A mãe estava desesperada. A filha, ainda mal acabada de entrar na adolescência, fora vítima de um crime sexual e, não bastasse o peso traumático do acto em si, carregava agora no ventre o peso do fruto do hediondo crime.
O caso ocorreu há já uns anos, quando a médica Ineida Cabral de Sena, hoje Presidente do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses (IMLCF), trabalhava na Delegacia de Saúde da Praia.
Ineida Cabral Sena - Presidente do IMLCF
Naquela consulta, compreendeu bem a angústia da mãe. Mas a criança, de 13 anos, apresentava já uma gravidez que ultrapassava as semanas permitidas para uma IVG despenalizada. Explicou a situação e encaminhou a menina para a Maternidade do Hospital Agostinho Neto. Não havia nada que os profissionais de saúde pudessem fazer. Horas depois da consulta, contaria a colega a Ineida, mãe e miúda voltaram. A criança estava a sangrar.
Tinham recorrido ao Cytotec para pôr fim à gestação e tal como muitos outros casos de aborto inseguro, o destino final foi o HAN, para a curetagem.
Ineida não sabe qual foi o seguimento dado ao caso, apenas um entre muitos que conheceu ao longo dos seus 16 anos de serviço. Alguns tiveram um desfecho semelhante, outros deram origem a uma nova vida. Todos são dramáticos, embora uns mais do que outros. Afinal, cada caso é um caso…
Em menos de dois anos, desde a sua entrada em funcionamento, pelo IMLCF já passaram 208 casos de agressão sexual, 194 dos quais de vítimas do sexo feminino. Entre essas, oito estavam grávidas. Três delas procederam à IVG, o que foi possível pois tinham menos de 12 semanas de gestação.
Mais do que isso, a lei não permite. Não há qualquer distinção entre mulheres adultas e crianças, e nada difere os frutos do amor e relações consentidas e os frutos da violência e crime.
Das oito vítimas-grávidas, cinco pariram, querendo ou não.
A mulher que provocar ou consentir na interrupção da sua gravidez fora das hipóteses previstas incorre numa pena de 3 meses a 1 ano.
No caso de menores ou pessoas incapazes de decidir, a interrupção só pode acontecer com autorização do representante legal.
Não há nenhuma referência à IVG em casos de gravidez resultante de crimes sexuais.
Tão à frente, tão atrás
A lei da IVG em Cabo Verde foi aprovada em 1986. Na época, poucos países, mesmo os mais desenvolvidos, tinham legislação que despenalizasse a prática fora de situações muito restritas. Cabo Verde estava à frente.
Desde então, várias nações foram adoptando leis semelhantes, mas, ao criá-las, introduziram nuances nos limites gestacionais, em particular para os casos de vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. Portugal, por exemplo, só aprovou a sua lei em 2007, após referendo. Nesse país, o limite "geral" (a pedido da mulher, sem necessidade de justificação médica ou legal) é de 10 semanas, menos do que Cabo Verde, portanto. Mas, alarga-se até às 16 em casos de violação. Noutros países, nessas situações, vai até às 24 semanas ou não existe limite.
Aliás, em quase todos os 77 países que despenalizam a IVG, há excepções para gravidezes por violação. Até o Brasil, onde a IVG é proibida, permite-a sem limite de tempo em casos de “estupro”.
Estas cláusulas decorrem da lógica de que não se pode obrigar uma vítima de um crime a conviver com o fruto desse crime.
E se os países vão avançando, como a França, que declarou recentemente a IVG um direito constitucional, Cabo Verde estagnou.
A lei permanece cristalizada e o tema envolto em silêncio.
Mas não é só em relação ao resto do mundo que a lei ficou ultrapassada. Desde a sua aprovação, muito mudou no panorama legal Cabo-verdiano e mundial.
Demarcando-se de juízos de valor, e salientando que a intervenção do Ministério Público se limita à tutela da acção penal - “a aferir dos factos” e se estes deve ser julgados e punidos - , o procurador António Andrade reconhece que está desactualizada.
