Cabo Verde quer um turismo de qualidade, mas não é um destino de qualidade

PorSara Almeida,28 out 2023 10:50

Jorge Spencer Lima, Presidente da Câmara de Turismo de Cabo Verde
Jorge Spencer Lima, Presidente da Câmara de Turismo de Cabo Verde

O turismo de Cabo Verde prepara-se para entrar na chamada época alta, com a perspectiva de conseguir, em 2023, um recorde anual de turistas. Por detrás dos números, das estatísticas quantitativas, porém, levantam-se vários desafios ao sector, tanto a nível da qualidade do destino, como da ainda incipiente diversificação. Em conversa com o Expresso das Ilhas, o presidente da Câmara de Turismo, Jorge Spencer Lima, aborda essas e outras questões e apela a uma “gestão do real”, ao invés da “gestão da utopia”, que muitas vezes se faz neste e outros sectores.

Vamos entrar agora na chamada época alta do turismo. Quais são as perspectivas? 

As perspectivas são boas. Este ano tivemos uma época baixa que pode ser considerada boa, em comparação com anos anteriores, e estamos esperançosos de que essa tendência vai continuar na época alta. Neste momento, já retomamos os números anteriores à covid, quando chegámos a 800 e tal mil turistas/ano. No período pós-covid, essa estatística foi estabelecida como meta, mas neste momento já não o é. Já chegamos aos números anteriores máximos, a meta é, agora, superior. 

A perspectiva para este ano é de 910 mil turistas. 

O governo, antes da pandemia, anunciou o objectivo de chegar a um milhão de turistas. É um objectivo absolutamente realizável, realista e temos todas as condições para chegar lá. Mas, esperamos atingir essas metas numa época alta, onde os hotéis vão estar com perto de 100% de taxa de ocupação. Se têm perto de 100% de ocupação, vamos crescer com base em quê? Não vamos pôr pessoas em tendas ou na rua. Há que construir novas unidades hoteleiras para aumentar a nossa capacidade de receber turistas e, assim, aumentar o número de visitantes e atingir a meta estabelecida.

Qual seria o papel do governo na criação de mais quartos?

Em Cabo Verde, temos o que chamo de gestão da utopia – a gente sonha, assina, publica no Boletim Oficial, projectos grandiosos que nunca se vão concretizar. Portanto, temos de ter uma abordagem realista e fazer a gestão do real. Temos projectos que causaram alarido, mas nunca saíram do papel – a tal gestão da utopia. E temos projectos que, de facto, tinham condições para avançar, arrancaram, mas encontraram dificuldades e continuam a enfrentá- las depois de muitos anos. Então, a primeira coisa a fazer, em vez de sonhar projectos que não vão dar em nada, é o levantamento dos projectos que arrancaram, estavam bem feitos, mas estão inacabados, discutir com os promotores, e ver que medidas tomar para terminar essas obras. Com isso estamos a aumentar a nossa capacidade de acolhimento para atingirmos os objectivos. E ao fazê-lo, melhora-se também o aspecto dos locais onde estão as construções. O governo criou o Fundo Soberano que devia ter um papel fundamental nesse apoio. Temos chamado a atenção para esse problema repetidamente. Recentemente, tive uma reunião com o Vice-Primeiro-Ministro, onde levantei essa questão e ele reagiu positivamente. Mas o problema neste país é o escalão seguinte, o nível intermediário, que, muitas vezes, não entende, não dá seguimento às decisões e mete as coisas na gaveta. Assuntos que deveriam ser resolvidos em meses acabam por se arrastar por anos. Não estou a pedir que sonhem ou inventem, mas que cumpram as directivas dadas, várias vezes, pelo Primeiro-Ministro e pelo Vice-Primeiro-Ministro. Dão as directivas, mas estas ficam no ar, ninguém executa, ninguém faz saber e é o país que sofre. 

Tem vindo a propor que 5% das receitas do Fundo do Turismo retornem para os investidores/operadores? Para onde seria canalizada essa verba? 

