Cabo-verdianos insatisfeitos com a democracia e preocupados com situação económica – Afrosondagem

PorEdisângela Tavares,1 fev 2025 9:24

Os resultados do décimo inquérito sobre “A qualidade da democracia e da governação em Cabo Verde: condições económicas e satisfação com a democracia” apontam que a maioria dos cabo-verdianos (65%) considera que o país está a seguir numa direcção errada. Mais da metade da população considera as condições económicas do país más ou muito más e manifesta uma elevada insatisfação com o funcionamento do sistema democrático.

Em declarações aos jornalistas, esta terça-feira, o director-geral da Afrosondagem, José Semedo, informou que os resultados do décimo inquérito, realizado de 27 de Agosto a 10 de Setembro de 2024, nas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santiago e Fogo, indicam que 65% dos cabo-verdianos acreditam que o país está no rumo errado, um dado que reflecte tendências verificadas em estudos anteriores.

Mais de metade da população considera as condições económicas do país más ou muito más, e 50% classificam negativamente a sua própria situação económica. Apesar disso, 70% dos inquiridos expressaram esperança de que o futuro será melhor nos próximos 12 meses, colocando Cabo Verde entre os países africanos mais optimistas, ao lado de nações como Gabão (84%) e Angola (72%).

O estudo aponta que, em relação à pobreza, 11% da população vive em situação de extrema pobreza, 44% enfrentam baixa pobreza e apenas 22% não apresentam indicadores de pobreza. Adicionalmente, dois terços dos cabo-verdianos relataram dificuldades financeiras no último ano, como a falta de rendimentos, água, combustíveis e cuidados médicos. José Semedo destacou que “as dificuldades financeiras continuam a atingir uma parcela significativa da população, sendo necessário criar políticas mais inclusivas para mitigar esses impactos.”

Democracia e a classe política

Apesar de serem descritos como “democráticos convictos”, os cabo-verdianos manifestaram insatisfação com a forma como a democracia funciona no país. Cerca de 81% consideram que Cabo Verde é uma democracia com problemas, sendo que 37% identificam grandes problemas e 44% referem pequenos problemas.

A insatisfação é ainda mais evidente entre jovens de 18 a 35 anos (86%) e mulheres (81%), que apontam um descontentamento crescente. Uma das críticas mais acentuadas recai sobre a relação entre políticos e cidadãos. O estudo revela que 84% dos inquiridos acreditam que os políticos pouco ou nada fazem para ouvir as preocupações da população.

“Quando 84% dos cabo-verdianos dizem que os políticos não os escutam, temos um problema grave de representatividade. Este distanciamento reflecte-se, inclusive, nos elevados níveis de abstenção registados nas últimas eleições autárquicas”, alertou José Semedo.

Outro aspecto abordado pelo inquérito é o papel das Forças Armadas. Embora Cabo Verde se posicione como um dos países mais democráticos da África Ocidental, 36% dos cabo-verdianos defendem que os militares deveriam intervir no processo político em situações críticas. Além disso, 56% consideram legítimo que as Forças Armadas assumam o controlo do Governo quando os líderes eleitos abusam do poder para benefício próprio.

Esperança no futuro

Apesar das críticas à classe política e às condições económicas, o inquérito revelou indicadores positivos sobre a liberdade e a participação democrática em Cabo Verde. Cerca de 80% dos cabo-verdianos acreditam que são livres para expressar as suas opiniões, 79% sentem-se livres para aderir a organizações políticas e 93% consideram-se livres para votar sem pressão. Além disso, 78% defendem a realização de eleições regulares e honestas, enquanto 79% apoiam a limitação de mandatos presidenciais a dois termos, como já acontece no país.

No entanto, a elevada abstenção eleitoral é vista como um alerta. Segundo José Semedo, “a falta de confiança na classe política é uma das razões para o crescente desinteresse dos cabo-verdianos em participar nos processos eleitorais. Um exemplo é o MpD, maior partido autárquico desde 1991, que perdeu a maioria das câmaras municipais nas últimas eleições, o que pode indicar um descontentamento generalizado.”

Para este responsável, é fundamental ultrapassar o mero plano das intenções e focar na melhoria concreta das condições de vida dos cabo-verdianos, sendo que a população precisa de sentir que existem políticas reais e eficazes com impactos positivos.

Na sua percepção, os jovens necessitam de alternativas credíveis que lhes ofereçam perspectivas de futuro, uma vez que a falta de oportunidades leva muitos a considerarem a emigração como única saída, mas Cabo Verde tem potencial para encontrar soluções viáveis que revertam essa tendência.

“É essencial oferecer alternativas credíveis aos jovens, para que vejam em Cabo Verde um lugar de oportunidades e não sintam que a emigração é a única saída possível.”

Realizado entre 27 de Agosto e 10 de Setembro de 2024, o inquérito abrangeu as ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santiago e Fogo, representando 96% da população adulta de Cabo Verde. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1209 de 29 de Janeiro de 2025.

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Autoria:Edisângela Tavares,1 fev 2025 9:24

Editado porDulcina Mendes  em  1 fev 2025 23:27

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