Só a complexidade permite o crescimento económico

PorJorge Montezinho,3 mar 2019 3:04

​Os dados provisórios de 2018 mostram que Cabo Verde exportou mais 44,3 por cento de bens no ano passado, quando comparado com 2017. Mas isso não significa automaticamente que a economia está a passar por um período positivo. Até porque, tal como nos anos anteriores, os produtos vendidos para o exterior são de baixa complexidade, logo, menos capazes de provocarem alterações significativas no desenvolvimento económico e na qualidade de vida do país.

Em 2018 os produtos mais exportados por Cabo Verde, foram os preparados e conservas de peixes, representando 60,9%; seguindo-se os peixes, crustáceos e moluscos, representando 18,1% do total e, o vestuário ocupando o terceiro lugar com um peso de 8,9% das exportações nacionais. Os dados do INE indicam que as exportações totalizaram 7.058 mil contos, correspondendo a um acréscimo de 44,3% face ao ano anterior, ou seja uma subida de 2.168 mil contos.

Mas o que estes dados indicam também é que Cabo Verde tem um cabaz reduzido de bens exportados, uma realidade que se vem repetindo nos últimos 24 anos, período onde é possível analisar os dados existentes. Entre 1995-2011 apesar de não haver grandes alterações na composição das exportações, existe uma alternância entre os produtos com maior peso nas exportações de mercadorias. O período 1995-2000 é dominado pelas exportações de combustíveis, lubrificantes e materiais relacionados (31,2%), o período 2001-2005 pelos artigos calçados e vestuários (47,7%) e o período 2006-2011 pelos alimentos e animais vivos (como peixes, crustáceos e moluscos) com 43,6%. Estas alterações, nos pesos dos componentes das exportações de mercadorias, devem-se à mudança da rota dos voos da South African Airways, que desde 2006 deixaram de fazer escalas em Cabo Verde, e ao fim do embargo dos produtos da pesca, imposto pela União Europeia, a partir de 2004. Um cabaz de 2 a 5 produtos constitui entre 70% a 90% do total das mercadorias exportadas. E vários destes produtos são reexportados. No período 2000- 2010, a média anual dos produtos reexportados foi 69% das exportações de mercadorias.

As exportações cabo-verdianas estão bastante concentradas em termos de mercados de destino e a Europa é o principal mercado. No período 2000-2010 cerca de 83% das exportações foram para Europa, e destas exportações, 73% para o mercado Português. Segue-se o continente Americano, que absorveu cerca de 10% das exportações cabo-verdianas no mesmo período, e destas exportações 95% foram para os EUA. Por último temos o mercado Africano que recebeu apenas 5,5% das exportações.

Nos últimos anos, as conservas e preparados de peixes têm dominado a tabela das exportações, Espanha tornou-se o principal destino dos produtos cabo-verdianos e uma única empresa, a Frescomar e companhias associadas, é responsável por 80% das exportações de bens nacionais. Os dados do ano passado mostram que a Europa continua a ser o principal cliente de Cabo Verde, absorvendo cerca de 95,9% do total das exportações nacionais.

O atlas da complexidade económica

A procura da identificação de factores que possam explicar a grande diferença no desenvolvimento económico e na qualidade de vida de países ou regiões sempre desafiou cientistas sociais. Dois encontraram a resposta e uma a maneira de medir a “complexidade económica” criando o Atlas da Complexidade (http://atlas.cid.harvard.edu/). Este é o resultado do trabalho dos economistas Ricardo Hausmman e César Hidalgo (da Universidade de Harvard e do Instituto Tecnológico de Massachusetts-MIT, respectivamente), que argumentam que a complexidade das exportações é determinante para o crescimento económico de longo prazo dos países. Porquê? Porque, alguns conjuntos de produtos do tecido produtivo são mais essenciais para dinamizar outras actividades produtivas, seja pelos efeitos de encadeamento e transbordamento (criam laços entre sectores), seja através da oferta (porque reduzem custos produtivos e geram progresso técnico) e da procura (porque criam e expandem mercados).