Essa proposta já foi feita e reiterada várias vezes, oralmente e por escrito. Escrevi, inclusive, uma carta ao PM e o Ministro do Turismo também tem conhecimento. No entanto, até o momento, não obtivemos resposta. A nossa proposta é que 5 % fosse canalizado para a Câmara do Turismo, com base numa proposta de um programa de execução de investimentos. A primeira aposta é no domínio da formação, uma área que enfrenta uma grande carência no momento. Embora a Escola de Turismo tenha feito um trabalho notável, sozinha não é suficiente. Recentemente, tivemos a partida de profissionais para trabalhar em Portugal, o que gerou muitas críticas. Não foi Portugal que “roubou” esses quadros; são os cabo-verdianos que escolheram emigrar, como têm feito ao longo da sua história. O verdadeiro problema é a nossa capacidade formativa interna para substituir aqueles que foram. Temos que considerar também a questão dos salários muito baixos, da precariedade dos empregos. As pessoas vão procurar outras condições de vida e têm esse direito. 

Esses salários não são um dos factores que atraem investidores para a Cabo Verde? 

Sim e não. Não vamos atrair investidores via salários, para espremer os cidadãos. Vamos atrair via incentivos. Já existe um programa de incentivos, se esses incentivos não forem suficientes vamos criar outros, mas não deve ser política atrair investidores por causa dos salários baixos. Um trabalhador que com o que ganha não consegue comer, quando tiver uma oportunidade, vai. A culpa é nossa, pois é nossa responsabilidade, como autoridades, preparar o caminho para que as pessoas não saiam. Esse caminho é preparado, primeiro, via formação, que leva a melhores empregos e salários. Temos de actuar nesse cenário. 

Em relação a incentivos, o que salienta? O quadro fiscal, por exemplo, está actualizado? 

O quadro fiscal não está actualizado, mas não digo que não sirva. Devemos encontrar talvez outros mecanismos de incentivo, porque o quadro fiscal deve procurar atrair o investidor, e, ao mesmo tempo, garantir que o investimento seja lucrativo o suficiente para que permaneça. Quero que venham, invistam, tenham um quadro legal que os apoie, mas sobretudo tenham um ambiente de negócios favorável. Um dos desafios em Cabo Verde é que muitas vezes o ambiente de negócios não é favorável para o sector privado. O privado é visto de forma negativa, quase como um inimigo público, um explorador que quer encher os bolsos de dinheiro à custa de trabalhadores mal remunerados. É falso. Como investidor, quero que meus funcionários sejam bem remunerados, para que não saiam, mas também para que sejam produtivos. A diferença entre um funcionário mal remunerado que produz pouco e outro que é bem remunerado e produz muito é significativa. Como investidor, estou disposto a pagar salários justos para que meus funcionários se sintam valorizados e seguros nos seus empregos. A rentabilidade também está ligada ao salário. 

Mas o sector do turismo é atractivo para os trabalhadores? 

Um emprego é sempre melhor do que o desemprego. Mas o turismo cabo-verdiano já não é um negócio de tostões. É um negócio real. Quem constrói um hotel, tem capacidade financeira para o fazer. Se há capacidade financeira, se o mercado está a estabilizar-se, se os turistas existem, o retorno está garantido. E se esse retorno estiver garantido, tem que ter os seus efeitos positivos nos trabalhadores, na qualidade do serviço. Dizemos muitas vezes que não queremos o turista pé-rapado, falamos mal do turismo all inclusive – o que é um disparate- , dizemos que queremos um turismo de qualidade. Um turismo de qualidade num destino que não é de qualidade? Como podemos querer um turismo de qualidade se é para vir andar no meio de cachorros, gatos, lixo,... 

A chamada gama alta é apenas 9% do nosso turismo. Então, como podemos atrair esse segmento? 

