Casimiro de Pina: “É o pior escândalo a envolver um Chefe de Estado em Cabo Verde desde 1975”

PorJorge Montezinho,30 ago 2024 10:15

Tem sido uma das vozes mais críticas ao Presidente da República. O advogado, jurisconsulto, escritor e ex-candidato ao Palácio do Plateau, respondeu, por escrito, ao Expresso das Ilhas, onde defendeu a resignação do Chefe de Estado.

Que leitura faz desta situação?

Bem, realmente é algo embaraçoso! É o pior escândalo a envolver um chefe de Estado em Cabo Verde desde 1975. Isso nem no tempo da ditadura aconteceu. José Maria Neves desonrou o Estado cabo-verdiano, pura e simplesmente. Inventar, à margem da lei e da Constituição, um salário de 310 contos mensais só para agradar a namorada é, realmente, algo inaudito numa República. É uma espécie de “cosa nostra”… Nem temos, verdadeiramente, primeira-dama, porque o nosso PR é divorciado e, como tal, não pode ter cônjuge. É tudo uma ficção, uma rede de sofismas! Não existe sequer, neste caso concreto, união de facto reconhecida. Onde está o registo? O país foi enganado pelo seu PR. É inadmissível.

Justifica-se uma mudança constitucional para atribuir um estatuto à primeira-dama?

Não. Não se justifica nenhuma mudança constitucional, em Cabo Verde, para acantonar a figura de primeira-dama, que é, e deve continuar a ser, um cargo meramente honorífico. Ela não é eleita. Basta vermos a tradição norte-americana, onde tudo começou. A first lady (que é, hoje, a senhora Jill Biden) não recebe um tostão do Estado. Só possui um gabinete na White House e algum destaque em termos protocolares. Mais nada. É assim que deve ser numa República democrática e civilizada.

O sr. José Neves, quando era Primeiro-Ministro, fez duras críticas à figura da primeira-dama. Rejeitou a ideia de "estatuto" de primeira-dama. Todos se lembram disso. Agora quer, por mero oportunismo pessoal e político, transformá-la num cargo doirado, numa novíssima Rainha da Inglaterra!

Quando o Presidente alega que tudo foi feito sem qualquer intenção dolosa, isso atenua o erro?

A atitude do sr. PR, José Maria Neves, é simplesmente indesculpável. Estamos a falar de um homem que já foi Primeiro-Ministro durante 15 anos, que já foi, também, Deputado da Nação e é, segundo se diz por aí, especialista e professor em questões de Administração. E tem, ainda, uma equipa muito experiente em termos de assessoria e assistência técnica. O que o PR fez é muito grave. É algo que possui, aliás, contornos criminais, sem margem para dúvidas. Não são meras “irregularidades”, como pretendem alguns. São crimes, no verdadeiro sentido da palavra. O actual PR cometeu vários crimes à luz do Código Penal e da Lei n.º 85/VI/2005, de 26 de Dezembro, que define os chamados crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos. Cometeu 7/8 crimes, no mínimo, conforme expliquei pormenorizadamente há dias, num programa/live de Facebook que já teve mais de 33 mil visualizações e despertou enorme interesse no país e na diáspora.

Tem defendido a renúncia do Presidente da República. Porquê?

É óbvio que um PR tão fragilizado e com manchas tão graves, que põem em causa, de resto, as fundações da República e do próprio Estado de direito, não pode, de forma alguma, continuar no cargo. Seria de todo incompreensível. Onde fica a magistratura cívica, que se impõe pelo exemplo? JMN quebrou o juramento solene que prestou em 2021 perante a Assembleia Nacional. É alguém que não merece, pois, nenhum crédito e já não consegue funcionar como o guardião da Constituição. Nunca se submeteu à Constituição da República e ao seu específico sistema de valores, axiomas e princípios. Hoje ele é, pelo contrário, alguém que pratica, na linguagem legal, “atentados contra a Constituição e o Estado de direito”! É uma situação inédita em termos de política democrática comparada. Temos um PR que ataca diariamente a Constituição, exercendo poderes à margem dela! Foram acções do tipo que destruíram a República de Weimar. Se não houver uma “blindagem” da Constituição tudo estará perdido. JMN é um elemento subversivo e tem de sair. Já não possui condições morais para se manter no cargo.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1187 de 28 de Agosto de 2024.

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Autoria:Jorge Montezinho,30 ago 2024 10:15

Editado porAndre Amaral  em  18 set 2024 23:30

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