António Andrade - Procurador da República da Comarca da Praia
“Temos uma Constituição da República que é de 1992, com os princípios que são do Estado moderno”, destaca. Além disso, a Declaração Universal dos Direitos da Criança foi ratificada em 1989, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é de 2013, estando a sua revisão, de 2023, à espera da aprovação final do Parlamento, e o Estatuto da Vítima é de 2021. Todos esses documentos jurídicos, que, destaca, protegem “devidamente a vítima” são, pois, “posteriores à lei de IVG”.
Contudo, como qualquer assunto fracturante, não parece haver qualquer vontade de se discutir a legislação da IVG em concreto. A Lei da IVG, tal como a Lei da VBG e outras legislações avulsas, foi incorporada no Código Penal e Código de Processo Penal em 2021. Era um momento propício para alguma alteração. Nada foi discutido ou mudado.
Silêncio legal
Há, entretanto, outros instrumentos jurídicos para protecção das crianças e adolescentes, no particular. Quantos falam das gravidezes decorrentes dos crimes sexuais? Nenhum.
Em 2023, por exemplo, foi aprovada a Lei que estabelece o Regime Jurídico Geral de Protecção de Crianças e Adolescentes em Situação de Perigo, incluindo casos ligados à violência sexual (Lei n.º 19/X/2023, de 31 de Janeiro). Referências à IVG e crimes sexuais: nenhuma.
O próprio ECA, já referido, estabelece uma série de direitos à adolescente grávida, mas nada refere sobre as gravidezes resultantes de violência sexual. Sobre a IVG diz apenas que esta não pode ser feita sem que a menor seja informada e “sem que a sua opinião seja devidamente considerada.” De resto, põe a tónica no estabelecimento de programas para orientação e protecção do vínculo materno-infantil. A versão revista, mais moderna, traz várias novidades, mas nada no que toca à IVG em crimes sexuais.
O Plano Nacional de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes 2020-2024, na linha do seu antecessor, centra-se em acções de prevenção. Há bastantes alusões também aqui, à gravidez na adolescência, mas… nem uma palavra sobre gravidezes decorrentes de crimes sexuais.
Nas campanhas lançadas contra a violência sexual, também impera o silêncio sobre estas situações. A aposta, reconhece a delegada do Instituto da Criança e Adolescente (ICCA) de Santiago Sul, Justina Pina, têm sido em campanhas preventivas e de sensibilização. “Entendemos que a prevenção social é o melhor caminho”, salienta.
Descobertas tardias
De tempos a tempos, surgem notícias ou relatos de gravidezes resultantes de crimes sexuais. Como o caso, divulgado na Record Cabo Verde em Dezembro passado, de uma menina de 12 anos que estava grávida após ter sido violentada de forma contínua, alegadamente, pelo seu padrasto.
Quando a gravidez foi descoberta a criança tinha uma gestação de cerca de 26 semanas. A menina disfarçava a barriga. A mãe não dera conta de nada.
O aborto já não era legalmente possível, informaram.
Também com apenas 12 anos chegou ao IMLCF uma menina vítima de crime sexual perpetrado, desta feita, por um primo – é quase sempre alguém próximo. Estava nas 18 semanas.
O aborto já não era, legalmente, possível…
Se os exames não mostram anomalias, há pouca margem para justificar o pedido de IVG fora das 12 semanas.
A nível da Justiça, por seu turno, também nada há a fazer sem um relatório médico que afira os riscos, no quadro da lei. “OMinistério Público não tem competência para dizer [que há riscos], têm que ser os parceiros técnicos competentes”, sublinha António Andrade.
Além disso, também no quadro legal há pouca margem para interpretações flexíveis.
“Estamos a falar de uma lei penal e […] no direito penal tudo é muito rígido. Não permite interpretações extensivas, integrações de lacuna ou analogia”, acrescenta o procurador.
A Justiça não pode ir além do que o legislador estabelece. E o legislador parece ter esquecido, ou menorizado, factores psicológicos recorrentes da violência sexual.
Um outro aspecto que a lei não contemplou é que, apesar de o fruto da violação poder ser traumático para qualquer mulher, é muito mais fácil uma mulher adulta perceber o que se passa com o seu corpo e, querendo, recorrer de forma legal à IVG. Já uma criança ou adolescente tem várias limitações. A primeira, é que terá de contar ao seu responsável o sucedido, algo que, em muitos casos, têm medo de fazer. A segunda, é que simplesmente ou não percebem o que acontece no seu corpo, em grande parte devido a uma deficiente educação sexual.
