Nesta altura em que a empresa comemora o 25º aniversário, o PCA, José Luís Livramento, falou com o Expresso das Ilhas sobre o caminho percorrido neste quarto de século, do que está a ser feito e dos desafios e inovações do futuro.
Que palavra pode resumir estes 25 anos?
Três palavras: sucesso e serviço à nação. Sucesso, porque a empresa nestes 25 anos conseguiu consolidar-se, conseguiu atingir os grandes objectivos como empresa, está viva, está com dinâmica, apesar de nestes 25 anos terem havido desafios muito fortes, nomeadamente a liberalização do mercado, em que a CVTelecom passou de um contrato de concessão com exclusividade para um mercado liberalizado e teve de fazer uma travessia muito grande para se adaptar ao novo contexto do negócio. Serviço à nação, porque continuou com a sua cultura de em primeiro lugar estar ao serviço do desenvolvimento do país, dotando as empresas, as pessoas e os clientes no geral de um serviço cada vez mais adaptado ao estado-da-arte, à evolução tecnológica, mas também à própria expectativa da sociedade cabo-verdiana no seu todo.
Pegando nesse contributo ao país, considera que hoje Cabo Verde seria muito diferente sem a CVTelecom?
Seria, mas antes de responder, diria que os 25 anos são do actual figurino, em que houve a separação dos correios e telecomunicações e a parte das telecomunicações deu lugar à empresa CVTelecom. Mas temos de ir muito mais longe, a CVTelecom tem uma herança de mais de 150 anos, e esse é também um orgulho que a CVTelecom traz no seu bojo, porque fez parte de momentos áureos de Cabo Verde, nomeadamente momentos áureos de certas ilhas, como São Vicente. O edifício regional em São Vicente está lá para espelhar todo esse momento, representando um grande investimento dos ingleses nos idos anos de 1874 e hoje esse edifício ainda traz o nome que adoptou nessa altura, o edifício do telégrafo. Voltando à questão, Cabo Verde seria totalmente diferente, e dou-lhe um exemplo, toda a gente está à procura de uma boa solução para os transportes inter-ilhas, seja aéreo seja marítimo, mas toda a gente esquece as telecomunicações inter-ilhas, porque Cabo Verde tem a melhor solução, a nível global, para países arquipelágicos: a ligação das ilhas por cabo submarino de fibra óptica, e esse foi um projecto adoptado em 1992, quando as pessoas ainda nem sabiam o que era fibra óptica. E mais, uma solução em anel em que as pessoas não sentem quando há um corte em determinado cabo. Mas mais do que isso, um país insular significa isolamento geográfico do mundo e a CVTelecom anda a ligar Cabo Verde ao mundo pela via dos cabos submarinos internacionais. É certo que temos neste momento um grande problema que é dependermos, praticamente, de um só cabo submarino [o cabo WACS – West Africa Cable System], e há cerca de 15 dias os cabo-verdianos sentiram na pele o que é ter só um cabo. Por isso é que a CVTelecom está a dispender cerca de 30 milhões de dólares, dos quais 25 milhões no cabo submarino, pago directamente aos donos do cabo, mais 5 milhões para construir um grande edifício que vai albergar não só este cabo submarino, mas também outros cabos submarinos no futuro, e ainda construir um troço entre o Portinho, aqui na Cidade da Praia, e a Achada Grande, onde vai ficar o nosso edifício, para que tenhamos algo substancial em termos de futuro, para albergar mais cabos, mas também para resolvermos o problema de estarmos dependentes do WACS. Portanto, a CVTelecom está a assumir um grande papel no desenvolvimento do país, porque hoje, sem os bits e os bytes, não temos nada. Repare que somos também um país de emigrantes, quem une a saudade à terra e quem sempre uniu foi a CVTelecom, por isso construímos traçados de cabos telefónicos para todas as localidades. Portanto, em termos do nosso impacto na sociedade e na economia, direi que a CVTelecom tem cumprido o seu papel.
Há pouco falou no novo cabo, o Ella Link, quando estará finalizado todo o processo?
