“Não vamos perder estas directas. Se num cenário muito teórico isso acontecesse, não haveria condições políticas para continuar” - Ulisses Correia e Silva, candidato a presidente do MpD

PorAntónio Monteiro,18 mar 2023 7:08

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Ulisses Correia e Silva, candidato a presidente do MpD
Ulisses Correia e Silva, candidato a presidente do MpD

Depois de Orlando Dias, foi a vez de Ulisses Correia e Silva formalizar, esta sexta-feira, a sua candidatura a presidente do MpD. Em entrevista ao Expresso das Ilhas, Ulisses Correia e Silva, que concorre para um quarto mandato, mostra-se tranquilo por ter que enfrentar, pela primeira vez no seu percurso, uma candidatura adversária. Continuar a fazer do MpD um partido vencedor, governar em condições de estabilidade e fazer as transformações estruturais que o país precisa são, para Ulisses Correia e Silva, as principais motivações para sua recandidatura à liderança do partido. Correia e Silva mostrou-se convicto de que vai ganhar estas directas, mas deixa claro: “num cenário muito remoto, se eventualmente isso acontecesse, o que é que isso iria provocar? Iria provocar a demissão do governo”.

O que o motiva a se candidatar a um quarto mandato para a presidência do MpD?

Em primeiro lugar, como consta do nosso slogan, é pelo MpD e pelo país. Isso significa continuar a governar, ter condições de governabilidade num período extremamente difícil que o mundo e o país estão a viver; significa que temos que ter estabilidade política, significa também manter o MpD na senda das vitórias. Nós vamos ter eleições autárquicas em 2024 e vamos ter eleições legislativas em 2026. Uma das vocações dos partidos da esfera do poder é vencer. Esse é o compromisso que nós temos com os nossos militantes, em segundo lugar pelo país porque nós temos um programa do governo a cumprir, temos uma agenda de desenvolvimento sustentável para 2030. E esse compromisso com o país é forte. Primeiro, para podermos ultrapassar este período de crises, continuar a recuperar a economia, fazer as transformações estruturais que o país precisa para ser mais resiliente para poder estar em melhores condições de fazer face a choques externos, quer económicos, quer ambientais, quer climáticos. Portanto, esta é a resposta relativamente às minhas motivações: continuar o MpD como um partido vencedor e governar em condições de estabilidade e fazer as transformações estruturais que o país precisa.

Qual foi a sua última derrota política?

Foi em 2004 quando me candidatei pela primeira vez para a Câmara Municipal da Praia (CMP). Mas desde que assumi funções de liderança no MpD [2013] não perdi nenhuma eleição. Aliás, antes disso ganhei as eleições em 2008 para a CMP, fui reeleito em 2012 e ganhei enquanto líder no MpD as legislativas de 2016 e tivemos uma vitória estrondosa nas autárquicas do mesmo ano. Em 2020 voltamos a ganhar as autárquicas e em 2021 ganhamos as legislativas. Portanto é um percurso de vitórias.

Pela primeira vez no seu percurso político vai enfrentar uma disputa interna tendo pela frente um adversário que faz duras crítica à sua liderança. Como encara esta sua primeira disputa pela liderança do MpD?

Repare, qualquer militante do MpD, querendo, pode-se apresentar para as eleições internas. É claro que eu não vou facilitar, nós iremos trabalhar, como estamos a trabalhar, para reforçar e merecer a confiança dos militantes que é uma confiança que existe e que é forte. Os militantes sabem o que está em causa, sabem e conhecem o momento em que o país vive e têm o sentido de responsabilidade. Em nenhuma circunstância iriamos juntar à crise económica e social, que deriva das crises internacionais, uma crise política. Depois os militantes têm uma noção muito clara do que é o futuro próximo. Portanto, querem um presidente do MpD que continue a vencer os nossos adversários, porque só vencendo é que continuaremos a governar, quer o país, quer as câmaras municipais.

Insistindo. As eleições de 16 de Abril não deixam de constituir um cenário novo para si, pois pela primeira vez desde que foi eleito presidente do MpD vai sujeitar-se a uma disputa pela liderança do partido.

