“Temos até 2021 para cumprir o mandato e cada ano vai ser melhor do que o anterior” - PM

PorJorge Montezinho,4 ago 2019 9:46

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Esta quarta-feira o estado da nação subiu ao Parlamento. Tempo para balanços, para falar do que foi feito e do que ficou por fazer. Para se avaliar a situação do país nas mais diversas áreas: da economia à sociedade, passando pelo emprego, a educação, os transportes, a segurança. Nesta entrevista, realizada na passada quinta-feira, o Primeiro-Ministro diz ao Expresso das Ilhas como encontrou o país, como está Cabo Verde agora e qual será o futuro do arquipélago. (parte II)

Esta quarta-feira vamos ter o debate sobre o estado da nação. Qual é o retrato que vai levar ao Parlamento?

O estado da nação é que em três anos o país está melhor. A economia cresce muito mais. Há o crescimento do rendimento das famílias. O emprego, apesar dos dois maus anos agrícolas, cresceu. Há mais segurança. Há mais investimentos dirigidos às ilhas. Isto é o resultado não só do que os cabo-verdianos fazem, mas também das políticas do governo que criam o ambiente para que isso possa acontecer. Estes são os factos demonstráveis: crescimento, rendimento, emprego, segurança. Está no ponto de chegada em relação ao que são os nossos compromissos de programa? Não está. Há progressos evidentes e temos até 2021 para cumprir o mandato e cada ano vai ser melhor do que o anterior, que é o que tem acontecido e essa é a percepção também dos cabo-verdianos.

Se formos por sectores. Começando pelos transportes, aéreos e marítimos, acha que a situação melhorou?

Melhorou. A situação melhorou porque, repare, se não tivesse melhorado estaríamos sem companhia aérea. Foi essa a situação que encontrámos. Para além do risco fiscal, era uma companhia sem aviões, sem crédito, sem credibilidade. Conseguimos recuperá-la e fazer o que o governo anterior não conseguiu, ou por falta de coragem, ou por falta de capacidade. Nós reestruturámos, privatizámos a companhia e operacionalizámos o conceito de hub para dar mercado à companhia. Está a operar, tem três Boeing, vai aumentar a frota nos próximos anos e está a criar mercados, o que é importante. Portanto, é uma inversão claramente para melhor. Entre um morto e um vivo, escolhemos o vivo. Nos transportes marítimos a situação é melhor e com tendência a ser ainda mais.

Mas só a partir de 15 de Agosto é que começa a funcionar a nova empresa.

Mas não é só isso. É ver os dados relativamente às ligações, à melhor segurança. Não podemos esquecer que tivemos várias situações de naufrágios. A partir do momento da entrada em vigor da concessão, a situação vai melhorar de uma forma estruturante. Porque tivemos de mudar de modelo e conseguir uma contratualização entre operador e o Estado, o que garante previsibilidade, regularidade, segurança, qualidade e maior rapidez nas ligações entre as ilhas. É um processo. Vai obrigar a investimentos, durante dois anos vai haver renovação da frota. E vai exigir o cumprimento das rotas. Isto dentro de um quadro que permitiu aos operadores nacionais formarem uma empresa em conjunto com um parceiro estratégico.

De qualquer maneira, principalmente nos transportes aéreos, há a questão dos preços, continua a ser caro voar entre as ilhas. O que pensa o governo fazer em relação a isso?

Sempre foi caro viajar entre as ilhas. Primeiro, o mercado é restrito e a aviação é um sector caro.

Mas é a mobilidade é fundamental.

Vou chegar lá. Segundo, estamos a trabalhar algumas situações que vão ser contempladas agora com a criação de um novo modelo de sistema tarifário que vai contemplar várias possibilidades que poderão originar redução de preços – uns sazonais outros segmentados – e também criar as condições para resolver o problema que temos, principalmente em São Nicolau, que é o das conexões. Hoje, quando sai de São Nicolau para São Vicente, paga o bilhete para o Sal e depois o bilhete para São Vicente. Estamos a trabalhar para que o preço seja igual como se fosse ponto a ponto.

E como esperam trabalhar essa situação?

O governo ou subsidia, para garantir que não há acréscimos de custos para o utente, ou o próprio sistema tarifário vai cobrir isso. Está em curso e serão mudanças estruturantes. E aqui há que equilibrar duas coisas: primeiro, as pessoas têm necessidade de viajar e em ilhas é fundamental, isso não se discute; segundo, não se pode matar a companhia aérea, seja pública ou privada.

Mas uma companhia aérea também não pode fazer de um governo refém por ter o monopólio.

