“Caso formos eleitos, não vamos trabalhar para o PTS, vamos trabalhar para servir a população”

PorSheilla Ribeiro,16 abr 2021 6:57

Fundado nos finais dos anos 90, por Onésimo da Silveira, esta é a quarta vez que o PTS concorre às legislativas, tendo como cabeça de lista Cláudio Sousa. O presidente interino do partido apresenta-se como agricultor e historiador. Aos 29 anos, diz ainda ser um jovem militante de causa, que, há cerca de oito anos, tem estado a fazer trabalhos de activismo social e político. Nasceu, cresceu e vive no Tarrafal, o concelho mais a Norte da ilha de Santiago e diz querer mudar Cabo Verde “para melhor”.

Depois de cinco anos da governação do MpD, que balanço é que faz da situação actual do país?

Apesar de esse governo usar como pretexto três anos de seca, mais a pandemia que surgiu em 2020, nós consideramos que a sua prestação foi negativa. Negativa porque o executivo já sabia da actual situação em que o país se encontra mesmo antes de formar o actual governo. Ou seja, antes de 2016 já sabia qual era a real situação e ainda assim fizeram muitas promessas com pouco fundamento. Não conseguimos dar um passo positivo em nenhuma esfera social nos últimos cinco anos. Pelo contrário, o que verificamos é que a classe que sempre tirou bom proveito de tudo continuou a tirar bom proveito, enquanto o povo ficou mais pobre. Não notamos nenhum avanço para vangloriar o actual governo, foram cinco anos de fracasso para Cabo Verde.

Disse que nós últimos cinco anos não houve avanços positivos em nenhuma esfera social, poderia especificar os problemas que o país enfrenta e quais seriam as soluções?

Cabo Verde hoje tem sérios problemas de saúde e para resolver esses problemas é preciso saber o que é que se passa. Primeiro teríamos de nacionalizar o nosso sistema de saúde porque não podemos deixá-lo nas mãos dos privados. Também temos de nacionalizar a indústria farmacêutica para que os preços dos medicamentos possam diminuir. Com isto quero dizer que tanto a distribuição como a produção dos medicamentos passam pelas mãos do estado cabo-verdiano e só assim poderemos sentir que é algo que nos pertence. São precisos mais hospitais e mais profissionais da saúde. Temos regiões que estão abandonadas no que tange à saúde, como Santo Antão, Boa Vista e outras ilhas. A saúde também passa por uma alimentação saudável e equilibrada. Para termos uma saúde equilibrada é preciso fortificar o nosso sistema de produção para termos boa comida e retribuir aos cabo-verdianos, não só auto-suficiência alimentar, mas também segurança alimentar contribuindo de forma positiva para a melhoria da saúde do nosso povo. No que tange aos transportes, principalmente os transportes aéreos, posso apontar um fracasso total para o povo cabo-verdiano. Há muitos negócios obscuros que o Estado de Cabo Verde fez, dos quais o povo saiu prejudicado. A nível social, não vimos um investimento sequer, a não ser as políticas de assistencialismo com o intuito de conseguir votos. O governo mostra preocupar-se com as pessoas, mas no fundo o que fez foi aproveitar-se da miséria das pessoas. Porque o objectivo não foi libertar o povo da pobreza, foi manter o povo na pobreza para continuar a arrastar as nossas costas no chão. A educação pública não tem qualidade, o governo isentou o pagamento de propinas, mas, mais do que isentar o pagamento de propinas nas escolas, é preciso melhorar o nível da educação. E continuamos com um nível fraco. Eu acredito que o meu povo prefere pagar por uma educação de qualidade, do que ter uma educação sem qualidade e de graça. Hoje, o que temos é um país com dois tipos de cabo-verdianos. O cabo-verdiano que come e o que não come, um cabo-verdiano que tem privilégios e outro que não tem. E por isso levantamos para corrigir esse erro que persiste na nossa sociedade.

E que propostas o PTS tem para o país para os próximos cincos anos?