Hausmann e Hildalgo criaram um método de extraordinária simplicidade e comparabilidade entre países. A partir da análise da pauta exportadora de uma determinada economia são capazes de medir, de forma indirecta, a sofisticação tecnológica do tecido produtivo.

Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente ou sofisticado são a ubiquidade e diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Os bens não ubíquos devem ser divididos entre os que têm alto conteúdo tecnológico e, portanto, são de difícil produção (aviões por exemplo) e aqueles que são raros na natureza (nióbio por exemplo) e, portanto, tem uma não ubiquidade natural.

Para controlar esse problema de recursos naturais escassos na medição de complexidade Hidalgo usa uma técnica engenhosa: compara a ubiquidade do produto feito num determinado país com a diversidade de produtos que esse país é capaz de exportar. Por exemplo: Botswana e Serra Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo: diamantes brutos. Por outro lado têm uma pauta exportadora extremamente limitada e não diversificada. Ou seja, um caso de não ubiquidade sem complexidade. No extremo oposto estão, por exemplo, produtos como equipamentos médicos de processamento de imagem, algo que praticamente só Japão, Alemanha e Estados Unidos conseguem fabricar; e portanto são também produtos não ubíquos. Só que neste caso, as pautas de exportação de Japão, EUA e Alemanha são extremamente diversificadas, indicando que esses países são altamente capazes de fazer várias coisas. Ou seja, não ubiquidade com diversidade significa “complexidade económica”. Por outro lado, um país que tenha uma pauta muito diversificada, mas com bens ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios, etc…) não apresenta grande complexidade económica; porque esse país faz o que outros também fazem, como é o caso de Cabo Verde: exporta poucos bens e nenhum deles é de produção exclusiva.

O Atlas da Complexidade tem, até ao momento, duas edições (2014 e 2016) e analisa os fluxos comerciais de mais de seis mil bens entre 127 países. Cabo Verde não aparece no ranking, mas há vários países africanos na tabela. Entre estes, a economia mais complexa é a da Tunísia (45ª), seguida pela do Egipto (65ª), da África do Sul (66ª) e das Maurícias (72ª). A lista dos países com economias mais complexas é liderada pelo Japão, seguindo-se Suíça, Coreia do Sul, Alemanha, Singapura, Áustria, República Checa, Suécia, Finlândia e Estados Unidos. Os países da CPLP representados são Portugal (36ª economia mais complexa), Brasil (53ª), Moçambique (115ª) e Angola (116ª).

Nesta questão da complexidade, o tamanho do país não é impeditivo. Se olharmos, por exemplo, para a comparação entre Singapura e Paquistão vemos que os dois países têm, grosso modo, o mesmo tamanho de PIB só que o Paquistão tem uma população 34 vezes maior do que Singapura, é, portanto, em termos per capita um país muito mais pobre. A diversidade de exportação do Paquistão e Singapura é praticamente a mesma, ambos os países exportam aproximadamente 133 produtos distintos. Só que os produtos exportados pelo Paquistão são também exportados em média por 28 outros países. Os produtos exportados por Singapura são exportados em média por apenas 17 outros países. Além disso, os produtos exportados pelo Paquistão são também exportados por países que têm diversidade de exportações muito baixa, enquanto os produtos exportados por Singapura são também exportados por países que tem diversificação de exportações muito alta e exportam produtos não ubíquos. Junte-se a estes dados o facto de Singapura ter apenas 716 km2, é um país quatro vezes mais pequeno do que Cabo Verde, mas a quinta economia mais complexa do mundo.

A grande virtude desses indicadores de complexidade é que eles trabalham com medidas quantitativas a partir dos cálculos de álgebra linear para chegar aos resultados. Não há considerações sobre questões qualitativas relevantes para a produção e exportação desses bens. Ou seja, não há juízo de valor em relação ao que se considera complexo ou não complexo. Outra vantagem dessas medidas está em poder captar enormes mudanças nas tecnologias produtivas ao longo do tempo de forma coerente. Um carro, um avião, ou uma televisão dos anos 80 está muito distante do que chamamos hoje de carro, televisão ou avião. Ainda assim a metodologia do Atlas da complexidade é capaz de calcular a dificuldade relativa de se produzir cada bem em qualquer momento do tempo. Um país capaz de produzir uma televisão hoje talvez fosse incapaz de produzir uma televisão em 1980, mas hoje, provavelmente, uma televisão é considerada pelo Atlas um bem menos sofisticado do que em 1980. Ou seja, o conceito de complexidade mantém-se ao longo do tempo como uma medida relativa entre países e produtos.