Não é isso. Com a TACV os preços eram mais baixos? Não eram. O problema é a gestão de instrumentos de regulação. Os limites são os preços que devem ser garantidos, com um bom modelo tarifário – e é por isso que estamos a mudar o modelo tarifário, o que havia antes foi o que provocou algumas disparidades de preços – a empresa operadora e o governo que intervém através de políticas de transportes, são três níveis.

Mas, acha justo que um bilhete Praia – São Vicente custe, praticamente, duas vezes o ordenado mínimo de Cabo Verde?

Essas contas não se fazem só assim, é preciso saber também qual é o custo da operação. Se for insuportável para os cabo-verdianos, os governos têm instrumentos de intervenção. Não vamos é dizer à companhia que tem de suportar os custos das ligações. As políticas de transportes existem para provocar esses efeitos para garantir mobilidade e conectividade a preços razoáveis. Fazemos claramente essa distinção. E não é pelo facto de estar a Binter que actuamos assim, se fosse a TACV seria o mesmo. O facto de ser público não autoriza o governo a agir e a matar a empresa, porque mais tarde paga-se. E Cabo Verde pagou. A situação a que a TACV chegou é exactamente derivada desta promiscuidade entre uma empresa pública e o próprio governo, em que havia quase que uma extensão da administração pública com aviões. Isto não funciona. Aliás, é ver o que aconteceu nos países africanos, onde quase todas as companhias aéreas faliram precisamente por causa disso. Pela falta de clareza das relações entre os Estados e as empresas. E quando estas são públicas, normalmente transformam-se em mais um departamento da administração pública. Depois, alguém acaba por pagar a factura mais à frente.

Não quero só focar-me nos transportes, mas há mais uma questão: porque optaram por não mostrar os contratos estabelecidos com as companhias aéreas?

Repare, não se faz a gestão do Estado na praça pública. As relações entre governo e os investidores têm informações que não são divulgáveis. O que se divulga são elementos que responsabilizam as partes em termos da posição pública. É evidente que o contracto está disponível, mas quando há um memorando de entendimento, quando há propostas remetidas para o governo ou a instituição pública que faz a gestão do sector, não é crível que seja colocado na comunicação social. Tem de haver um elemento de confiança. A partir do momento em que passamos a permitir que haja também promiscuidade de intervenções por gente interessada em criar problemas, a relação de confiança entre o Estado de Cabo Verde e os que querem investir no país cai. Não há nada a esconder. Aquilo que a lei exige que seja disponibilizado as pessoas podem pedir e consultar.

Vamos ao turismo. Continua a ser o sector económico com mais impacto no PIB, mas apesar do crescimento, continuam a ser poucas as ligações com a economia local. O que se pode fazer para alterar este cenário?

Já há alterações. Ainda não com a intensidade que desejamos, mas já há iniciativas privadas nacionais, no sector da restauração, do turismo rural, portanto, há coisas a acontecer. Temos também um programa para induzir ainda mais. Mesmo a oferta de produtos agroalimentares para os hotéis está a aumentar, hoje as duas empresas de ovos de São Vicente conseguem colocar o produto nos hotéis porque introduziram o sistema de certificação e estamos a trabalhar para que haja um maior incremento dessa oferta.

Como?

Através de sistemas de logística e distribuição, por exemplo, porque não é só produzir é também fazer chegar, e transportes. Isso está a ser trabalhado ao nível do Ministério da Agricultura e brevemente teremos soluções bem estruturadas. Até há pouco tempo, funcionava-se muito no sistema das infra-estruturas, achava-se que bastava fazer um centro de transformação ou de expurgo e achava-se que tudo ficava resolvido. O essencial não existia: serviços, logística, organização da produção, certificação, transportes. Tem de ser um circuito completo, ou fica-se com edifícios fechados e sem utilidade prática. É nessa parte que estamos a dar especial atenção para podermos criar melhores ligações da oferta nacional ao mercado turístico. Isso vai acontecer e vai incrementar essa ligação.

Falou em Ministério da Agricultura, aproveito para lhe falar da seca. É um fenómeno recorrente e o país tem de aprender a viver com ele. O que estão a fazer para que a falta de chuva não cause o impacto, atrevo-me a dizer dramático, que se repete ano após ano junto dos agricultores e dos criadores de gado?

Estamos a fazer isso, reduzir a dependência do país relativamente à irregularidade das chuvas. Há várias intervenções hoje no terreno de mobilização de água, desde os furos, o uso dos painéis solares, a massificação do uso da rega gota a gota. Desde que o país é independente que se pensou em introduzir esta técnica de rega e hoje só temos 37 por cento, que é muito pouco, queremos chegar a mais de 60 por cento e isso só se consegue com investimento, com trabalho junto dos agricultores. Depois, a dessalinização da água salobra para que possa ser utilizada na agricultura, temos um programa, com financiamento garantido, que vai começar, para podermos criar todas as condições para reduzir a dependência da chuva. Se chover, melhor ainda, se não chover, temos de ter condições para enfrentar o problema. O caminho é esse, água e energias renováveis para baixar o custo da produção.

