Tempo e muito trabalho. Assim se resume o posicionamento da embaixadora da União Europeia sobre uma eventual reciprocidade na isenção de vistos entre Cabo Verde e a Europa (países do espaço Schengen e Reino Unido). Em entrevista a propósito das comemorações do Dia da Europa, Sofia Moreira de Sousa referiu que tal pretensão, recorrentemente manifestada pelos cidadãos cabo-verdianos, é “um objectivo comum” sendo que, a virem a iniciar-se, negociações sobre a matéria é algo ainda distante.
“É preciso uma série de passos antes que possamos falar de negociações propriamente ditas para uma total isenção. Devemos focar-nos mais no caminho que há a percorrer e não só no objetivo final. É importante tê-lo em mira, mas as duas partes têm de trabalhar neste sentido”.
O trabalho, conforme repetiu a diplomata ontem em entrevista ao programa Discurso Directo da RCV, é dos dois lados mas, no caso de Cabo Verde, há “uma serie de condicionantes”, dentre as quais a necessidade do país “avançar na securização documental” e das fronteiras.
“A UE tem estado a trabalhar com Cabo Verde neste sentido. A parceria passa por identificar os desafios e depois trabalhar, em conjunto, para encontrar soluções para estes”, disse, acrescentando que no futuro, ao fim de criadas as condições, seguir-se-á uma discussão sobre estas e posteriormente uma avaliação para então se chegar à decisão que os países terão que tomar.
“A Europa tem isenção de vistos com alguns países sim mas, não se conseguiu em dois dias”, apontou Sofia de Sousa que admitiu alguns pontos que jogam a favor de Cabo Verde, como o facto de ser um país onde os passaportes há muito já não são manuscritos, e emitidos através de um sistema nacional de registos que os torna menos vulneráveis a fraudes.
Sofia Moreira de Sousa já tinha referido antes as vantagens que estão já previstas no que toca à mobilidade enquadrada na parceria especial entre a UE e Cabo Verde, não sem deixar de avisar que “mesmo que cheguemos a um dia em que não haja necessidade de vistos, significa que os cabo-verdianos podem entrar em território Schengen para uma estadia de curta duração, não podem estudar, nem trabalhar, nem obter residência”.
As declarações da embaixadora surgem em resposta à crescente pressão que a sociedade civil cabo-verdiana vem exercendo no sentido de estabelecer-se a isenção de vistos de curta duração para cidadãos cabo-verdianos dentro do espaço Schengen numa lógica de reciprocidade, ou seja, como contrapartida à anunciada medida do governo cabo-verdiano de isentar unilateralmente cidadãos europeus dos países que integram o espaço Schengen (os países da UE mais Islândia, Noruega e Suiça, signatários do Acordo de Schengen, convenção sobre uma política de abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países assinantes) mais o Reino Unido .
Medida divide opinião pública
Foi há sensivelmente um ano que o governo anunciou a medida que, desde o início, dividiu a opinião pública. Isso mesmo deixa perceber o inquérito efectuado pela Afrosondagem em finais de 2017, e divulgado no final do mês de Abril, cujos resultados mostram que 55% dos inquiridos são contra essa medida que o Governo pretende implementar com o propósito de impulsionar o sector do turismo. Aprovam a medida 31% dos inqueridos enquanto que 10% “não declararam uma posição formada por falta de informações precisas sobre o assunto”. As justificações apontadas por aqueles que reprovam a iniciativa do executivo passam pela percepção de que esta irá fazer crescer a taxa de criminalidade (33%), aumentar no país a ameaça de terrorismo (23,5%), aumentar a prostituição e uso de drogas (20%) e também ter um efeito inverso ao pretendido, ou seja implicar a perda de receitas para o Estado (16%). De facto, cálculos feitos, a decisão de isentar de vistos os cidadãos da União Europeia e do Reino Unido vai, à priori, encolher em 2,5 milhões de contos por ano a receita que entra nos cofres do Estado. Sobre este aspecto Fernando Elísio Freire, porta-voz do Conselho de Ministros, já veio esclarecer que tal perda será compensada com o estabelecimento de uma taxa de segurança.
“Nesta questão em concreto, para materializarmos essa isenção de vistos, o governo irá criar uma plataforma tecnológica e nela estará a questão dos vistos e a questão da segurança. Quem é isento de vistos não paga, mas paga uma taxa de segurança e essa taxa de segurança compensará a perda de receitas que eventualmente possa vir da isenção”, esclareceu o ministro de Estado.
Na conferência de imprensa do último Conselho de Ministros o porta-voz do governo anunciou novo adiamento da entrada em vigor da medida. Esta, que em finais de Janeiro tinha sido protelada para o mês de Maio, passa agora para Janeiro de 2019. É que o que ficou pronto (aprovada) agora é a regulamentação do decreto-lei que regula a entrada e permanência de estrangeiros em território nacional - onde está prevista a isenção de vistos para os cidadãos da União Europeia e do Reino Unido. Falta ainda “produzir a resolução que entrará em vigor no dia 1 de Janeiro de 2019”, esclareceu o governante.
O adiamento para essa data resulta de decisão concertada com os operadores turísticos, que prevêem ter nessa altura prontas as adaptações que as suas plataformas necessitam para acolher a iniciativa governamental. Estes operadores, outros sectores que tiverem que se adaptar à questão da isenção de vistos de curta duração e os cidadãos descontentes com esta medida, deverão ter em devida conta o facto do governo já estar a prever e a trabalhar no sentido de também incluir nessa desobrigação especial de vistos cidadãos dos Estados Unidos da América, Canadá e Suiça.
Texto originalmente publicado na edição impressa doExpresso das Ilhasnº 858 de 09 de Maio de 2018.