O futuro do turismo cabo-verdiano

PorJorge Montezinho,15 set 2019 8:30

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A indústria de viagens e turismo desempenha um papel vital na economia global. Em 2018, o sector ajudou a gerar 10,4 por cento do PIB mundial e uma percentagem semelhante de emprego, além que mostrou enorme resiliência na última década. A alimentar este aumento está o crescimento contínuo da classe média na Ásia e noutras partes do mundo.

Na próxima década, a contribuição da indústria para o PIB deverá aumentar em quase 50 por cento. A questão para Cabo Verde é: o que tem de fazer o país para ter uma parte deste bolo?

O relatório do Fórum Económico Mundial é claro, à luz desta expansão, os formuladores de políticas, os líderes da indústria e as outras partes interessadas deverão prestar mais atenção à competitividade do turismo para capturar este mercado em crescimento. Para reter ou ganhar participação de mercado, os decisores precisam de ter em consideração, especialmente, a manutenção das infra-estruturas, dos serviços e dos activos turísticos. À medida que o número de viajantes de negócios e lazer aumenta em todo o mundo, será necessário melhorar a competitividade, assim como um planeamento cuidadoso da gestão do turismo e da capacidade de carga dos destinos.

Ora, melhorar a competitividade de Cabo Verde é algo em que acreditam que os especialistas que falaram com o Expresso das Ilhas. Ou seja, o país não tem de ficar constantemente abaixo da mediania quando se fala do contexto mundial do turismo. 

“O que é preciso encarar a realidade de frente e perceber que as soluções aplicáveis a outras realidades muitas vezes não são aplicáveis à realidade de Cabo Verde”, defende o consultor Amílcar Monteiro, “e ter coragem para ousar introduzir soluções verdadeiramente eficazes e com potencial para transformar a forma como o turismo acontece em Cabo Verde. Alias, o próprio ranking ICTV mostra que temos enorme potencial ambiental e cultural por explorar e que efectivamente existe uma correlação muito forte em termos de competitividade do país e o desenvolvimento do destino, pelo que é fundamental que as reformas aconteçam de forma rápida e efetiva. Para subir teremos que aprender a gerir o destino e a elevar o atual padrão de competitividade”.

Também Carlos Santos, administrador do Grupo Oásis Atlântico em Cabo Verde, acredita que é possível melhorar se o governo, os agentes económicos e a sociedade civil se puserem de acordo sobre o modelo de turismo que se pretende para o país e como deve ser implementado. “Aqui o Governo deverá permitir que o setor privado participe em pé de igualdade na definição e implementação das grandes opções estratégicas do Turismo. Estamos a falar, designadamente, do desenho dos subprodutos que pretendemos apresentar ao mercado, que mercados de origem devemos abordar, em que moldes devemos intricar o Turismo com os restantes sectores da economia, funcionando como uma grande orquestra, que incentivos fiscais a adoptar para permitir uma maior endogeneização do Turismo e por conseguinte um número mais expressivo de novos empreendedores nacionais a participar, as infra-estruturas públicas necessárias para que essa orquestra funcione em pleno, as políticas sociais a implementar para colmatar as externalidades negativas que advêm do processo de crescimento, sem esquecer a capacidade de carga do país para garantir o tríplice da sustentabilidade: o económico, o social e o ambiental. Com efeito, o Turismo deve ser entendido com um setor de atividade económica que tem um tempo para o investimento e um tempo subsequente para produzir o retorno desse investimento. Até porque, o Turismo é uma atividade que cresce acima da média de crescimento da economia mundial, espelhado na curva ascendente de procura dos últimos 50 anos e que deverá manter. Por outro lado, Cabo Verde dispõe de condições naturais e elementos competitivos sobejamente conhecidos que o distinguem e diferenciam de outros destinos de sol e praia”.

O relatório do Fórum Económico Mundial refere que quando as economias começam a apresentar um bom desempenho ao longo de uma ampla gama de pilares – e ao fazê-lo começam a superar a média global da competitividade do turismo – as tendências mostram que o número de visitantes sobe consideravelmente. No entanto, como a competitividade do turismo depende de aspectos como ambiente de negócios, mercado de trabalho, tecnologia e infra-estruturas, as economias menos desenvolvidas tendem a atrasar-se perante os seus pares mais avançados. 