Como sabe, o MpD já passou por estas fases antes, tem havido ao longo dos tempos, comigo e com outros que passaram, momentos em que as candidaturas foram únicas, porque os militantes assim o entenderam. Depois os outros que se podiam posicionar, não o fizeram, significando um apoio expresso ao incumbente. Desta vez temos uma candidatura adversária e é com toda a normalidade e tranquilidade que encaramos isso.

Falou na apresentação pública da sua candidatura no cumprimento do programa do governo até 2026 e da agenda para o desenvolvimento de Cabo Verde até 2030. Significa que caso vença estas eleições internas irá recandidatar-se pelo menos mais uma vez?

Sim, é pressuposto. Estas eleições são intercalares relativamente às eleições autárquicas e legislativas. Vamos ter eleições legislativas em 2026 e serei e continuarei a ser o candidato do MpD para as legislativas, nomeadamente de 2026.

Se não conseguir cumprir os principais compromissos do governo até 2026, nomeadamente a eliminação da pobreza estrema, redução de desigualdades, taxa de desemprego sobretudo a taxa de desemprego jovem, melhorar a qualidade do sistema de ensino, tornar as nossas cidades mais seguras face à criminalidade e à violência particularmente na cidade da Praia. Que consequências políticas da sua parte?

Nós vamos cumprir, estamos em processo e todo o nosso programa de acção tem sido para atingirmos esses objectivos. Não começamos hoje, temos um percurso de quase sete anos. Aquilo que é o nosso empenho, a nossa entrega, as políticas que estão em curso, os investimentos que estão previstos dão-nos a garantia de chegar lá. É evidente que alguns desses compromissos exigem uma forte participação da sociedade civil. Por exemplo, quando falamos de segurança não é só um problema do governo. É da liderança do governo, mas depende também do empenhamento das pessoas, das famílias e das comunidades. Para além da acção policial e judicial, há toda uma envolvente em termos de criar condições para que os nossos espaços urbanos, principalmente aqui na Cidade da Praia sejam menos vulneráveis ou propícios a situações de criminalidade. Por exemplo, quando falamos da irradicação da pobreza extrema, naturalmente, necessariamente tem que haver um envolvimento social. O governo lidera, mas a sociedade tem de responder positivamente, mas também os indivíduos e as famílias têm de responder positivamente.

Um dos principais compromissos do seu governo até 2026 é fazer com que os nossos espaços urbanos, principalmente a Cidade da Praia sejam menos vulneráveis à criminalidade. Como vai conseguir isso?

Em nenhuma parte do mundo se consegue eliminar a zero situações de criminalidade ou situações de violência. Não há nenhuma sociedade humana, composta por homens, em que isto não exista. O objectivo é fazer com que haja menos ocorrências, que haja menos condições propiciadoras para que essa violência e essa criminalidade existam. É dentro deste campo que nós estamos a trabalhar. Primeiro, a acção policial e a acção judicial é importante, portanto não se pode passar a ideia de que o crime compensa, ou que o crime pode ter justificação seja de que natureza for e ao mesmo tempo garantir que o terreno seja menos fértil a essa criminalidade. Isso quer dizer que essa acção junto de alguns segmentos da sociedade que podem ser mais vulneráveis, nomeadamente a delinquência juvenil, todo o trabalho de cuidados para garantir que as crianças e os jovens estejam na escola, tenham uma ocupação, trabalhar para que aqueles que já estão no mundo do crime e recuperá-los, ter a própria organização dos bairros muito mais amigável em termos de enquadramento da vida social, mas é também uma responsabilidade das famílias, porque elas são o elemento fundamental desse processo de responsabilidade paternal e maternal. É com todos estes factores que nós vamos reduzindo esse nível de conflitualidade social que muitas vezes leva a essas situações.

Portanto, mantém-se o compromisso do seu governo em baixar até 2016 a criminalidade para níveis razoáveis.

O compromisso mantêm-se e daí para frente. É sempre um compromisso que os governos, os estados e as sociedades têm, sempre na perspectiva que não há nenhum acto administrativo ou político que possa eliminar de vez esses fenómenos que são humanos.

Anunciou também o compromisso de ultrapassar os constrangimentos dos transportes aéreos e marítimos. Vai conseguir isso já no próximo ano como anunciou?

