A noite foi curta. A partir do momento em que, às 19h de domingo, os resultados provisórios das eleições presidenciais começaram a ser divulgados pelo NOSi, já o cenário final se adivinhava. José Maria Neves esteve sempre à frente na contagem de votos, com uma votação que lhe permitiria ser eleito à primeira volta.
Assim foi. Por volta das 22h da noite, logo após os adversários reconhecerem a derrota e o felicitarem, o Presidente eleito falou à Nação, no seu discurso da vitória.
Um discurso que tem três pontos principais. O primeiro, pelo qual começa, é a maneira com recebe esta vitória. Com muita “humildade” e “responsabilidade”. Desta forma, o novo Presidente destaca o seu lugar de servidor do povo, numa altura de enormes desafios económicos e sociais para Cabo Verde.
Outro eixo importante é a união e diálogo. Como disse, José Maria Neves será o presidente de todos, promovendo o diálogo com demais poderes e sociedade civil, cuidando e protegendo todo o povo. O vencedor frisou ainda que quer contar com todos os candidatos derrotados, com destaque para o principal opositor, Carlos Veiga, para trabalharem conjuntamente pelo bem de Cabo Verde. É tempo agora de sarar, inclusive, eventuais feridas abertas durante o embate eleitoral.
Mas há também o alerta à navegação executiva. O Presidente eleito quer ser “árbitro imparcial”, “apaziguador de conflitos” e, embora prometa colaborar com o governo, será um “fiscalizador da acção governamental”.
A derrota
Uma coisa que muito orgulha os cabo-verdianos, como se vê nos comentários da sociedade civil, nomeadamente nas redes sociais, é a forma digna como a derrota, evento natural em democracia, é assumida pelos vencidos. Orgulha também a compreensão de que cada eleição elege um “poder” diferente. Se nos “inícios” da democracia era visível o contágio entre legislativas e presidenciais, com os presidentes eleitos da “cor” do partido da situação, isso alterou-se em 2011, e consolidou-se em 2021.
De uma maioria absoluta dada pelo povo cabo-verdiano ao MpD há seis meses, passou-se a uma maioria absoluta para o candidato apoiado pelo PAICV, José Maria Neves que, acrescente-se, nunca perdeu um embate eleitoral por sufrágio universal (foi eleito nas urnas como chefe de governo em 2001, 2006 e 2011 e agora como PR, em 2021).
Entretanto, como referido, a dignidade e respeito pelo jogo democrático viu-se também na derrota. Os restantes seis candidatos assumiram prontamente os resultados, e ciclo eleitoral fechou com elevação.
“O povo falou e a democracia triunfou”, resumiu o principal oponente, Carlos Veiga.
Veiga, que fez o seu discurso à Nação após ter felicitado via telefónica o seu rival, acrescentou que é um “orgulho” ser parte do funcionamento desta democracia sólida, resistente, consistente”, que, aliás, ajudou a criar.
Olhando para o pós-eleições, o candidato apoiado pelo MpD e UCID, apelou mais uma vez à união de todos, “quer das gerações que fizeram independência, quer das gerações que conquistaram a democracia e instituíram as liberdades constitucionais” sob o signo de um pacto nacional em nome de Cabo Verde.
À primeira
Com tantos candidatos na corrida, um recorde de participação de sete aspirantes a Presidente da República, era expectável que nenhum candidato conseguisse uma maioria absoluta à primeira volta. Contudo, tal não aconteceu. A disputa foi realizada, na verdade, entre apenas dois candidatos, sendo que nenhum dos outros cinco não chegou sequer a 2% dos votos. Ou seja, a grande quantidade de candidatos não pulverizou os votos, mostrando que o número elevado de opções, não correspondeu a um número alto de alternativas consideradas válidas pelos cabo-verdianos.
Entre os dois principais candidatos, que juntos recolheram mais de 94% dos votos, a vitória de José Maria foi também expressiva e inequívoca. Com uma diferença de mais de 17 mil votos, o vencedor conquistou 51,7% dos votos contra os 42,4% de Carlos Veiga.
