca consigo e não tem uma justificação plausível para a sua posse”.
Mas não são só as facas que estão sob escrutínio da nova lei. Há novas armas que vêm surgindo “como é o caso dos cartões, aparentemente inofensivos, do género de um cartão bancários, mas que trazem uma lâmina dissimulada. Isto era algo que não estava previsto na legislação anterior, mas que passamos a prever”.
De todo o modo, reforça Paulo Rocha, andar na via pública com uma faca, machim ou catana passa a ser susceptível de responsabilização criminal.
A utilização de navalhas, em Santiago, é quase uma questão cultural e é aqui que surge a questão da tolerância dada pelas autoridades a este tipo de posse. “Mas tenho de dizer que este problema [da posse ilegal de armas brancas] é muito maior na Praia do que no meio rural. Na Praia é muito raro o dia em que a Polícia não apreenda uma faca e depois não há justificação para as pessoas andarem de machim ou catana na mão quando estão num meio urbano e isso é algo que acontece com muita frequência», lamenta Paulo Rocha.
Prevenção
A questão das armas, brancas ou de fogo, tem sido um problema sentido com especial incidência nos principais meios urbanos do país. Os casos de assaltos com recurso a armas de fogo ou a armas brancas, ou mesmo em conjunto, têm sido notícia quase diária.
O ministro assegura que o governo está, por isso, a trabalhar na prevenção deste tipo de crime. “Através de operações policiais diárias vamos tentar apreender o máximo de armas possível e, sobretudo, atacar a questão da importação ilegal. Nós vamos ter menos situações de tiroteio nas ruas se houver falta de disponibilidade de munições”, refere Paulo Rocha e isso acontece se “se investir no reforço dos equipamentos de detecção por raio-x nos portos nacionais. Em todos”.
Outro passo é a sensibilização a ser feita através da comunicação social e “no discurso que é feito diariamente nos mais diversos níveis, sendo certo que a lei será sem dúvida a melhor forma de prevenção pela via da dissuasão a partir do momento que as pessoas perceberem que há um risco efectivo e que a lei já não é tão flexível”.
No entanto, no que respeita às armas brancas o problema é um pouco mais complexo uma vez que o acesso a uma faca é muito mais fácil. “Essa é a grande dificuldade”, reconhece Paulo Rocha. “É uma questão de mentalidade, uma faca arranja-se em qualquer lugar e não é um instrumento ilegal. Aqui é tudo uma questão de persuasão, de as pessoas perceberem que há momentos em que uma pessoa não pode estar na posse de uma faca. E se tem de a transportar não tem de o fazer à cintura ou ao alcance de modo que possa perigar qualquer um”. De resto, aponta Paulo Rocha tudo terá de passar pela prevenção e pela dissuasão, “explicando às pessoas quais as consequências”.
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Cidade da Praia, cidade violenta?
Os casos de criminalidade violenta são mais visíveis na cidade da Praia. Razão para perguntar se há uma cultura de violência na capital.
“Eu não acredito que haja”, diz Paulo Rocha. “Se não, eu teria de dizer que as pessoas são violentas por natureza e eu não acredito nisso. O que eu acredito é que existem factores que concorrem para a violência como é o caso do consumo excessivo de álcool. Eu considero que não há causa maior para a violência, neste país, do que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e também pela frequência de eventos e momentos em que as pessoas podem livremente estar sob efeitos de álcool e de embriaguez pública. São situações que não concorrem para um ambiente mais tranquilo e menos violento».
Paulo Rocha acrescenta ainda os “problemas de exclusão social, de consumo de droga”, como factores que podem estar na origem de crimes violentos na cidade da Praia.
“Depois temos factores que têm que ver com a masculinidade, a forma como ela é gerida e vista o que, de certa forma, contribui para que as pessoas se tentem impor e nem sempre o diálogo é o instrumento de persuasão”, conclui.
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Enquadramento penal da nova Lei de armas
Arma de fabrico artesanal (boka bedju) – a posse passa a ser punida como se fosse arma de guerra. Isto traduz-se numa pena de 6 a 10 anos.
Munições – a importação de munições passa a ser punida de forma autónoma, ao contrário do que acontecia na legislação anterior. A partir de agora condutas como importação de munições passam a ser consideradas como tráfico internacional de munições e punível com penas que poderão ir dos 10 aos 16 anos de prisão efectiva.
Armas brancas – na nova legislação prevê que posse ilegal de armas brancas seja punida com penas de prisão entre os 4 e os 6 anos de cadeia.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1124 de 14 de Junho de 2023.