Estamos a trabalhar para isso neste momento. Estamos a fechar a revisão do contrato de concessão dos transportes marítimos com a CV Interilhas. Vamos sair com uma solução muito mais forte, nomeadamente a nível da disponibilização de barcos; os barcos têm que ser adquiridos, pois não há barcos nos supermercados. Portanto, todo o processo de aquisição pode levar o seu tempo, mas prevemos que em 2024 possamos ter a normalização das ligações interilhas, particularmente Fogo/Brava, Maio/Praia; depois S. Nicolau/S. Vicente e as outras ilhas com maior disponibilidade de barcos e maior cumprimentos daquilo que são as linhas estabelecidas. Portanto, até 2024 nós estaremos a normalizar esta situação e a melhorá-la de uma forma significativa. Relativamente aos transportes aéreos há um caminho que está a ser percorrido e que vai melhorar também. Neste momento já ultrapassamos alguns constrangimentos que existiam na passagem entre a Bestfly que agora é a operadora e a anterior operadora, a Bintir. Há agora um processo de estabilização no mercado, nomeadamente com possibilidade de aquisição de aparelhos mais pequenos, adaptados às linhas que têm pouco fluxo. Estamos a pensar em S. Nicolau ou de S. Nicolau em outras ilhas como o Maio e mesmo a Boa Vista (tirando os voos internacionais, Boa Vista tem pequena população e tem pouco fluxo) para haver então maior capacidade de resposta. Em 2024, quase de certeza que terremos uma mudança significativa no sistema de transportes.

Afirmou na apresentação pública da sua candidatura que para cumprir os compromissos acima referidos é necessário um MpD forte e um presidente forte. Portanto não vê a necessidade da partilha de liderança?

Vejamos, essa coisa de um corpo duas cabeças não existe. Ou você tem líder ou não tem líder. Portanto, essa ideia de que você pode ter um primeiro-mistro e uma pessoa diferente como presidente do partido é uma impossibilidade. Em segundo lugar, a liderança é a escolha dos militantes relativamente a um presidente e esse presidente tem competências próprias que estão nos estatutos e deve exercê-las. Fragilizar o presidente de um partido é fragilizar o próprio partido. Estas regras existem há muito tempo, são praticáveis, mas isso não significa a acomodação de todas as atribuições porque é uma impossibilidade. O partido funciona com várias partes do sistema: o presidente do partido, os órgãos nacionais, os órgãos locais, os órgãos da diáspora, são os deputados, são os membros do governo, são os autarcas, é a JpD, é a Mulheres Democratas. É isto que faz o partido funcionar de uma forma harmoniosa e se todos esses actores funcionarem com engajamento seremos seguramente muito mais fortes e com uma acção política muito mais vigorosa e abrangente e alinhada com o objectivo comum.

Na apresentação pública da sua candidatura afirmou que para se ter um MpD mais forte tem de estar mais presente nos bairros e nas localidades, para de seguida afirmar que o partido já foi bom nisso. Quer dizer que agora já não é?

Quer dizer que o MpD tem dereforçar significativamente. Repare, um dos nossos propósitos é fazer com que as comissões políticas concelhias sejam valorizadas, idem, para a Comissão Política da Diáspora. São essas comissões políticas que trabalham directamente com as localidades, com os concelhos. É lá onde estão os concelhos, mas é lá onde estão também os militantes. E as comissões políticas para serem fortes, primeiro os líderes locais têm de ser também pessoas com forte engajamento político, com capacidade de acção política, com capacidade de liderança, que transmitem confiança, que possam fazer aproximar e engajar os militantes – e a forma de organização deve facilitar isso. Portanto, temos representações nos bairros, nas localidades e periodicamente essas comissões políticas concelhias podem fazer reuniões alargadas onde envolvem os coordenadores locais. É isso a presença da acção política nos bairros. E o MpD no passado funcionou bem assim. Hoje, pode ter havido algum problema relativamente à eficácia, mas o modelo é esse e temos que retomá-lo com força, para que a acção seja uma acção, de facto, global. Não é só estar a nível dos órgãos nacionais: as coisas acontecem a nível local; acontecem nos bairros; acontecem nas localidades. Portanto, é preciso estar presente, é preciso ter acção política e acção política com autonomia de acção. Esse é o grande apelo que nós temos estado a fazer para que essas comissões políticas concelhias tenham uma liderança forte. E é necessário dotar as comissões concelhias de mais meios financeiros, organizacionais e tecnológico para fazerem um trabalho permanente, regular, não só no período das campanhas, mas durante todo o período em que estão com actividades a realizar.

