No seu terceiro ano de implementação, o projecto Gestão de Ameaças Sectoriais Múltiplas nos Ecossistemas Marinhos, financiado pelo Fundo Global do Ambiente (GEF), pretende reforçar o trabalho do país na salvaguarda das áreas protegidas. A iniciativa visa, sobretudo, a elaboração de instrumentos legais de gestão e acesso a reservas marinhas.
A meta é a melhoria da capacidade sistémica e institucional e, assim, reduzir as ameaças aos ecossistemas. Um dos principais resultados práticos esperados será uma melhor governança dos recursos marinhos e costeiros. No horizonte, a redução de impactos ambientais das actividades económicas e maximização dos benefícios económicos e sociais nas comunidades locais.
Este mês, o comité de pilotagem esteve reunido no Mindelo. O ministro da Agricultura e Ambiente, Gilberto Silva, reconhece que, num país que é 99% mar, há muito trabalho por fazer, a começar por um melhor conhecimento dos ecossistemas.
“Os conhecimentos que temos não são suficientes. Precisamos de muita pesquisa, muita investigação, muito trabalho de identificação, não só dos ecossistemas, mas também das actividades de exploração dos recursos marinhos e o seu impacto em Cabo Verde”.
Conhecer melhor, gerir melhor é, então, o mote do projecto. Santa Luzia será uma área piloto, com potencial representativo.
“Vamos ter que operar sob um território muito concreto, que possa ser representativo, e onde podemos testar os vários elementos que estão a ser criados, cientes de que, depois, a aplicação destes instrumentos será estendida ao todo do território nacional”, explica o governante.
A tutela também ambiciona desenvolver um sistema de monitorização que permita acompanhar activamente a implementação das políticas e mecanismos que estão a ser desenvolvidos, actualizando-os sempre que necessário.
Cabo Verde, como o resto do mundo, enfrenta desafios na conservação da sua biodiversidade e mitigação dos impactos das alterações climáticas. Para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o projecto Gestão de Ameaças Sectoriais Múltiplas nos Ecossistemas Marinhos reforça o trabalho que o país tem feito nesta área.
Cabo Verde tem uma alta taxa de espécies endémicas e emblemáticas. Tal facto coloca as ilhas como uma das ecorregiões marinhas de maior relevância a nível mundial. É a própria representante-adjunta do PNUD, Elisa Calcaterra, que sublinha a importância em contexto global.
“Cabo Verde possui particularidades que levam à existência de uma biodiversidade de grande importância global. O país possui actualmente uma rede nacional de 47 áreas protegidas, que representam cerca de 20% do território terrestre e 6% do território [total] (…), daí ter sido reconhecido como uma das 23 ecorregiões marinhas de importância mundial”, frisou numa intervenção em São Vicente, já este mês.
“Por outro lado, a economia azul é uma nova abordagem de desenvolvimento que visa promover o crescimento económico e a inclusão social, assegurando a protecção do ambiente, a sustentabilidade dos oceanos e das zonas costeiras, através do desenvolvimento de sectores e actividades relacionadas com os oceanos”, complementou.
O projecto também é uma forma de responder ao Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 14, precisamente sobre preservação de ecossistemas marinhos e costeiros.
O PNUD acredita que o projecto ajudará à implementação da Estratégia Nacional e Plano de Acção da Biodiversidade 2015-2030 e à concretização do Quadro Estratégico Unificado da Economia Azul, aprovado em 2019.
Ambientalistas querem ser parte activa
Desde 2006 em Santa Luzia e ilhéus, a associação ambientalista Biosfera I aplaude a iniciativa governamental, que diz responder a uma reivindicação antiga. É “urgente” desenvolver instrumentos de gestão, considera o presidente da organização não governamental (ONG), Tommy Melo.
“No caso de Santa Luzia, imagino que os passos que neste momento devem ser dados são a criação de regulamentações e um plano de gestão que seja realmente efectivo e que consiga cobrir as deficiências que existem em termos de controlar o acesso à ilha de Santa Luzia e aos Ilhéus, porque são zonas com muita importância a nível biológico”, estabelece.
O líder associativo lamenta apenas que o comité de pilotagem tenha deixado de fora operadores que, como a Biosfeira I, trabalham há décadas na protecção da biodiversidade do ecossistema escolhido como área piloto.
“A meu ver, mais uma vez, o governo começou com o pé esquerdo. Já existia um comité de pilotagem que trabalha na ilha de Santa Luzia, formado por várias entidades, nomeadamente os stakeholders, aqueles que utilizam a ilha desde sempre, as associações de pescadores, a própria ONG Biosfera. Essas instituições são deixadas de lado, não são integradas, são apenas meros espectadores. Esperemos que o governo consiga corrigir e contrariar essa falta de sensibilidade ou falta de coerência”, apela.
O projecto Gestão de Ameaças Sectoriais Múltiplas nos Ecossistemas Marinhos é financiado pelo GEF, num montante de 3,7 milhões de dólares. Em 2022, durante o lançamento, o governo esperava mobilizar um co-financiamento superior a 22 milhões de dólares.
*com Lourdes Fortes (Rádio Morabeza)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1165 de 27 de Março de 2024.