Temos que investir. O problema é que Cabo Verde quer um turismo de qualidade, mas não é um destino de qualidade. Isso é incompatível. O turismo de qualidade implica certos preceitos, como infra-estruturas de qualidade. Actualmente, os hotéis classificam-se por conta própria, e ninguém fiscaliza. A lei existe, mas cada um faz o que quer. Ora, dizer que um hotel é 4 estrelas não pode continuar na vontade do investidor. Além das infra- estruturas, temos que elevar a qualidade do serviço prestado e, um dos pontos de que falávamos, no retorno dos 5% [do Fundo do Turismo], é para ajudar os hotéis na formação, na qualidade, no atendimento aos nossos clientes. Além disso, também se não quer turistas que venham e fiquem num hotel, num “oásis” fechados.

Como trazer para fora? 

Trazer para fora para ver o quê? Em Santa Maria, por exemplo, há problemas com cães, brigam, mordem turistas, e não se pode “mexer” com os cachorros. Afinal, estamos a criar um país para cachorros ou para gente? Tem que se decidir o que é que se quer. Deixar as coisas como estão não é possível, nem desejável, e alguém tem que assumir as suas responsabilidades. Veja-se as estradas em Santa Maria, estão em mau estado. Algumas melhorias estão em andamento, mas há uma estrada concessionada que não é mantida adequadamente há décadas, e ninguém fiscaliza. Precisamos de pessoas dispostas a fazer cumprir a lei, fazer as coisas funcionarem. 

Já ultrapassamos os números da pré-pandemia. Há pouco mais de uma década, Cabo Verde beneficiou, por tabela, da Primavera Árabe. Agora estamos a viver a euforia da pós-pandemia, em que toda a gente quer viajar. Cabo Verde está a criar bases para que este não seja um fenómeno passageiro? 

Voltamos à mesma história: a qualidade do destino. A qualidade do destino tem de ser assumida pelas autoridades. Os investidores melhoram a qualidade do destino, através da melhoria das suas unidades hoteleiras, mas o ambiente é com o governo. Portanto, todo o ambiente externo tem que ser visto de uma outra forma. Não deixar as coisas andar e estragar e quando já dá para estragar mais, consertar. Temos que acabar com essa mentalidade. Nós temos o pacto [de sustentabilidade] do turismo que foi aprovado, mas continuamos com muitas fraquezas. As duas principais ilhas turísticas do país, Sal e Boa estão praticamente abandonadas. 

A percepção é que há uma menor atenção, e até desaceleração do turismo na Boa Vista. É verdade? 

Há, mas não diria que é culpa exclusiva do governo. Na Boa Vista, temos 3 componentes que ainda não estão a funcionar em sintonia: o investidor privado, a Câmara Municipal e o governo. E ainda temos a Sociedade de Desenvolvimento Turístico de Boa Vista e Maio. Portanto, é todo um sistema que não está a funcionar. E, desenvolveu-se aí um tipo de turismo em que há um desfasamento entre a população real, local, e o turista. Os preços dos transportes são exorbitantes e não há lugares atractivos, o que faz com que as pessoas fiquem nos hotéis. Este é um problema que também afecta o Sal, embora em menor escala. Portanto, é necessário melhorar todo o sistema. 

Sempre que se fala de turismo, fala-se em trazer mais benefício para os outros sectores da economia. Temos desde logo o problema da escala de produção. Mas que problema é que identifica que tem de ser resolvidos para realmente se dar esse salto entre sectores?

Há dois problemas reais, internos: a produção e distribuição , que inclui vários aspectos. Você produz, mas não é só produzir e distribuir. Você produz, tem que transformar de alguma forma o produto para ser vendido. 

Fala-se os centros e centrais de compras para ajudar no processo… 

Esses centros foram criados há quase 10 anos. O Centro de São Filipe [Centro de Pós-Colheita em Monte Barro] está fechado, bem como o centro de Porto Novo, o centro de São Nicolau... O problema é fazê-los funcionar. Do meu ponto de vista, a ideia dos centros é boa, esse é o caminho, porque as nossas unidades de produção são tão pequenas que não conseguem fazer o upgrade para distribuição: fazer uma embalagem bonita, preparar o produto para ter acesso em condições de ser distribuído nos hotéis que têm uma série de exigências. É preciso capacidade produtiva para conseguir fazer esses investimentos, daí os centros. Se vender ao centro, o centro já tem a capacidade de transformar o produto. O centro de São Filipe, no Fogo, que referi, é um centro maravilhoso, investimento grande. Tinha tudo para dar certo. Não funciona. 

