Em textos separados, publicados no Facebook, os dois deputados reagiram, no final da semana passada, ao comunicado da Comissão Política do PAICV sobre a divisão de votos na bancada do partido aquando da votação da proposta do governo sobre a regionalização.
“Este comunicado, da comissão política, foge em toda a linha ao compromisso com a verdade. Obtuso simplesmente”, começa por dizer Júlio Correia que acusa ainda a Comissão Política do PAICV, através do comunicado, de fazer “um esforço enorme de perseguição aos deputados do PAICV que votaram a favor do diploma, faltando gritantemente com a verdade quando induz ter havido a construção da vontade do Grupo Parlamentar pela abstenção em relação ao sentido do voto”.
Júlio Correia diz ainda que estão a ser usados dois pesos e duas medidas sendo, o comunicado, “intolerante com uns e tolerante com outros”. Tudo porque, acusa o deputado do PAICV, apenas os votos de Filomena Martins e Odailson Bandeira estão a ser condenados pela Comissão Política, o mesmo não acontecendo com o voto de José Maria Gomes da Veiga ou com alguns deputados que abandonaram a sala, recusando-se, assim, a votar a proposta do governo.
“O que leva a Comissão Política a só deplorar os votos em consciência dos deputados Odailson Bandeira e Filomena Vieira? Porque a comissão política não ficou incomodada com os que optaram por não comparecer? O que leva esta instância de representação partidária a silenciar do voto em consciência do deputado José Maria Gomes da Veiga júnior, que aqui referencio com estima e consideração?”, questiona.
“Temos de conversar claramente com os militantes para a saúde democrática do PAICV. É urgente e antes que entremos, por clara irresponsabilidade do dirigismo e do arrivismo, a um ponto de não retorno”, conclui Júlio Correia.
Também Felisberto Vieira se pronunciou sobre a situação vivida actualmente no seio do PAICV.
Recordando a sua “longa experiência
como parlamentar”, Felisberto Vieira garante que ao longo dos anos que tem estado presente no parlamento, “sempre na bancada do PAICV”, como diz, nunca deixou “de votar em consciência” e assegura que os deputados “que votaram a favor, contra ou se abstiveram fizeram-no em consciência. Mesmo aqueles que não quiseram legitimar esse acto eleitoral fizeram-no também em consciência”.
No seu texto, Felisberto Vieira recorda um episódio recente. “Na votação do Regimento (após um aturado trabalho na Comissão de Reforma e no Grupo Parlamentar), um Deputado-membro da Comissão Politica Nacional, votou contra. Houve algum comunicado? Alguma reacção interna e externa da actual liderança?” “Simplesmente silêncio cúmplice”, acusa.
Quanto à votação da proposta do governo sobre a regionalização, Felisberto Vieira diz que “estranhou-se que a Direcção do PAICV não tenha solicitado o agendamento e, por conseguinte, levado a sua proposta para discussão e para o diálogo político, dando espaço de escolha e de opção por modelos e propostos, eventualmente consensualizáveis. Mas porquê ou porque será?”
“Criminalizar a consciência, a expressão e o voto é perverso e antidemocrático. Eu não o subscreverei em nenhuma circunstância. Nem quando, em 1991, um dos nossos deputados, na circunstância, Dr. David H. Almada, deixou a nossa Bancada para estar em coerência e em paz com a sua consciência. Sem consciência, nem liberdade, estaremos a desvirtuar os princípios e os valores do PAICV a que pertenço e fazem parte do meu combate por Cabo Verde”, conclui.
Também outro histórico do PAICV usou as redes sociais para se manifestar contra o posicionamento da Comissão Política.
José Maria Veiga, antigo ministro e actualmente deputado, escreveu que os “membros da Comissão Política continuam, a ferro e fogo, batendo na gente, julgando e criminalizando na praça pública os deputados que manifestaram em consciência a sua liberdade aquando da votação da Lei da Regionalização. Primeiro foi o post incendiário do Rui Semedo (vice-presidente do Partido e líder do Grupo Parlamentar); segundo foi o comunicado “fogo no palheiro”
da própria Comissão Política; terceiro, foi o texto de Walter Évora (membro da Comissão Política) sentenciando a gente como conspiradores; ...... tudo isto, apesar do Fernandinho Teixeira, Presidente da Câmara dos Mosteiros, cuja Assembleia Municipal votara por unanimidade a proposta do Governo, tenha feito um apelo ao bom senso e à serenidade”, afirma Veiga.
“A Democracia e a intolerância desenvolvem-se em sentido oposto. Apercebe-se claramente que a intolerância tomou conta do PAICV. Essa demonstração da intolerância que teve a sua expressão máxima com a realização do Congresso Extraordinário em 2016, que na altura apelidei da “Festa da Discórdia” (por isso mesmo recusei participar), porque tinha como objectivo único expulsar as vozes críticas dos órgãos do Partido, tornou o PAICV numa instituição política monolítica que vai se definhando de forma acelerada se não se mudar de rumo”, acrescenta.
José Maria Veiga, tal como Júlio Correia, acredita que está a ser dado um tratamento diferenciado aos deputados.
“O ridículo de tudo isso é a situação extrema a que se chegou com um tratamento discriminatório dos deputados, como se houvessem deputados de primeira, de segunda ou de terceira. É assim que até para a própria cadeira ou gabinete que o deputado deve ocupar, tudo é superiormente decidido. Os deputados de primeira estão na linha da frente, os de segunda estão no meio e os de terceira vão se aproximando da porta da saída, exceptuando um ou outro elemento encarregue de articular esse controle, esquecendo-se, porém, que, afinal, cada deputado vale um voto, como se veio a provar agora”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 884 de 07 de Novembro de 2018.