Complexidade e Investimento Directo Estrangeiro

A questão que se põe é: como é que um país como Cabo Verde consegue esta complexidade económica? Através da atracção de investimento directo estrangeiro. O governo tem apostado nesta direcção, como o próprio Primeiro-Ministro admitiu no Fórum de Paris, em Dezembro do ano passado, a atracção de investimentos privados “é uma componente importante” da operacionalização do PEDS, particularmente no que se refere às plataformas do turismo, da economia marítima, do hub aéreo, da economia digital, dos serviços financeiros e do desenvolvimento e localização de empresas. Mas a tarefa não se afigura fácil.

Os sucessivos governos têm adoptado uma posição mais reactiva do que pró-activa na procura do investimento vindo de fora, como disse a UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – no último relatório sobre as políticas de investimento cabo-verdianas. É fundamental, sublinhava o documento, diversificar a economia e conseguir que o IDE crie laços com a economia local.

Actualmente, o IDE permanece fortemente concentrado numa única actividade, o turismo all-inclusive, e em dois locais: nas ilhas do Sal e da Boa Vista. É verdade que Cabo Verde procura agora diversificar a sua economia e fazer com que o turismo seja mais do que apenas o modelo tudo incluído. Mas para assegurar um impacto positivo terá de aumentar as oportunidades de negócio para o sector privado nacional, assim como um desenvolvimento mais equilibrado em todas as ilhas.

Só que a atitude do país em relação ao IDE tem sido caracterizado por contractos e condições feitos à medida dos grandes investidores, em vez do IDE ser determinado pela qualidade do ambiente regulatório e pela efectividade dos esforços promocionais.

Apesar de alguns avanços na facilitação dos negócios, vários aspectos do ambiente de investimento continuam a representar desafios: a enorme burocracia de processos relacionados com licenciamento e o regime fiscal complexo afectam a competitividade dos negócios. Outros problemas continuam a dificultar o desenvolvimento do sector privado, entre estes, o destaque da UNCATD vai para os altos preços da electricidade e para a fraca conectividade, tanto entre as ilhas como com os principais parceiros comerciais. O sector privado nacional enfrenta ainda a falta de recursos humanos qualificados e a dificuldade de acesso ao financiamento, o que se traduz num enorme sector informal. Segundo a UNCTAD, é necessária mais pro-actividade na escolha dos investidores, para assim atrair o tipo de investimentos que mais contribuam para a criação de emprego, para o desenvolvimento do empreendedorismo e para a diversificação económica, tanto por sector como por região.

Actualmente, quatro países contribuem com cerca de 70 por cento do IDE em Cabo Verde: Reino Unido (27 por cento), Espanha (18 por cento), Portugal (17 por cento) e Itália (8 por cento). Mas enquanto os negócios portugueses e espanhóis operam em várias indústrias, o IDE do Reino Unido e de Itália é principalmente dirigido para o turismo. Embora numa percentagem relativamente pequena, África é também a origem de algum do IDE em Cabo Verde, principalmente Angola, com participações na banca e na importação e distribuição de combustíveis. O IDE proveniente de outras regiões do mundo é insignificante.

O IDE é, igualmente, distribuído de forma desigual entre as ilhas. Entre 2000 e 2016, a ilha do Sal atraiu metade do total de IDE. Boa Vista foi a terceira ilha a receber mais IDE. Santiago recebeu cerca de 1/3 do total do IDE. Em contraste, São Vicente recebeu 3 por cento do IDE e as restantes ilhas receberam apenas 6 por cento do total de IDE.

Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 900 de 27 de Fevereiro de 2019.

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Autoria:Jorge Montezinho,3 mar 2019 3:04

Editado porSara Almeida  em  22 nov 2019 23:21

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