O que falhou? 

Tudo, porque o centro não funcionou porque nunca teve gente afecta ao centro, nunca teve um director, nunca abriu as portas. Depois poderia vir a ter problema com distribuição, com os transportes, mas se não funcionou, não se podem queixar dos transportes. Portanto, do meu ponto de vista, nesse momento, era mais eficaz fazer funcionar os centros existentes, adquirir experiência com esses funcionamentos e depois passar à segunda fase, que seria a criação de novos centros. O cabo-verdiano pensa que é natural de uma potência mundial, é só sonho, Cabo Verde vive de ilusão, utopia e sonho. E, como disse, muitas vezes pensam que o sonho é a realidade. Esquece-se que vivemos num país minúsculo, de 500 mil pessoas, divididas por 10 ilhas e, portanto, não trabalham em função da nossa pequenez. Agrupar, juntar, para criar condições de quantidade e qualidade é fundamental para criar condições de competitividade. Temos um problema grave de competitividade, sobretudo devido à nossa pequenez. Portanto, vamos unificar o mercado nacional, através da produção, da qualidade da produção e da qualidade da distribuição. Temos um mercado de 800 mil pessoas por ano que não conseguimos atingir, à excepção de algumas empresas. Ora, dentro da realidade da nossa produção agrícola, apesar de toda a seca, sempre tivemos alguma produção, mas há momentos em que a nossa agricultura produz e fica lá, entre as ilhas, a estragar-se porque não tem como se transformar, não tem como distribuir, estragar porque não consegue vender. Temos que sair disto. 

Voltando à questão da época alta e baixa, este ano tivemos números bastante próximos. Isto mostra que houve alguma diversificação do turismo? 

Ainda é só utopia. 

Não temos já um turismo de eventos? 

Os eventos chamam os cabo-verdianos, para virem aos festivais, cada um na sua terra natal. Vamos separar o turista étnico do outro, que é residual nos eventos.

Temos tido vários eventos da CEDEAO...

Estamos a dar o primeiro passo. No turismo de negócios, de convenções, podíamos ter evoluído muito mais. Há 20 anos que temos uma proposta, que temos discutido com o governo, para a construção de uma sala internacional [de reuniões] na cidade da Praia. Não há. Você que ter turismo de eventos, com salas de reuniões pequenas? Mesmo no Sal. A última reunião foi feita numa tenda e este não pode ser o nosso objectivo. No mínimo que se faça um centro de congressos na capital, na Praia, até para ajudar a alavancar a cidade nesse aspecto. A Praia, neste momento, é a mais propensa a turismo de negócios, de congressos, mas há pouca capacidade hoteleira. A própria evolução da capacidade instalada hoteleira na cidade da Praia tem a ver com isso. Qualquer pequena coisa que se faça, a maioria dos hotéis estão cheios. Os maiores hotéis tem pouco mais de 100 quartos. No Sal, os hoteleiros para fazerem um hotel é no mínimo, 250, e temos um hotel de 3000 quartos. Portanto, há essa grande diferença, mas porque o desenvolvimento turístico da Praia dá-se pela construção de uma sala de congressos, para trazermos eventos internacionais. Temos que ter uma outra visão. Assim, a Praia, cidade capital, precisa de melhorar a sua qualidade, melhorar a capacidade instalada de acolhimento. Temos projectos que há anos não arrancam, mas se se construir uma boa sala de congressos, a cidade vai dar um salto num sector que não é do Sal e Boa Vista. 

E turismo de montanha e aventura? 

O turismo da montanha e aventura tem dado alguma coisa, mas nada de especial. Veja-se que Sal e Boa Vista, que não têm esse turismo, representam 94/95% do turismo nacional. 

Mas o que falha na montanha e aventura? 