Sem surpresa, a Europa e a Eurásia continuam a ser a região mais competitiva em termos de turismo. A região possui alguns dos melhores recursos culturais do mundo e é líder em infra-estruturas, principalmente em infra-estruturas terrestres, aeroportuárias e de serviços turísticos. A Ásia-Pacífico é a segunda região mais competitiva, tendo a melhor combinação de recursos naturais e culturais. A Ásia-Pacífico possui ainda a infra-estrutura de transporte aéreo mais impressionante do mundo. As Américas são a terceira região com maior pontuação. Os países confiam nos activos naturais para gerar turismo e melhoraram na disponibilidade de TIC e na competitividade de preços, com a América do Sul a liderar o crescimento geral. 

E Cabo Verde, que patamar pode o país alcançar? Para Carlos Santos, ser um dos 30 destinos turísticos mais competitivos do mundo é uma meta que está ao alcance do país. “Tendo em conta o potencial cultural e histórico por explorar e a sua transformação em subprodutos vendáveis aos visitantes, ancorados na imagem de marca que é o de país de sol e praia”. 

Amílcar Monteiro também acredita que o arquipélago tem todos os ingredientes necessários para se tornar um destino líder e competitivo a nível mundial. “Mas há certamente muitas áreas onde o país carece de uma intervenção mais clarividente dos poderes públicos para abrir o mercado das restantes ilhas e permitir aos operadores locais tirar vantagens efectivas da expansão e da diversificação do turismo. O turismo de aventura, desporto, ecológico, e suportado pela componente cultural e histórica está ao nosso alcance. É preciso que a oferta seja trabalhada para que o valor do nosso produto tenha elevado valor acrescentado e não seja tão dependente do preço e do mercado de inverno”.

A diferença na pontuação média da competitividade turística entre economias avançadas e as economias de média e baixa rentabilidade é de, aproximadamente, 38 por cento. No entanto, a pontuação média entre esses grupos económicos no pilar recursos naturais diminui para pouco menos de 11 por cento. Isso deve-se ao motivo óbvio de que os activos naturais estão distribuídos entre países com condições económicas variadas. Ou seja, muitas economias emergentes que possuem uma abundância de activos naturais devem apostar em impulsionar o desenvolvimento económico através do sector de viagens e turismo. Por exemplo, em África, como mostra o relatório do Fórum Económico Mundial, alterações nos vistos, principalmente o seu fim, deu um grande impulso ao sector no continente. 

Quanto a Cabo Verde, e que medidas seriam fundamentais para aumentar a competitividade do turismo, Amílcar Monteiro defende a necessidade de consensualizar as prioridades. “Neste momento, a competitividade do destino é praticamente liderada pelo Governo, que tem uma agenda, transversal, e que vai implementado uma serie de acções através dos municípios e de algumas entidades privadas que vão participando em intervenções pontuais e o Ministério do Turismo terá certamente uma lista de acções em curso que vai desde o ordenamento do território, requalificação urbana, formação e capacitação, promoção do país enquanto destino, e de programas como o Rota das Aldeias etc. É preciso é perguntar porque é que essas medidas não têm resultado em mais e melhor competitividade, maior diversificação do destino e no crescimento efectivo do turismo que acontece fora do all-inclusive?”

“Penso que o que tem falhado é o diálogo e uma auscultação mais metódica para que as prioridades sejam mais consensuais e as decisões sejam mais consequentes e efectivas. Sem uma agenda programática parece que as reformas não têm fim e assim corre-se o risco de estarmos sempre a reboque das necessidades.”

Como exemplo, o consultor aponta o caso da isenção dos vistos aos cidadãos europeus e posterior surgimento da taxa de segurança aeroportuária como a ilustração do impacto que decisões unilaterais, isoladas e não programáticas podem ter na competitividade do destino. “Aqui, apesar do foco inicial ter sido o cidadão europeu, imagine o caso de um cidadão americano que faz uma aplicação para o visto (+/- US$100) e depois de chegado à fronteira é confrontado com a TSA (€30,00). Conheço um caso de uma cidadã americana que depois de já estar no território resolve ir passar um final de semana ao Senegal e no regresso é surpreendido com a re-aplicação da TSA na fronteira e ela julgou que estava a sendo assaltada, gerando uma situação difícil de compreender pelo visitante”. 