A revisão dos Estatutos do MpD vai ser submetida à aprovação agora na Convenção do MpD. O que vai mudar?

A revisão é para reforçar aquilo que é o modelo organizacional existente. Não podemos estar de Convenção em Convenção a mudar os modelos. Esse modelo é de Órgãos Nacionais, Órgãos Locais, Órgãos da Diáspora e a articulação entre eles. O que vai ser reforçado são os mecanismos da acção política e de concertação e alinhamento político entre esses diversos órgãos e disponibilização de mais recursos para poderem fazer a sua acção. Vamos tentar reflectir nos estatutos, para além de criar outros instrumentos que permitam uma maior articulação, aproximação e representação junto da sociedade civil. Portanto, o partido não funciona para si próprio. Nós não somos aquele tipo de partido que é de aparelho, que funciona apenas com comités de sectores e coisas do tipo, só para os militantes. Não funciona e não faz crescer o partido junto da sociedade que, em última instância, é o que interessa porque nós somos representação daqueles que entendem ter confiança no partido. É dentro desta perspectiva de ter um partido muito mais aberto, representativo, com mais confiança na interacção com a sociedade. O Estatuto vai procurar também dar sentido a esses objectivos.

Defendeu que competições internas no MpD não devem levar à fragilização da governação. Mesmo que vença a outra candidatura e você continuar como primeiro-ministro, não há esse perigo?

Isso é uma impossibilidade. É como eu disse, essa ideia de pensar que pode haver um corpo duas cabeças, isso não existe, não vai acontecer. Quando digo que é uma impossibilidade, é uma impossibilidade você ter um primeiro-ministro e um presidente do partido que suporta o governo com pessoas diferentes. Num cenário muito remoto, se eventualmente isso acontecesse, o que é que isso iria provocar? Iria provocar a demissão do governo, ou então iria provocar uma ruptura total entre o governo e a liderança do partido.

Está a dizer que se perder estas directas põe o cargo à disposição?

Nós não vamos perder estas directas. Se num cenário muito teórico isso acontecesse, não haveria condições políticas para continuar. Isso é claro. Outro cenário alternativo seria um descaso, uma ruptura total entre o governo e a liderança do partido, mas com outro presidente. Mas nenhum desses cenários vai acontecer, tendo em conta aquilo que foi demostração na Praia [apresentação pública da candidatura, no fim-de-semana], aquilo que é, de facto, o engajamento dos militantes a nível nacional ficou muito claro que não podemos fabricar algo totalmente disfuncional como ter um corpo com duas cabeças. Isso não funciona.

Qual a sua opinião sobre a limitação do mandato do primeiro-ministro?

A Constituição não limita o mandato, não há nenhuma lei que impede. Esse tipo de compromissos, se forem, são muito pessoais: dizer que você faz um ou dois mandatos e termina. Aquilo que eu tenho ouvido é noutra perspectiva: é fazer uma revisão constitucional para limitar o número de mandatosdo primeiro-ministro o que não acontecepraticamente em nenhuma parte do mundo e seria uma cabo-verdura. O contexto actual das crises em que estamos a viver desde 2016 e a necessidade governativa motiva-me a continuar nomeadamente em relação àquilo que é a nossa execução do programa do governo e também das perspectivas que nós temos da Agenda 2030. Portanto, não vai ser a vontade de uma ou outra pessoa que irá impor esse corte que temos com o país.

A analogia com o presidente da república não funciona aqui?

Não, porque o presidente da república é um órgão eleito directamente por sufrágio. Ele é a emanação de uma escolha directa, tem os seus poderes, e é por causa disso é que há essa limitação: por ser uma pessoas, um poder, um órgão com necessidade de limitação de mandatos. Já o primeiro-ministro não é eleito. O primeiro-ministro é escolhido através de um processo eleitoral do partido mais votado nas eleições. Portanto, é a partir daí que se faz depois a escolha relativamente ao partido mais votado e indicará ao presidente da república quem vai ser o primeiro-mistro. Portanto, é esse o sistema, esse é o regime que nós temos e esse é o regime da maior parte dos países democráticos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1111 de 15 de Março de 2023.   

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Autoria:António Monteiro,18 mar 2023 7:08

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  6 dez 2023 23:28

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