O cronograma é muito sério e é para o Ella Link entrar no comércio até Dezembro deste ano. Todos os meses recebemos o relatório do progresso da construção, inclusive, temos muita urgência em iniciar o edifício na Achada Grande, porque a altura do lançamento do cabo será um processo e um evento internacional, e o barco que vai lançar o cabo não pode chegar cá e não ter onde o ligar. Portanto, até Dezembro o cabo Ella Link estará em funcionamento e posso dizer-lhe, em primeira mão, que vamos receber uma missão dos promotores do cabo no próximo mês de Março, onde vamos ampliar a função do Ella Link em Cabo Verde, não só já em termos de uma conectividade, mas ver como podemos colaborar noutros projectos com os promotores do cabo Ella Link.
Sempre referiu que uma possibilidade poderia ser a venda de serviços para o continente, este ampliar da função do Ella Link já tem isso também previsto?
Exactamente. O negócio traz negócio, mas essa questão que acaba de colocar é fundamental para a viabilização do cabo. O retorno para os 30 milhões de dólares implica, não só atendermos à nossa procura interna – que é pouca, hoje em dia o nosso gateway está à volta de 15 gigas, rapidamente vai chegar aos 20, mas repare que só nesta primeira fase estamos a adquirir 200 gigas em direcção à Europa, e 200 gigas em direcção ao Brasil, e podemos comprar a capacidade que quisermos nesses dois troços. Portanto, para recuperar o investimento teremos de ter, forçosamente, a venda de capacidade para outros destinos.
Já têm contactos?
Já temos contactos. Aliás, o Ella Link, nos contactos que tem com outros interessados sempre diz que Cabo Verde é que é o ponto de negócio.
Vamos falar um pouco da disrupção do negócio das telecomunicações, e falamos das OTT [Over The Top, no fundo, conteúdo transmitido pela internet, seja ou não ao vivo]. O fenómeno continua, está a provocar a queda do tráfego internacional [de 892 mil contos em 2013 para 297 mil contos em 2018], ou do roaming [678 mil contos em 2013, 231 mil contos em 2018], e a minha questão é: como se enfrenta esta situação?
É um grande desafio. A digitalização afectou todos os sectores de actividade, apanhando alguns em primeiro lugar. Por exemplo, os correios foram os primeiros a serem afectados, mas hoje estão a conseguir superar porque a própria digitalização trouxe a oportunidade do comércio electrónico, com os correios a adaptarem-se e a transformarem-se, praticamente, numa empresa de logística. As telecomunicações foram altamente afectadas e continuam a ser afectadas pelas chamadas OTT e por novas empresas que entraram no mercado como a Google, que já entrou há muito tempo nos cabos submarinos internacionais, o Facebook, a própria Amazon está a adaptar-se. Portanto, a digitalização leva a uma coisa que aprendemos há muito tempo, basta ter uma competência que consegue muita versatilidade e muita flexibilidade no atendimento do mercado. Tendo competências digitais não há limites para as suas actividades. Estamos em plena revolução digital e não sabemos onde vamos parar. Até a solução que tínhamos até ao momento, o bit e o byte, será substituída pelo qubit [bit quântico]. As operadoras têm de se adaptar a esse ambiente e nisto entra o ciclo mundial do produto, isto é, estas revoluções digitais não apanham os países em igual momento. Os EUA já estão num determinado momento tecnológico, enquanto Cabo Verde, ou o Senegal, ou Gana, estão noutro momento.
E como se responde a essas mudanças?
Repare que de 1991 a 1994, quando fui presidente dos CTT, a minha preocupação era ver se os pagamentos resultantes do tráfego internacional já tinham chegado, o de saída era pequeno, mas o de entrada era grande e desse resultado positivo viriam transferências para a nossa tesouraria. Nos tempos mais recentes, pelo contrário, temos quedas substanciais, como referiu, no tráfego internacional, temos quedas grandes em roaming e temos o abaixamento do retalho móvel. Esses três factores fizeram com que o volume de negócios final da empresa tivesse uma grande queda. Hoje, começamos a recuperação pela nossa estratégia de colocação da empresa nas novas receitas.