Na educação, quais considera as principais mudanças? Quando sabemos que os resultados só serão visíveis a médio prazo.

Por isso é que começamos na EBI [escola básica integrada, ou ensino primário], com reforma curricular, da metodologia de ensino, e com foco em áreas como a matemática, as línguas, e vê-se que as crianças hoje estão mais desenvoltas na língua em poucos anos. Este processo vai ser acelerado. Porque depois a evolução é em cadeia, secundário, ensino superior, e teremos um perfil diferente de jovens a sair do sistema de ensino.

Voltamos ao estado da nação. Quais considera serem o ponto alto e o ponto baixo deste último ano?

O ponto mais alto diria que é termos feito o país crescer, partindo praticamente do zero. Do nível que estávamos a gerar pobreza, crescemos cinco vezes mais. Isto não é obra do acaso, é obra da confiança e das políticas do governo. O ponto mais baixo, não iria classificar, as pessoas podem fazer a sua avaliação. Temos problemas para resolver, derivados de acumulações de vários anos, e estamos a encará-los de frente para encontrar soluções.

Que problemas considera principais?

Queremos desenvolver a economia, mas também temos a questão do desenvolvimento social. Estou a falar de inclusão, da educação, da saúde, que é o sector que queremos que seja a próxima grande ambição, para que o nível de prestação de saúde melhore substancialmente. Os indicadores têm estado a melhorar, mas precisamos de dar saltos. Por causa disso, estamos a apostar na criação do novo hospital de referência da Praia, para servir o resto do país, com todas as valências em termos de especialidades e, ao mesmo tempo, termos um sistema que permita a mobilidade através de helicópteros-ambulância, não helicópteros ambulantes, como se tem ouvido (sorriso) e escrito, para tornar a evacuação rápida a partir de qualquer ponto de Cabo Verde, esse é o grande projecto, para além do equipamento de todos os centros de saúde e dos hospitais regionais com meios auxiliares de diagnóstico e equipamentos básicos de prestação de serviço para também reduzir a necessidade de deslocações por mera necessidade de fazer uma análise, ou tirar um raio-X.

Considera que se governou mais do que se fez política neste último ano?

As duas coisas. Muitas vezes o entendimento da política depende conceção que as pessoas têm, que é estar em constante guerrilha partidária em vez de estar focado nas questões de governação. Nós estamos focados nas questões de governação e nunca antecipando as eleições. As eleições têm o seu tempo e os cabo-verdianos não vivem em função das eleições. As pessoas têm as suas vidas e não podem ficar condicionados a agendas eleitorais. Cabo Verde tem de virar um país normal nessas coisas, não meter vida política/partidária em tudo o que é vida social, económica, cultural e familiar das pessoas. Quando chegar o momento as pessoas votam. Quando querem intervir, intervêm. E este é um caminho ainda a ser feito, porque partimos de um país onde havia ainda muita economia estatizada, partido único, todo este resquício ainda existe e tem de se desenvolver para que haja maior tranquilidade, sem prejuízo das oposições, claro.

O que espera do debate? Troca de ideias ou um debate parecido com todos os que têm acontecido?

Bem, nós vamos falar para os cabo-verdianos e para o país, apresentar os resultados, os desafios e os próximos passos. A oposição fará o seu trabalho.

Acredita que algum dia será possível ultrapassar a crispação no diálogo interpartidário?

A crispação política entre os partidos existe e não vai desaparecer. Agora, que o diálogo pode ser melhorado? Pode, mas são coisas que não dependem apenas da nossa vontade. Cada um sabe com as linhas com que se cose.

O Parlamento tem a função de fiscalizar o governo, mas não acha que o Parlamento cabo-verdiano é demasiado governamentalizado, independente do partido que dirige o executivo? Ou seja, um Parlamento que serve mais de claque de governo do que de fiscalizador puro e duro?

Acho que não. Depois da revisão do regimento, o nível de fiscalização aumentou significativamente em termos de instrumentos. O governo está praticamente no Parlamento: debate mensal com o Primeiro-Ministro, debates com ministros, interpelações, declarações políticas, comissões parlamentares de inquérito.

Não ponho isso em causa, mas algum dia um deputado do MpD criticaria um governo do MpD?

Até podia fazê-lo, mas os deputados dos partidos que suportam o governo, suportam o governo. Isso não acontece só em Cabo Verde, acontece noutros países. O sistema funciona assim.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 922 de 31 de Julho de 2019. 

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Autoria:Jorge Montezinho,4 ago 2019 9:46

Editado pormaria Fortes  em  27 abr 2020 23:21

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