No fundo, o turismo trouxe a Cabo Verde um potencial muito além do que o país estava habituado, mas comporta desafios sérios que só serão superados se houver um verdadeiro consenso, porque nem os privados isoladamente, nem o governo irão conseguir concretizar as oportunidades sem um alinhamento em torno de uma visão que permita o país entrar num ciclo virtuoso de crescimento sustentável do destino. “Da parte do governo, é preciso que o poder político como um todo, (oposição e situação) compreendam de vez o que é o turismo e como gerir o destino. Até ainda não há uma consensualização de uma visão de longo prazo e sem se deterem na estratégia passam logo para a táctica e é visível os avanços e recuos que acontecem no final de cada ciclo político” sublinha Amílcar Monteiro. 

“Da parte dos privados locais, existe uma enorme ansiedade que é alimentada por realidades distintas de ilha a ilha e os operadores tendem a atuar sozinhos e acabam por ficar expostos à competitividade global que vai comendo espaço através da desmaterialização dos negócios ao longo da cadeia do turismo, transferência do poder de barganha para os consumidores e entrada no mercado de players baseados em plataformas online altamente eficientes, que vão escamando o mercado e reclamando parcela significativa dos lucros que se vão gerando. Aqui a solução passa pela melhor organização das classes e pela redefinição e actualização dos modelos de negócios dos operadores para poderem competir neste mercado que não para de crescer, mas onde só os mais capazes sobrevivem” diz o antigo Director-Geral da Indústria e Comércio. 

Para Carlos Santos, o diagnóstico do sector há muito que está feito, bem como a receita a adoptar para solucionar os problemas existentes. No entanto, entre as mais importantes medidas que deverão ser introduzidas, salienta cinco. “O ambiente de negócios é definitivamente o primeiro pilar a ser robustecido, designadamente, com medidas fiscais amigas do investimento, uma justiça célere e transparente, um quadro legislativo simples e fiável e um quadro institucional respeitador do direito a propriedade privada; a qualificação do destino, diferenciando o produto, é, igualmente, um pilar que obriga uma estratégia de investimento coordenado entre o privado e o público, com um pay-back demorado mas garantido, pelo que se deve dotar o país de um Programa Operacional do Turismo, prevendo-se vários investidores (o Governo, as Câmaras Municipais, as Sociedades de Desenvolvimento Regional, as empresas privadas,…) e fontes diferenciadas de financiamento, interno e externo. Obviamente, dotado de uma estratégia e objectivos unos; a promoção do destino é, também, um premissa essencial e deve ser trabalhada em consonância com o produto turístico desenhado e os mercados-alvos definidos. Num momento em que se assiste a uma mudança muito grande no formato de gozar os tempos livres, com cada vez mais famílias com poder de compra para viajar norteadas de uma nova consciência ambiental e em que as mudanças climáticas começam a definir as geografias dos destinos, convém uma estratégia de promoção acertada e profissional e não ao sabor de opiniões avulsas; a criação de condições de financiamento a baixo custo e de produtos financeiros diversificados, visando responder as diferentes solicitações dos pequenos e médios empresários, seja através do crédito, capital de risco e garantias; por último, a necessária conectividade aérea e marítima inter-ilhas e com o exterior, para unificar o mercado, sendo o país uma realidade arquipelágica” conclui o administrador do Grupo Oásis Atlântico. 

À medida que a classificação da competitividade do turismo desce (36º a 105º lugar), a variação entre as pontuações dos pilares começa a aumentar. No entanto, devido ao estatuto de mercados emergentes, as economias desse grupo oferecem taxas de retorno mais altas para os investidores dispostos a lidar com ambientes de negócio menos favoráveis. As economias neste intervalo do ranking incluem muitos países ricos em recursos naturais e culturais, mas são travados pelas infra-estruturas subdesenvolvidas, por preocupações com segurança ou por questões políticas ou estruturais.

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Autoria:Jorge Montezinho,15 set 2019 8:30

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  4 jun 2020 23:21

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