Estamos a falar de quê?
Bom, não lhe posso dizer tudo (risos).
Mas quais são as áreas das novas receitas?
Por exemplo, empresariais, onde há uma grande dinâmica e onde acompanhamos o investimento privado. No retalho móvel deixámos de ter quebras para ter novo crescimento e posso dizer-lhe que no ano de 2019, pelos resultados que já temos, a CVTelecom inverteu a tendência de baixa para termos um crescimento – ainda pequeno, mas crescimento – no volume de negócios da empresa.
Ainda dentro desta questão, e de acordo com o que me possa dizer, têm mais áreas identificadas, além das referidas? E pergunto-lhe porque há operadoras de telecomunicações que estão a estudar a entrada, por exemplo, no sector bancário.
As empresas adaptam-se sempre ao mercado, desde que tenham competências. Essa competência leva a que a empresa tenha capacidades de mudança. Há pouco dei-lhe o exemplo dos correios, porque ao mesmo tempo que a digitalização representa uma ameaça, também traz oportunidades. O certo é a empresa reconhecer essas oportunidades e saber adaptar-se para tirar partido delas, essa é a grande questão. Isso implica também grandes revoluções internas, por exemplo, os talentos, o novo perfil dos colaboradores que essa revolução digital exige. O primeiro desafio de adaptação é a percepção e a nova atitude dos trabalhadores, em como aquilo que ontem era válido hoje já não é. E é claro que temos de ter sempre em conta o tal ciclo do produto mundial, uma coisa é o que está a passar-se nos EUA, outra é o que está a passar-se em Cabo Verde. E temos de ter em conta o rendimento das famílias, o rendimento das empresas e tem de saber muito bem qual é o tipo de oferta que os clientes querem.
Essas questões fazem com que, por vezes, se tenham de ter ofertas em espera porque o mercado não está ainda preparado para as receber?
Isso é verdade, mas acontece no mundo e não só em Cabo Verde. Muitas vezes a oferta tecnológica está muito mais avançada do que a apetência do mercado, foi o que aconteceu com o 3G, que demorou muito tempo para se consolidar no mercado porque a tecnologia estava à frente do mercado. Em Cabo Verde, por exemplo, olhemos para o comércio electrónico, representa apenas 3%, é residual, as plataformas digitais são ínfimas, ou seja, há questões no país que têm de ser trabalhadas para que o mundo digital, no seu todo, acompanhe essa evolução mundial. É claro que a clientela é racional, hoje há uma corrida à fibra óptica e é óbvio que a empresa tem de adaptar-se a essa apetência aumentando a cobertura e melhorando no preço. Por exemplo, hoje já não distinguimos a Internet via cobre da via fibra, é o mesmo preço. E ao contrário do que se disse, o nosso preço não é de 7.000$00, por isso apelo a que as pessoas conheçam melhor o mercado antes de vir falar sobre ele.
Apesar das diferenças entre países, como referiu, como analisa o momento tecnológico actual no país?
Penso que se aproximam tempos interessantíssimos. O que está a acontecer resulta da apetência do cabo-verdiano para a tecnologia, esse é um dos pontos positivos do nosso mercado, desde logo porque tem uma grande diáspora. O cabo-verdiano sabe o que está a acontecer nos EUA, os investidores externos sabem o que se passa nos outros países e esse é, inclusive, um elemento de pressão sobre a CVTelecom, porque comparam qualidade, preços, etc. Essa apetência leva a que, rapidamente, o que se passa lá fora chegue a Cabo Verde. Quando falo no ciclo do produto é porque determinadas ofertas ou soluções tecnológicas ainda não estão no mercado cabo-verdiano, como por exemplo a Internet das Coisas, ou os frigoríficos inteligentes.
Em todo este contexto, de aposta no Cabo Verde digital, até onde acha que pode chegar a ambição do país?