Nesse ponto, o PTS diferencia-se dos outros partidos porque as propostas são erros que persistem. Somos candidatos a deputado nacional. Estamos a ver candidatos a deputado nacional com promessas de governo. Nós apresentamos as nossas propostas enquanto deputados porque vamos defender tudo aquilo que toca à vida da população, para melhorar a sua vida tanto no que tange aos transportes, saúde, educação, sector social, cultura, economia, sector primário... Vamos apostar naquilo que dá resultados para a população, não vamos fazer promessas como criar 45 mil postos de trabalho assim como o MpD, ou que vamos criar 75 mil postos tal como o PAICV disse. Não vamos fazer promessas sem fundamentos, somos uma força activa que faz parte do povo. Sabemos o que é que o povo precisa e não é necessário fazer promessas. Estamos cansados de promessas, porque de tanto nos fazerem promessas, cansamos e hoje estamos lutando, por isso não vamos fazer promessas e cair na contradição. Não há educação para o povo, não existe uma alimentação equilibrada, não há saúde, não existe segurança, o povo de Cabo Verde não tem nada. Por isso, o PTS decidiu levantar-se e lutar ao lado do povo e defender os nossos interesses.

Mas, as promessas são diferentes de propostas. O PTS não tem projectos nas diferentes áreas sociais?

Sim, nós defendemos uma educação igualitária para todos. Em Cabo Verde há dois tipos de educação. Há a educação para a classe privilegiada, como as escolas particulares para os filhos de quem pode, e há a escola pública, sem qualidade que é o que nós frequentamos. Queremos uma escola que favoreça a aprendizagem das nossas crianças porque elas estão sendo ensinadas a decorar a matéria sem desenvolver a sua capacidade intelectual. Queremos uma escola que incentive a criatividade ao invés de a matar, porque as escolas actuais assemelham-se à colonização. Não ensinam aos nossos filhos praticamente nada. Relativamente à saúde, queremos que sejam construídos mais hospitais, mas também que haja mais segurança e auto-suficiência alimentar, mais médicos. Vamos aos hospitais e não temos um bom atendimento, enquanto nas clínicas privadas encontramos os mesmos médicos que nos tratam bem, só que pagamos mais. O nosso sistema de saúde foi privatizado e tornou-se num negócio vergonhoso nas costas do povo, por isso sempre vemos pessoas que morrem nas filas dos hospitais por doenças que poderiam ser evitadas, já que o Estado em si não está a cumprir a sua tarefa. Quanto aos transportes, tanto aéreos como marítimos, somos um país arquipelágico e sem esses transportes é muito complicado a ligação tanto interna como para fora, queremos uma ligação marítima e aérea frequente para a África Ocidental. Sem transporte a economia não funciona, o nosso turismo não funciona, não podemos exportar os nossos produtos agrícolas para outras ilhas onde a produção é menor. Nós já sabemos o que a população precisa, defendemos a nacionalização de todos os sectores estratégicos da nossa economia, tanto a alfândega, portos, aeroportos e as empresas públicas que o nosso Estado tem entregue a estrangeiros para governar. Entendemos que nós é que fazemos o nosso desenvolvimento, chega de entregar o desenvolvimento do país aos estrangeiros que não têm nenhum compromisso com o povo.

Enquanto jovem e agricultor qual é a sua visão para o sector primário?

O país tem muitos jovens provenientes da comunidade agrícola, vamos defender mais acesso à terra por parte dos agricultores, assim como a mobilização de água, ou seja, tentar mobilizar a água num custo reduzido porque os nossos agricultores querem produzir. Mas, pagam muito pela água e têm de vender os produtos num custo baixo, logo, não há rendimento. Nós, para fortificarmos o nosso sector primário é preciso mobilizar água, ter terrenos e criar mercado para a nossa agricultura. O mercado ideal para a nossa agricultura é o mercado turístico, mas o turismo tudo incluído que temos no país faz com que os turistas não consumam os produtos internos. Chegam praticamente com tudo de fora e o que vemos é a economia estrangeira em Cabo Verde. A nossa terra não ganha. Vamos criar um mercado para o nosso sector primário, tanto para a agricultura, como pecuária e pesca. Temos um governo que assinou acordos com países estrangeiros permitindo que os seus barcos pesquem nas nossas águas e pagam cercas de dez escudos por cada quilo de peixe capturado nas nossas águas. Todos nós sabemos que um cabo-verdiano não compra um quilo de peixe por dez escudos. Estamos a facilitar a vida dos estrangeiros em Cabo Verde, enquanto complicamos a nossa vida. Na pecuária, defendemos a formação dos nossos criadores porque alguns fazem a criação à moda antiga, o que acarreta na qualidade do nosso produto de origem.