O turismo de montanha e aventura tem o problema da conectividade, porque está muito ligado aos preços. No Sal e mesmo Boa Vista já se consegue ter preços atractivos de transportes, os hotéis também fazem o seu esforço, e há um pacote competitivo. Quem está mais propenso a turismo de montanha é Santo Antão, mas a porta de entrada é São Vicente que neste momento não é visto pelas companhias aéreas como destino turístico e os preços são exorbitantes.

Poderia resolver-se se Low Cost viajassem para Cabo Verde. Como vê essa questão? O governo devia subvencionar? 

Não há Low Cost sem subvenção. Não há, porque o princípio base das low cost é a redução das tarifas, incluindo aeroportuárias e estacionamento. Não havendo reduções tarifárias, não há nenhuma Low Cost que venha. Em Cabo Verde, se uma empresa não está a funcionar, em vez de se atacar nas despesas e na eficiência e eficácia, as taxas são aumentadas para aumentar a receita, e acabamos por deixar de ser competitivos em vários sectores. Enquanto se quiser manter as taxas em valores como estão, não teremos Low Cost. Temos que ter uma política de redução custos para as trazer. As Low Cost têm sido muito atractivas porque há todo um sector que está à procura do turista individual, que não vem em pacotes. Por exemplo, se as pessoas usam Airbnb vão comer nos restaurantes. É todo um sistema que tem de ser visto de uma forma integrada, para que de facto tenha os seus reflexos nos vários sectores da economia. Uma das razões pelas quais o governo diz ter feito o ajuste directo com a Vinci para a gestão dos aeroportos foi a capacidade de a Vinci trazer Low Cost. Embora não houvesse grandes problemas de gestão aeroportuária antes, a Vinci pode melhorar o sistema. Vamos dar o benefício da dúvida ao negócio feito pelo governo. Vamos esperar para ver se a Vinci cumpre suas promessas, antes de fazer críticas. 

Também temos assistido ao aparecimento de novos voos. Temos agora Dakar-Sal. Há interesse das operadoras?

Dakar-Sal não foi procura das operadoras aéreas. Nós, particularmente a Câmara do Turismo, é que fomos atrás. Levou-nos o nosso tempo a convencê-las a virem para o Sal e os resultados mostram que estávamos certos. O raciocínio era muito simples: melhorar a rentabilidade dos hotéis durante a época baixa, evitando assim comprometer os ganhos da época alta, e que os ganhos da época alta possam ser reinvestidos na melhoria da qualidade dos serviços. Os nossos turistas tradicionais da época alta não vão vir para Cabo Verde na época baixa.Então, na época baixa vamos atrair turistas da África Ocidental.

Têm entrado sem problemas? 

Uma confusão. A CEDEAO não paga vistos. A outros países que pagavam, o governo decidiu isentar de vistos, mas viu a perda de receita que isso trazia e inventou a TSA (Taxa de Segurança Aeroportuária). Esqueceu-se é que não se vai compensar o que não tinham, porque a CEDEAO que já estava isenta, não havia essa receita. A TSA é aplicada indiscriminadamente a todos os que entram em Cabo Verde, inclusive pessoal da CEDEAO, que reclama e com razão. Isso deve ser revogado. Mas voltando à questão. Se os nossos hotéis, tiverem preços atractivos, vamos poder fazer pacotes atractivos para a África Ocidental, na época baixa, para compensar as perdas.

O europeu que vem procura o calor, vem no Inverno. O que é que Cabo Verde tem a oferecer a África?

Ilhas, há um atractivo por ilhas muito grande. Por exemplo, o Senegal abriu o voo com ATR, 70 lugares, o voo vem cheio. Os africanos do continente têm fascínio por ilhas. Mas temos que nos saber adaptar. Não podemos estar à espera de ver um senegalês na praia de Santa Maria, só a apanhar sol. Temos que criar alternativas para atrair esse turista que não é mar, sol e praia. São os eventos. 

Pretende-se que o turista venha e circule entre as ilhas. Como estamos nos transportes para fora e cá dentro?