“As crianças e adolescentes normalmente não têm a maturidade suficiente para controlar a sua menstruação e sabemos que aqui em Cabo Verde há algum déficit em termos de educação sexual. As meninas não conhecem bem o seu corpo, não sabem que há alterações”, reconhece a psicóloga da Delegação de Santiago Sul do ICCA, Aliana Carvalho.
Na mesma linha, conta Ineida Cabral Sena: “No último caso que recebemos no IMLCF, ela nem sequer sabia que estava grávida, mesmo com ausência do período menstrual. Quem o percebeu foram as vizinhas”. Quando a vítima chegou ao Instituto, já estava com cerca de 20 semanas e “barriguinha” visível.
Como se tarda tanto a descobrir?
Como observa, por seu turno, Justina Pina, do ICCA, o abuso ou exploração sexual raramente acontece isoladamente. Costuma estar associado a outras violações de direitos, como negligência ou abandono.
ICCA Santiago Sul Justina Pina, Delegada; Luísa Monteiro, Educadora Social e Aliana Carvalho, Psicóloga
Revitimização
Todos os casos de crimes sexuais, sejam abuso ou agressão, recebem acompanhamento psicológico quando denunciados. Proporcionalmente, não há muitos que resultem em gravidez.
A psicóloga Aliana Carvalho, atendeu um, nos últimos tempos.
A vítima chegou em estado de tristeza profunda, ansiosa. Enfim, “emocionalmente muito abalada”.
Também essa adolescente, abusada pelo padrasto, não podia abortar de forma legal, por já ter ultrapassado as 12 semanas.
Seria menos complicado se não houvesse um fruto desse crime? “Nunca podemos generalizar as consequências do abuso sexual porque depende de pessoa para pessoa”, responde a psicóloga, reconhecendo porém que este casos têm um agravante: o bebé.
“A gravidez indesejada decorrente de abuso pode intensificar esses sintomas de tristeza, desesperança, ansiedade…”, sublinha.
Para essas crianças e adolescentes grávidas, o impacto psicológico do crime é, pois, ainda maior. O facto de não conseguirem esconder o resultado do seu abuso, é uma espécie de revitimização constante que acontece ainda antes do bebé nascer, quando a gravidez se torna evidente, e poderá prosseguir mesmo após o parto. O trabalho psicológico é mais desafiante.
E se algumas vítimas aceitam o fruto, a maior parte, como a jovem que Aliana atendeu, rejeita a gravidez.
É necessário então “fazer um trabalho muito forte a nível de intervenção psicoterapêutica e de intervenção familiar, porque o apoio familiar é muito importante”.
Esta menina, de 16 anos, acabou por aceitar a criança, após muito trabalho multidisciplinar de apoio, principalmente junto da família.
“No momento que teve o bebé, não fez rejeição e continuamos nesse trabalho depois do parto”, refere Aliana.
Acompanha-se a integração e continua-se todo o trabalho para “fortalecer a vinculação da mãe com a bebé”, acrescenta a delegada, Justina Pina.
Números
Entretanto, não há estatísticas gerais e completas de quantos casos de crimes sexuais resultam em gravidez.
Sabemos, como referido que no IMLCF foram oito, desde 2023.
Na Procuradoria, esse dado não aparece desagregado, pois o quadro estatístico do MP considera apenas o tipo de crime. Quando o crime resulta em gravidez, o que se aplica é a agravação da pena.
Já na delegação do ICCA de Santiago Sul, no primeiro semestre deste ano, deram entrada dois casos de abusos sexual resultantes em gravidez. Os dois, como conta a educadora social Luísa Monteiro, chegaram ainda antes das 12 semanas e apenas uma das meninas recorreu à IVG. “A outra decidiu ter”, conta.
Mas, como reconhece Luísa Monteiro, muitos casos não chegam ao ICCA. Muitos, aliás, só são do seu conhecimento quando o tribunal solicita relatórios sociais ou psicológicos, revelando situações de violência sexual que nunca deram entrada formal na instituição.