Isto, a nível global, incluindo, portanto, a diáspora, onde a vitória de Neves foi ainda mais vincada (57,8%). A nível nacional, o candidato vencedor teve 51,2% dos votos, contra Carlos Veiga.
Outras vitórias e derrotas
Como as diferenças de votos o mostram, houve, pois, dois “níveis” (ou ligas) distintos nesta disputa eleitoral. Um, o dos candidatos José Maria Neves e Carlos Veiga, outro, o dos restantes cinco proponentes.
Analisando este último nível, há também vencedores e derrotados. Algumas sondagens que circularam nas redes sociais e outros círculos, apontavam Hélio Sanches como o terceiro candidato mais votado (1,2%), até porque era o único dos cinco que tinha um percurso político relevante. Contudo, o deputado do MpD não foi além da quinta posição, ficando aquém até do “desconhecido” Fernando Rocha Delgado (1,4%).
Hélio Sanches admitiu que os resultados não corresponderam às suas expectativas, mas considerou que o maior adversário foi a abstenção. O deputado do MpD vai continuar a vida política e o exercício da sua actividade profissional como advogado. Sanches avançou também que deseja transformar o movimento de apoio à sua candidatura em uma fundação.
Por seu lado, Fernando Rocha Delgado diz sentir-se vitorioso com o resultado alcançado e não descarta uma eventual candidatura, mas só daqui a 10 anos. É que, como refere e mostra o historial presidencial, o Presidente da República em funções costuma ser sempre reeleito para um segundo mandato.
Casimiro de Pina (1,8%), por seu turno, conquistou a terceira posição, após uma campanha “sem recursos”. As análises que têm sido feitas pelos comentadores nacionais colocam-no entre os vencedores. Desde a submissão da sua candidatura ao Tribunal Constitucional, Pina, que obteve mais de 3000 votos nas urnas, triplicou assim a sua base de apoio. O próprio candidato considera que teve “excelentes resultados” e saiu das eleições com “capital político reforçado”. Assim, abre-se-lhe “um novo futuro pela frente”.
O “poder absoluto” de Gilson Alves não teve aprovação do “povo”, mas convenceu mais de mil eleitores pelo que, para o candidato, foi lançada a base e “há gente que vai compreender ainda melhor essa mensagem”. O candidato teve 0,8% dos votos.
Concorrente pela terceira vez, Joaquim Monteiro volta a ser o menos votado (0,7%) e com o seu pior resultado pessoal de sempre. Em 2011 tinha tido 1,8% dos votos e em 2016, 3,4%. Em declarações à imprensa, o candidato veterano considera que o resultado foi o “esperado” e culpa os partidos políticos por “bloquearem” todo o processo eleitoral. Monteiro quer, agora, criar uma terceira força política em Cabo Verde.
Ganhou a abstenção
Mais de metade dos cabo-verdianos não foi votar (52%). Na verdade, a abstenção nas presidenciais costuma ser sempre elevada, uma tendência que não se tem conseguido combater eficazmente. Mas é de destacar que, apesar dessa elevada taxa nestas eleições, ela é menor do que nas eleições presidenciais de 2016 (64,3%) ou nas de 2011 (54,3% na segunda volta de 2011 e 53,7% na primeira volta).
Entretanto, houve mais de 1600 votos nulos (0,9%) e cerca de 4265 pessoas decidiram votar em branco (2,2%). Quer isto dizer que o voto em branco, que é por norma é sinal de protesto, mostrando que nenhuma das candidaturas convence o eleitor, foi na verdade a “terceira força” mais votada.
Somando nulos e em brancos, 3,1% dos votos expressos não foram, pois, para nenhuma das sete candidaturas. É o valor mais alto de sempre. Mais do quádruplo, por exemplo, das eleições de 2016, ou da segunda volta de 2011 (em ambas tinha sido de 0,7%). Até agora, o valor mais alto de “nulos e em branco” registado, 2,1%, acontecera em 1996, quando o Presidente Mascarenhas Monteiro concorreu sozinho à sua sucessão.