Falou aqui que o turismo tudo incluído não favorece em nada o país, qual é a visão do partido para esse sector?

O turismo é um ramo promissor para a nossa economia. Entretanto, o turismo tudo incluído que é praticado no Sal e na Boa Vista não tem beneficiado a nossa economia porque é uma forma de exportar o capital de Cabo Verde. Por exemplo, Boa Vista é uma ilha turística com muitos hotéis grandes, que recebem muitos turistas. Queremos ter um turismo inclusivo, um turismo em que as nossas ilhas saem a ganhar, que faz com que o dinheiro do turismo fique na Boa Vista, no Sal, São Vicente. Dentro desse modelo, a ilha que contribui mais para Cabo Verde com o Turismo é a ilha de Santiago porque a maioria dos empreendimentos na ilha de Santiago pertencem às pessoas locais. Para tal, precisamos desenvolver o sector primário, depois o secundário. Quando produzirmos comida vamos desenvolver outro sector que é o sector da transformação. Depois, com emprego vamos desenvolver o sector terciário que é da comercialização, gerando assim ainda mais emprego. Ainda podemos falar na segurança tanto a interna como a defesa nacional. Almejamos ter uma Polícia amiga da população e mudar a actual filosofia da Polícia, dar uma formação de qualidade para não ter uma Polícia preparada para a violência, mas sim que promove a paz, que pacifica a comunidade. Em termos de defesa nacional queremos mais valorização das Forças Armadas e o fim de acordos militares do nosso país com países estrangeiros para não sermos explorados. O nosso primeiro hino nacional diz “Avante contra os estrangeiros”, mas hoje temos um governo que anda de mãos dadas com os interesses estrangeiros, e não podemos aceitar isso enquanto jovens que vêm um futuro promissor para esta terra.

Quantos deputados o PTS quer eleger?

O nosso desejo e todo o trabalho que temos feito é eleger o máximo de deputados que pudermos e quanto as pessoas acharem que podemos ter. Não vou dizer se queremos eleger um, dois ou três porque vai depender da consciência do povo. O nosso objectivo é ter uma representação na Assembleia de modo a defendermos o real interesse da nossa comunidade.

Porquê as pessoas devem votar no PTS?

Devem votar no PTS porque é um projecto jovem. Apesar de ser um partido fundado em 2000, hoje, o novo corpo directivo do PTS é formado por jovens que tinham feito a sua luta enquanto grupos de cidadãos nas últimas eleições autárquicas, jovens que já deram o seu contributo para a comunidade, jovens sem nenhum interesse partidário. Apenas entramos no PTS para podermos ter um instrumento legal para nos candidatarmos a deputado nacional. Caso formos eleitos, não vamos trabalhar para o PTS, vamos trabalhar para servir a população. Tanto é que o nosso lema é “Di povo, pa sirbi povo”. Temos visto MpD do povo para servir o povo? PAICV do povo para servir o povo? São de alguns, para servir a alguns. Agora trouxeram o lema “Cabo Verde para todos” mas, atrasaram-se. O projecto Cabo Verde para todos tinha de ser criado em 1975.

Por falar nas autárquicas, os resultados dos independentes que saíram daquelas eleições vão servir como um balanço nas legislativas?

Não posso confirmar isso já que cada eleitor pensa de forma diferente e cada processo eleitoral é um processo. Mas, temos uma certeza, as eleições autárquicas deu-nos uma base para lutar. Por causa das eleições autárquicas as pessoas confiam e acreditam em nós e são capaz de nos darem um certo número de deputados na Assembleia Nacional.

O PTS estaria disponível para uma coligação depois das eleições?

Estamos disponíveis a tudo para o desenvolvimento do nosso país. Uma coligação ou não só seria possível se a mesma for para o interesse da população, para o interesse do povo. Não vamos ficar presos ao nosso orgulho se for para o bem do povo.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1011 de 14 de Abril de 2021. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,16 abr 2021 6:57

Editado porSheilla Ribeiro  em  21 jan 2022 23:20

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