Tal acontece porque não há uma “porta de entrada” única para os casos de crime sexual, o que torna difícil conhecer os números a nível global. Essa dispersão, como aponta, Justina Pina, prejudica ainda a resposta às vítimas de abuso e a aferição da dinâmica destes crimes, no geral.
“Nós consideramos que há respostas. Se calhar, o maior desafio é que elas estão desagregadas. O ideal é que essas respostas estivessem num único lugar, até por uma a questão da celeridade, para a questão de uma resposta transversal”, salienta, apelando à criação de “uma única porta de entrada”.
Entretanto, acredita-se que haja uma subnotificação dos casos de gravidez. Luísa Monteiro aponta como uma das razões o facto de muitas vezes, os próprios agressores ou suas famílias, oferecem contrapartidas e apoios para silenciar a denúncia.
Além disso, acredita-se uma sub-notificação dos crimes sexuais na generalidade, ou seja, mesmo dos que não resultam em gravidez.
E, por último, como refere Ineida Cabral Sena do IMLCF, para muitos pais, mais do que procurar a justiça, o objectivo principal é liberar a filha da gravidez, mesmo que de forma ilegal e insegura.
É que tal como na estória que abre esta reportagem, também o recurso ao aborto inseguro é a única opção para as meninas que engravidam na sequência de um crime sexual.
Grande parte das pacientes acaba por recorrer depois às estruturas de saúde, com sangramentos. Cabe, depois, a essas estruturas avisar a polícia, que deverão encaminhar o caso para a Procuradoria, para a secção de crimes contra as pessoas, uma vez que é considerado um crime contra a vida.
Mas nem no ICCA de Santiago Sul, nem o IMLCF têm conhecimento de julgamentos por esses crimes.
Quanto a casos de adopção, que poderiam ser uma opção, este são muito raros em Cabo Verde, onde o bebé acaba por ser criado pela própria mãe, por familiares da mãe ou, até, do agressor.
IML pede 16 semanas
Por tudo o que já foi dito, e principalmente pela própria experiência junto às vítimas, o IMLCF quer propor uma alteração à lei da despenalização da IVG.
A proposta, como conta a Presidente é que para casos de violência sexual o limite de gestação seja elevado das 12 para as 16 semanas. “
“Isso ajudaria muito, apesar de muitos casos chegarem depois desse marco. Já resolveríamos muitos casos”, considera.
Questionada sobre se não é uma proposta muito limitada, tendo em conta a idade gestacional com muitos casos chegam, e se não se deveria alinhar por aquilo que é considerado risco mental para a mãe (ou seja, sem limite de idade gestacional), Ineida Cabral Sena responde:
“Acreditamos que é pouco”, porém, um aumento para 20 semanas de gestação ou mais, acredita ser uma proposta condenada, a priori. Além disso, já é um passo importante passar a contar com uma alínea que tenha em conta os casos de agressão sexual.
“Se uma vítima de agressão - por questões religiosas, por questões familiares ou por questões mesmo ideológicas - quer ter um filho, deve tê-lo de sua livre vontade. Mas, facto de não haver a chance de poder dizer “não quero”, é lamentável”, considera.
Assim, o IMLCF pretende continuar a denunciar os casos e trazer a problemática para o debate público, para promover uma mudança legislativa.
“Não para descansar os agressores, muito pelo contrário, no sentido de dar mais justiça a situação das nossas vítimas”, aponta.
População apoia aborto “ético”
É preciso lembrar que não existe aborto 'legal' como é costumeiramente citado, inclusive em textos técnicos. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude, ou seja despenalizado. É assim dada a possibilidade de escolha à mãe, nos parâmetros balizados. Ninguém incentiva o aborto, apenas dá a possibilidade de ser feito em segurança e em respeito pela vida da mulher ou adolescente.
Mas falar de aborto é, como referido, falar de um tema sensível e uma parte significativa da população assume-se contra o mesmo. Porém, um inquérito recente da Afrobarometer (2024), mostra que os motivos por trás dessa difícil decisão influenciam o ser “contra” ou “a favor”.