Primeiro, o pacote tem de ser competitivo, se não for, o turista vai escolher outro destino. Neste momento, os transportes estão a reagir, os preços não estão exagerados e os preços dos pacotes do turismo estão correctos. As companhias aéreas sabem o alcance disso, se não, não têm tráfego. Portanto, os pacotes estão bem, mas o turista que chega ao Sal, vem com o seu orçamento limitado, não quer vir fazer mais despesas e fazer grandes deslocações. Antigamente, oferecíamos a possibilidade de turistas em Sal fazerem passeios para outras ilhas, em um único dia. Ia de manhã e voltava ao Sal para jantar. No tempo da Halcyonair, o avião saia cheio. Isto perdeu-se. Penso que é incapacidade negocial do próprio governo de remodelar todo o sistema de transportes aéreos interno. E o sistema está com muitas dificuldades, duas unidades não são suficientes. Para se ter o mínimo de estabilidade a nível interno, tem de ter no mínimo três aviões. A Bestfly tem duas. Não funciona. 

Foi um erro a TACV deixar as operações domésticas? 

Foi. Mas a TACV não deixou nada, foi-lhes imposto pelo governo. E o papel que a TACV deve exercer nesse sistema, não o está a fazer. Pelo contrário, a TAP tem preços exorbitantes e a TACV não está a competir, está a acompanhar os preços da TAP. Para isso, não precisamos da TACV. Precisamos da TACV para combater o aumento de custos e evitar que algumas empresas dominem o mercado sozinhas. Além disso, o governo apoia a TACV com apenas um ou dois aviões, o que é um disparate. A empresa não vai a lado nenhum assim. Não faz sentido ter capacidade instalada inclusive em termos de técnicos, de pilotos, de gente no chão a receber salários sem voar. A TACV precisa de voar mais, ter mais rotas, mais aviões. Operar em pequena escala apenas levará a empresa à falência novamente, e as pessoas culparão a TACV, mas a culpa é do dono que não está a fazer os investimentos. É um desastre o que a TACV está a fazer neste momento.

Para terminar, e em suma, que caminhos para vender o turismo cabo-verdiano? 

Nós vendemos, basicamente, sol e praia, em duas ilhas, Sal e Boa Vista. Maio está no seguimento, está mais perto do arranque do sector do turismo do que qualquer outra ilha, porque, neste momento, a grande procura é essa: sol e praia. Essa é a base do nosso turismo no momento. Quando conseguirmos consolidar essa oferta, poderemos começar a explorar alternativas ao sol e à praia. Aí vem o turismo de eventos, que ainda é étnico, mas temos de ser capazes de capitalizar. Por exemplo, o festival de Baía das Gatas, este ano estava extraordinário, bem organizado. É o melhor festival de Cabo Verde. Para o tornar oferta de turismo de eventos temos de o internacionalizar e fazer um upgrade da qualidade musical. No turismo de negócios, a referência imediata é a cidade da Praia e temos de pensar a Praia neste aspecto. E não deixar a Praia neste marasmo. O projecto de David Chow, por exemplo. Dizem que se começou a construção de um hotel o que é falso: não há construção de hotel nenhum. O que fizeram é um bloco de apartamento e fizeram uma pequena a ponte. Portanto, não há grande problema com a reversão. A concessão tem as suas responsabilidades e se estas não forem assumidas responsabilidades, reverte-se a concessão e fica-se com o que estiver feito. O problema seriam os custos, mas que custos? Uma pequena ponte e o bloco de apartamentos, mais nada. O investimento era para ser feito no ilhéu e nada foi feito. Zero. Portanto, são essa coisas em que a cidade da Praia precisa de fazer valer a sua autoridade, a sua capacidade de cidade capital do país. E as ruas estão uma desgraça. As ruas, por exemplo, estão em péssimas condições. É necessária uma intervenção urgente na cidade da Praia, na capital, não é deixar as coisas degradarem-se completamente e depois vir falar de turismo. Turismo de quê?

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1143 de 25 de Outubro de 2023.

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Autoria:Sara Almeida,28 out 2023 10:50

Editado porAndre Amaral  em  28 abr 2024 23:28

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