Suicídio em Cabo Verde. Uma “preocupação”, um problema “complexo”

O suicídio é um problema de saúde pública global, assim considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Cabo Verde, as autoridades sanitárias estimam que entre 45 a 50 pessoas tirem a própria vida anualmente. Em 2022, mais de 90% das vítimas foram do sexo masculino, com prevalência de adolescentes e jovens.

Situação preocupante, admite a Directora Nacional de Saúde, Ângela Gomes. “Cabo Verde apresenta, de certa forma, alguma preocupação relativamente a esta matéria, tendo em conta que representa a segunda causa de morte por causas externas”, declara.

A nível mundial, mais de 700 mil pessoas suicidam-se a cada ano. O número de vítimas ultrapassa as mortes causadas por HIV, malária, cancro da mama, guerras e homicídios. Os dados da agência das Nações Unidas apontam o suicídio como a quarta principal causa de morte entre jovens dos 15 aos 29 anos. Mais de 70% dos casos ocorrem em países de rendimento baixo ou médio.

O psiquiatra Manuel Faustino, presidente da Fundação Menos Álcool Mais Vida, acredita que a realidade do arquipélago seja pior do que revelam os dados oficiais.

“Normalmente, há uma subnotificação, por várias razões. Admite-se que, por cada pessoa que se suicida, há vinte tentativas. Então, você tem a morte em si e, por cada um desses, tem mais vinte, mais pessoas, num sofrimento terrível”, afirma.

O consumo abusivo de álcool e substâncias psico-activas tem relação directa com casos de suicídio entre jovens, dizem pesquisas internacionais. O presidente da Fundação Menos Álcool Mais Vida considera que esses elementos são ignorados em Cabo Verde.

“Um dos elementos que clarissimamente tem contribuído para essas situações, nomeadamente de suicídio, e para outras coisas más, é o uso abusivo do álcool e de outras drogas. As realidades mostram isso claramente, mas nós ignoramos este elemento”, lamenta.

Dados da OMS também indicam que o suicídio está, muitas vezes, relacionado à prevalência de problemas de saúde mental. José António dos Reis, psicólogo e presidente da Associação de Promoção da Saúde Mental “A Ponte”, está convicto de que a situação no país não está distante da realidade internacional.

“Embora não existam estudos que sustentem a afirmação, seguindo as estatísticas globais, acho que Cabo Verde muito provavelmente não foge à regra”, analisa.

Denise Lima, psicóloga na Delegacia de Saúde de São Vicente, alerta ser fundamental perceber os sinais.

“Por exemplo, alguém que começa a ter comportamentos de despedida, a doar os seus bens mais valiosos ou de que mais gostava, ou a fazer coisas que antes não fazia. Devemos estar atentos a todos os sinais que as pessoas nos dão, para podermos encaminhar o caso o mais rapidamente possível para um profissional de saúde”, diz.

Psicólogo clínico e professor universitário, Davidson William Lemos tem atendido pacientes com problemas de depressão, alguns com pensamentos suicidas.

“A intervenção, enquanto psicólogo, passa por estimular o indivíduo a repensar a vida, aprender a pensar certo, porque tanto a depressão como a ansiedade moram no pensamento. Então, quando o indivíduo aprende a pensar certo sobre si mesmo, sobre o seu valor, as suas potencialidades, aprende a criar expectativas positivas sobre o futuro, isso coopera no tratamento da depressão e, consequentemente, na prevenção do suicídio”, entende.

A prevenção do suicídio é uma responsabilidade partilhada. O sociólogo Henrique Varela explica que todos têm um papel a cumprir.

“Esse papel tem de ser de complementaridade. Começa com a família, que é a primeira instituição social que o indivíduo frequenta, depois tem a escola, as igrejas e o Estado. O Estado, no seu papel de prevenção, pode, por exemplo, desenvolver campanhas de prevenção junto das escolas, com palestras e seminários sobre essa problemática. O Estado deve funcionar na base de prevenção e de alerta. Incentivar essas conversas. São sinais de políticas públicas de prevenção dessa problemática”, exemplifica.

José António dos Reis, da Associação “A Ponte”, defende o alargamento das valências disponíveis na rede de cuidados primários.

“É necessário integrar os cuidados de saúde mental nos cuidados primários de saúde, em igual circunstância aos cuidados que são prestados em relação a outras doenças, como a diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, entre outras patologias. Nos cuidados primários há uma normalidade na prestação desses cuidados e a saúde mental deveria estar no mesmo nível”, preconiza.

Cabo Verde dispõe de uma Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, aprovada e socializada em 2024. A Directora Nacional de Saúde, Ângela Gomes, explica que o documento traça estratégias para uma abordagem multissectorial.

“É um problema bastante complexo, que pode ter na sua origem vários aspectos sociais, que não têm a ver só com transtornos mentais”, realça.

Até 2026, e com o tema “Mudando a Narrativa sobre o Suicídio”, a Organização Mundial da Saúde pretende incentivar a acção com o lema “Comece a Conversa”. O Dia Mundial da Prevenção do Suicídio será assinalado a 10 de Setembro.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1216 de 19 de Março de 2025.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira, Fretson Rocha,23 mar 2025 8:20

Editado porFretson Rocha  em  25 mar 2025 11:20

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