De um modo geral, a maioria da população é “contra”, mas segundo esse estudo, realizado entre Agosto e Setembro de 2024, 75% dos cabo-verdianos considera o aborto justificável em situações de risco para a saúde da mulher – o que aliás já é permitido por lei.
Já em casos de violação ou incesto, o número cai para 59%. Mesmo assim, é uma percentagem que representa uma maioria.
Quer isto dizer, em última instância, que a opinião pública se mostra, sim, favorável à inclusão de uma nova cláusula na lei, referente a crimes sexuais.
Fica é por esclarecer no inquérito, qual a idade gestacional em que essa interrupção deveria poder acontecer.
Uma história de aceitação, mas…
Rita tem 18 anos e é mãe de um menino de dois anos. O pai da criança é o ex-companheiro da mãe, com quem chegou a morar. Desde cedo, ele a assediava com olhares e toques. O assédio começou cedo. Quando foram morar os três juntos, as conversas, toques e olhares dele já a incomodavam. “Não gostava dele”, lembra. Rita contou à mãe, que sugeriu que fosse viver com o pai. Durante um tempo, tudo correu bem, até que, devido ao hábito de beber do pai, Rita regressou à casa da mãe.
Um dia, Rita estava a repousar no sofá depois das aulas. A mãe e o padrasto estavam no trabalho, mas este chegou mais cedo e tentou o impensável. A adolescente conseguiu fugir antes que houvesse penetração. Não contou a ninguém.
Temia que, tal como lhe dizia o padrasto, a mãe “passasse mal” com a revelação.
O tempo passou e o “período não vinha”. Mas como sempre fora irregular, não se preocupou até começar a ver a sua barriga a crescer. Falou com uma professora, que a aconselhou a procurar um médico. Foi então, com uma responsável da escola à Verdefam onde a gravidez foi confirmada. A adolescente ficou em choque: não sentira um “contacto” que pudesse resultar numa gestação.
Chamaram a mãe de Rita, Rita finalmente confessou tudo e esta apresentou queixa contra o companheiro. Ele negou, mas, mais tarde, o teste de ADN confirmaria a paternidade.
Rita não sabe de quanto tempo estava quando descobriu a gravidez. Disseram-lhe que era tarde para interromper — “eles não deixaram”, resume.
Estava agoniada. Não conseguia aceitar a ideia de que ia ter um filho. Só pensava que “não ia conseguir”, “que tudo iria dar errado”. Sempre fora boa aluna, mas perante essa situação não conseguia estudar. As suas notas despencaram.
Queria abortar, “mas não tinha solução. Então, tinha de aceitar”.
O acompanhamento psicológico, bem como o apoio da mãe e resto da família, ajudaram-na muito, conta. Começou a superar o choque e a aceitar o bebé “que não tem culpa de nada”.
Poucos sabem o que realmente aconteceu. Pensam que a criança é do namorado, que se manteve ao lado dela.
Hoje, vive feliz com o seu filho. Quando olha para ele, não pensa no agressor. Imagina que é fruto do amor com o namorado, mesmo que na certidão de nascimento da criança não conste o nome do pai.
Mas reconhece: se tivesse tido escolha, na altura, teria feito uma IVG. “É muito difícil ter um filho e ver os sonhos dificultados.”
O seu exemplo mostra sim que é possível amar o filho de um crime, seguir a vida e ser feliz com a criança. Mas a pergunta persiste: não deveria essa ser a escolha de quem carrega o fruto?
NR: É de referir que, de entre todos os entrevistados, a representante do IMLCF foi a única que assumidamente se posicionou – neste caso a favor – de uma alteração da lei. Os restantes, abstiveram-se de tomar uma posição pessoal ou institucional sobre o tema.
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A LEI
A Lei n.º 9/III/86 de 31 de Dezembro, conhecida como Lei do Aborto, despenaliza a Interrupção Voluntária da Gravidez até às 12 semanas, feita com o consentimento da mulher, num hospital e com acompanhamento médico. Fora deste prazo, a interrupção é possível, sem limite gestacional, em casos específicos, como risco grave para a saúde física ou mental da mulher, transmissão de doenças ao feto ou graves defeitos do bebé.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1228 de 11 de Junho de 2025.