Depois de ter sido adiada a sua discussão na semana passada, o Governo deverá fazer chegar ainda este mês ao Parlamento a proposta de lei que cria o Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado, aprovada em Conselho de Ministros a 28 de Fevereiro último e que visa essencialmente estimular o crescimento da economia nacional através do incentivo às empresas no país por meio de um sistema de emissão de títulos a serem subscritos pelos interessados.
“Tradicionalmente, para financiar os projectos mais intensivos em capital, as empresas cabo-verdianas socorrem-se do mercado financeiro externo. Porém, como consequência da última crise financeira, a tolerância ao risco pelos financiadores agravou-se, levando a novas exigências nos contratos de financiamento. A prestação e/ou reforço de garantias passou a ser uma condição essencial”, explica a nota introdutória da proposta de lei que refere como obrigação do Estado encontrar soluções que permitam às empresas cabo-verdianas ter acesso ao financiamento.
É com o propósito de criar uma “solução inovadora” capaz de avalizar esse acesso, através do mecanismo de garantia assegurada por um Fundo Soberano, que surge esta lei.
Na exposição de motivos para a sua criação, o documento refere como fatalidade da economia cabo-verdiana um crescimento anémico do PIB “enquanto não se encontrar uma solução estrutural para garantir às empresas o acesso ao financiamento para os seus esforços de investimento”.
Assim, reconhecendo o papel crucial e de valor singular da iniciativa empresarial endógena, o governo admite também que as “dificuldades actuais de financiamento da economia são essencialmente explicadas por causas de natureza estrutural, próprias do pais, de entre as quais a pequena dimensão da economia cabo-verdiana, tanto em extensão como em profundidade”, listando ainda a limitação da propensão marginal à poupança, a fraqueza do sector financeiro e a sua limitada capacidade para assumir o risco e a insuficiência e falta de diversificação dos produtos financeiros, “que penalizam o investimento ao reduzir o leque de opções dos promotores”.
Como finalidade e objecto da Lei, estão então a garantia de emissão de valores mobiliários, em particular títulos de dívida, por empresas comerciais privadas de direito cabo-verdiano em mercados regulamentados para financiamento dos respectivos investimentos.
O capital social inicial do Fundo está definido em cem milhões de euros “dos quais noventa milhões realizados de imediato pelo Estado por afectação de recursos do International Support For Cabo Verde Trust Fund, criado pela lei nº 69/V/98 (referida no artigo “Dívida pública vai subir, pelo menos a prazo”, da edição de 13 de Março).
Os restantes dez milhões de euros, correspondentes a 10% do capital subscrito e não realizado imeditamante são realizados pela Direção-Geral do Tesouro com o produto da colocação no mercado de valores mobiliários de Títulos-rendimento de Mobilização de Capital (TRMC), “um novo, poderoso e flexível instrumento financeiro” de valor equivalente, e que são títulos nominativos perpétuos cuja titularidade confere o direito à distribuição de dividendos após apuramento dos resultados anuais do Fundo.
O objectivo é que com os resultados da primeira emissão de TRMC o capital do Fundo seja ampliado para montante igual ou superior a duzentos milhões de dólares e que, nos próximos cinco anos, o mesmo atinja um capital social de quinhentos milhões de dólares ou mais.
Os mecanismos de capitalização do Fundo criam a oportunidade para os investidores externos contribuírem para a capitalização do mesmo. Por outro lado, o capital social do Fundo pode ser aumentado, por decreto regulamentar, sob proposta do membro do Governo responsável pela área das Finanças.
Isenção Fiscal
Para além dos TRMC (títulos representativos do direito aos dividendos que distribua) a serem emitidos pelo Estado, o Fundo também emitirá títulos representativos do seu capital social, designados Títulos Representativos do Capital Social (TRCS), de propriedade exclusiva do Estado, inalienáveis, cujo somatório do seu valor “é igual ao valor do capital social subscrito e realizado pelo Estado, através da Direcção geral do Tesouro.
A lei estipula que os rendimentos do TRMC resultantes de dividendos distribuídos pelo Fundo venham a ser isentados de qualquer forma de tributação estadual ou local, designadamente de impostos sobre o rendimento.
Estão igualmente isentas as “mais-valias obstidas na alienação de TRCM, nomeadamente quando essa alienação se efective através do mercado de valores mobiliários”.
A avaliação deste Fundo caberá a agências internacionais de notação financeira – agências de rating como a Moodys, Fitch, Standard and Poors, etc – referindo a lei a obrigação do Conselho de Administração do Fundo de garantir medidas que permitam uma avaliação igual ou superior a “A” (upper médium grade) o que o governo aponta ser uma orientação indirecta e importante às empresas “que ficam, assim, obrigadas a robustecer a sua organização, a apresentarem indicadores de solidez económica-financeira e a prestarem grande cuidado na avaliação dos seus projectos”.
O Fundo Soberano, que se pretende ter operacional em 2020, será gerido por um Conselho de Administração constituído por três membros, escolhidos entre pessoas com formação adequada, idoneidade reconhecida, e notável experiência no sector financeiro, sendo um dos elementos nomeado presidente. Para a constituição do Conselho de Administração será ouvido o Conselho Superior das Câmaras de Comércio.
Será ainda constituído um Conselho Consultivo enquanto órgão auxiliar e de acompanhamento da gestão do Fundo. Os presidentes dos órgãos executivos das Câmaras de Comércio e Turismo serão os membros deste Conselho Consultivo a ser presidido pelo presidente do Conselho Superior das Câmaras de Comércio.
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 903 de 20 de Março de 2019.