José Maria Neves discursava durante o encerramento do seminário “Regulação e Constituição” promovido pela Universidade de Santiago em colaboração com a Universidade de Coimbra.
O Chefe do Estado afirmou que a discussão sobre o papel, a legitimidade e os desafios das entidades reguladoras deve ser contínua e enquadrada na evolução histórica e constitucional do país.
“São questões que eu acho que devemos aprofundar, devemos discutir, para que possamos encontrar as melhores formas de funcionamento das agências de regulação aqui em Cabo Verde, sendo certo que somos um país pequeno, onde essas questões intrincam-se com outras dimensões muito importantes da vida económica e social do país”, defendeu.
José Maria Neves referiu igualmente os recentes golpes de Estado na África Ocidental como aviso para a necessidade de instituições fortes e inclusivas. “Quando não há espaço para a emergência de partidos políticos extremistas, o poder é ocupado pela instituição melhor organizada desses países, as Forças Armadas”, observou.
Sobre as instituições nacionais, referiu que Cabo Verde consolidou órgãos hoje amplamente reconhecidos. Relativamente às agências de regulação, recordou que não havia lei de bases de regulação e que os reguladores passaram a ser ouvidos pelo Parlamento antes da nomeação. Segundo o Chefe de Estado, a relação entre empresas públicas e reguladores marcou o início da regulação moderna no país.
“As empresas eram muito mais fortes do que as agências. Havia permanentes queixas ao Governo”, lembrou.
Interpretação do direito adaptada à realidade cabo-verdiana
O Presidente do Tribunal Constitucional, José Pina Delgado, sublinhou na conferência inaugural a importância de interpretar a legislação e a Constituição de Cabo Verde tendo em conta a história, a cultura e os valores próprios do país, alertando para os riscos de uma aplicação acrítica de jurisprudência e doutrina estrangeira.
“Não somos isolacionistas, mas a interpretação do nosso direito deve respeitar a soberania nacional e a matriz histórica e cultural do país”, afirmou.
Para o magistrado, a utilização de normas ou interpretações estrangeiras deve ocorrer apenas quando compatível com os valores constitucionais cabo-verdianos e explicou que este cuidado é essencial para preservar a eficácia e a legitimidade do constitucionalismo em Cabo Verde.
“O Tribunal Constitucional tem procurado adaptar princípios universais, como a dignidade da pessoa humana, à experiência histórica e social do país, garantindo que a Constituição de 1992 reflicta tanto valores universais como a realidade concreta do povo cabo-verdiano”, acrescentou.
Democracia não pode fornecer munição a quem a quer assassinar
Por sua vez, o ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Gilmar Mendes, que apresentou o painel “O papel das cortes Constitucionais na Crise Global” defendeu que as democracias devem fortalecer-se para enfrentar movimentos que tentam destruir as instituições por dentro.
“A democracia não pode ser, ela não deve fornecer munição para aqueles que desejam assassiná-la. Pelo contrário, ela deve se armar e municiar-se para defender-se dessas indústrias e lutar por sua própria sobrevivência. Pois isso depende da manutenção da liberdade, da dignidade e dos direitos fundamentais de milhões de pessoas”, discursou.
Segundo o magistrado, quase todas as democracias ao redor do globo, mesmo as até então estáveis, experimentam tensões e sobressaltos significativos. Apontou fenómenos como polarização extrema, nacional-populismo, discursos de ódio, ataques às minorias, à imprensa e ao judiciário como sinais de desgaste institucional.
Gilmar Mendes referiu ainda que esta ofensiva contra os pilares da democracia liberal tem permitido a ascensão de líderes populistas com fortes tendências autoritárias.
“Dos casos mais emblemáticos, como os estudiosos sabem, são da Polónia, com o partido Lei e Justiça, Hungria e Turquia. Nessas ameaças, como o roteiro já é conhecido, as supremas cortes são os primeiros e principais alvos”, exemplificou.
Gilmar Mendes recordou que, historicamente, os tribunais constitucionais têm sido atacados por lideranças de feição autoritária por serem as instituições encarregues de conter o autoritarismo e defender a Constituição.
Cabo Verde é uma referência para África e para o mundo
O vice-reitor da Universidade de Coimbra, João Nuno Calvão da Silva, afirmou que Cabo Verde é uma referência para a África lusófona, uma referência para todo o continente africano e uma inspiração para o mundo.
Para o responsável, o arquipélago serve de exemplo de governança democrática, cumprimento do princípio do Estado de Direito Democrático, respeito mútuo e estabilidade institucional, um modelo que, segundo disse, vem servindo de exemplo a todos e tantos países de África e do mundo inteiro.
“Obviamente, Cabo Verde assume um lugar muito especial para nós e, por isso mesmo, esta semana de trabalho serve para reforçar a cooperação que já temos com a Universidade de Santiago, com a Universidade de Cabo Verde e com outras instituições como o Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais”, sublinhou.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1254 de 10 de Dezembro de 2025.
homepage