Ilha a Ilha
Com 51,7% dos votos, José Maria Neves venceu a nível nacional e na diáspora, tendo o resultado na diáspora, como referido, sido mais expressivo.
Porém, o candidato vencedor, não obteve maioria absoluta em todas as ilhas onde venceu. Em Santo Antão conquistou 48,4% dos votos (contra 44,1% de Veiga) e em São Vicente 46,1% (contra 39,4% de Veiga).
Aliás, é em São Vicente que encontramos maior dispersão de votos. Fernando Rocha Delgado conquista aí 5,2% (a maior percentagem, por círculo eleitoral, dada um terceiro lugar) e Casimiro de Pina 3,9%. Também Gilson Alves (2,5%) e Joaquim Monteiro (1,8%) têm aí o melhor resultado por ilha. Hélio Sanches (1%) fica em último lugar em São Vicente.
Carlos Veiga, por seu turno, venceu em quatro ilhas, duas das quais com maioria absoluta: Brava (53,8%), Maio (57,1%), Sal (47,7%) e São Nicolau (49,9%).
Como referido, José Maria Neves venceu em todos os outros círculos, sendo que, a nível nacional, o seu melhor resultado é conseguido na Boa Vista (56,5). Este resulto é superado, a nível global, nas Américas (61,1%) e em África (62,2%).
O pior resultado nestas eleições – 0% - é o de Gilson Alves no Maio, ilha onde teve apenas 1 votante. O candidato teve também apenas 2 votos na Brava (0,1%) e é igualmente o menos votado em São Nicolau.
Casimiro de Pina, que nestas eleições conquistou o terceiro lugar (1,8 %), é o menos votado em Santo Antão (1,1%). Já Fernando Rocha Delgado, quarto a nível global passa na ilha das Montanhas, e à semelhança de São Vicente (5,2%) e Boa Vista (1,9%), para terceiro com 2,7% dos votos. Em Sotavento, em concreto em Santiago Norte (0,3%) e Fogo (0,2%), fica em último.
Hélio Sanches consegue o seu melhor resultado em Santiago Norte (1,4%) e Maio (1,2%), onde fica em terceiro lugar. O deputado consegue também o terceiro lugar em África (0,8%). Joaquim Monteiro, que ficou em último a nível geral, sobe ao pódio dos três mais votados, na Brava (0,6%)
Quanto à taxa de abstenção, a diáspora continua a apresentar nível alarmantes: 73,1%. No círculo da Europa e resto do Mundo, o pior caso, chega aos 79,2%.
A nível nacional, Santo Antão é a ilha onde os eleitores mais participaram nas eleições (a abstenção é de 37,1%). Sal (53,1%) e São Vicente (53%) são as ilhas com mais abstenção. No que diz respeito aos votos em branco, São Vicente merece também destaque com uma percentagem de 4,5%, mas aquém de São Nicolau (4,7%) e Sal (5,2%).
Sucessão
José Maria Neves, quinto presidente do Cabo Verde independente e quarto eleito pelo povo, sucede assim a Jorge Carlos Fonseca. O Presidente, ainda em funções, sai do Palácio do Plateau após dez anos no comando, e com uma avaliação positiva por parte dos cabo-verdianos (como verificado sondagem realizada pela Pitagórica e divulgada em Junho).
Os preparativos para a tomada de posse do novo Chefe de Estado já decorrem, como anunciou por seu lado o Presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, mas até ao fecho desta edição ainda não havia uma data definitiva para a cerimónia. De qualquer forma, será necessário esperar pela publicação dos resultados oficiais por parte Comissão Nacional de Eleições. Só depois, então, Jorge Carlos Fonseca passará o testemunho ao seu sucessor, o novo presidente eleito: José Maria Neves.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1038 de 20 de Outubro de 2021.