As tecnologias representaram uma viabilização de Cabo Verde como país independente. Antes, a dimensão era um valor e o mercado interno de países como os EUA, a Rússia, ou o Brasil, era a solução para os seus problemas. Hoje, existe um mundo global e a competência tecnológica é um elemento de viabilização de Cabo Verde. A transformação da geopolítica em valor económico implica a utilização das tecnologias e é nisso que está o veículo chamado CVTelecom. Muita gente ataca a CVTelecom e não sabe que está a atacar um grande veículo de viabilização de Cabo Verde como país independente, porque em tudo na vida é preciso ter um veículo. E é importante que haja uma gestão da CVTelecom que tal compreenda e para tal trabalhe, independentemente daquilo que é politiquice partidária. Aqui fazemos política empresarial. Veja o grande esforço de investimento, não há muitas empresas que invistam 25 milhões de dólares todos os anos, e, de repente, temos um investimentos de 25 milhões de dólares no cabo submarino e mais 5 milhões nas construções internas, num rompante investem-se oito milhões de dólares para modernizar a rede de cabos submarinos inter-ilhas, investe-se na rede 4G, investe-se na rede de fibra óptica, investe-se nos sistemas de informação que vão dar inteligência a toda essa rede. Uma empresa que está a ter esse papel, que emprega mais de 400 trabalhadores, que paga impostos ao Estado – seja através do IVA, seja impostos sobre lucros – uma empresa como essa merece estar a ser atacada como está a ser? Tomamos nota, mas a nossa concentração é no país e nos seus interesses.
Que inovações podemos antecipar para o sector em Cabo Verde?
Várias, como o cloud, o mobile banking, a mobilidade na televisão. Estamos a preparar ofertas muito inovadoras, acompanhamos o que de mais inovador se faz lá fora, se aquilo que se faz lá fora é bom para Cabo Verde, trazemos. Não trazemos apenas a tecnologia 4G, fazemos acompanhar essa tecnologia de novas ofertas e gradualmente vamos lançando essas ofertas no mercado. Em relação à fibra óptica, idem.
Em relação à regulação houve sempre várias questões que foi abordando nos últimos anos, desde o licenciamento do 4G, passando pelas OTT, os operadores não licenciados, as taxas regulatórias. E hoje, como estão as relações com o regulador?
Sobre essa matéria não vou fazer nenhum juízo de valor. em determinado momento terei de tomar uma posição sobre a regulação, mas neste momento prefiro que as questões sejam tratadas internamente.
Mas as questões referidas mantêm-se?
Há muitas delas que se mantêm e estão em análise, e é por isso que não me vou pronunciar porque prefiro soluções dentro do sistema. Mas dir-lhe-ei que, a par das questões internas, o maior problema da CVTelecom está no seu ambiente externo.
Como por exemplo?
No devido tempo direi, caso não se encontrem as soluções, que estão a ser trabalhadas.
Fazendo a questão de outra forma, a sustentabilidade do sector tem menos nuvens escuras no horizonte?
A sustentabilidade do sector já esteve muito melhor, porque houve situações de disrupção nos preços, o que eu chamei de preços subsidiados, isto é, preços que não vinham do negócio. Mas são questões que o próprio mercado vai resolvendo. O que é certo é que o consumidor já se habituou a um certo nível de preços, não se mexe nisso do dia para a noite, e serão as próprias empresas a encontrar as respostas para esses desafios, nomeadamente a nível interno, através de uma maior eficiência operacional, de uma maior produtividade, para que tenha uma maior competitividade no mercado. Toda essa situação do mercado levou a que a CVTelecom tomasse medidas internas de melhoria substancial da sua eficiência operacional com reflexos na sua produtividade.
Uma última questão, como imagina a CVTelecom e o país dentro de mais 25 anos?
Um país digital, uma cyber island, um país cuja revolução tecnológica leve ao sucesso da sua economia, uma economia moderna em que a digitalização seja a palavra-chave. Mas também um país onde, para que isso aconteça, as empresas têm de rapidamente adaptar-se aos novos tempos e com a CVTelecom ao serviço disso tudo, que seja um elemento dinamizador do processo de digitalização de Cabo Verde, ganhando o país e ganhando a empresa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 951 de 19 de Fevereiro de 2020.