Mercado do trabalho : Efeitos do coronavírus no emprego

PorSheilla Ribeiro,27 set 2020 8:42

Os dados do Instituto de Apoio e Promoção Empresarial (Pró-Empresa) apontam que até o início de Setembro mais de 800 empresas foram forçadas a aderir ao regime de lay-off, lançado pelo Governo para mitigar as consequências da pandemia de COVID-19. Com isso, mais de 16 mil trabalhadores tiveram, por causa da pandemia, seus contratos suspensos, sobretudo nas ilhas onde o turismo tem maior peso, mais precisamente no Sal e na Boa Vista. Há ainda, um pouco por todo o País, aqueles que foram demitidos.

Segundo a Organização Mundial do Turismo (UNWTO, sigla em inglês), os fluxos internacionais de turistas deverão ter uma queda de 22% no ano de 2020, assim como deverão decrescer entre 20% e 30% as receitas geradas no sector.

As ilhas do Sal e da Boa Vista, por serem as mais turísticas, muito por conta das praias paradisíacas e dos grandes estabelecimentos hoteleiros que trazem pessoas um pouco de todo o mundo, sempre receberam pessoas oriundas de todas as outras ilhas à procura de emprego nas áreas de hotelaria e restauração.

Até alguns meses atrás era inimaginável que os pontos mais turísticos do país como a praia de Santa Maria ou as dunas da ilha da Boa Vista, que costumam atrair multidões, ficassem vazias. Mas as medidas de prevenção à COVID-19, uma delas o distanciamento social, fizeram acontecer o que não era esperado. E como consequência, muitos tiveram de regressar às suas ilhas de origem. Alguns ainda pensam voltar, isso se o fluxo de turistas voltar, como é o caso de Eunice Monteiro.

Esta entrevistada, natural da ilha de Santiago, foi aventurar-se na ilha do Sal logo que terminou de completar o 12º ano de escolaridade em 2016. Segundo conta ao Expresso das Ilhas, o seu primeiro emprego foi num Bar/Restaurante, onde aprendeu a servir mesas, fazer coquetéis e falar “um pouco” o inglês.

“Num espaço de dois meses já sabia fazer tudo, o mais difícil foi o inglês, mas estava melhor do que quando saí do liceu. Passado algum tempo, com a experiência logo arranjei um trabalho em que passei a ganhar melhor e, assim sucessivamente, até que fui trabalhar no restaurante do Hilton Cabo Verde Sal Resort”, narra.

Com o aumento do número dos casos de infectados pelo novo coronavírus, muitos dos colegas de Eunice foram demitidos, outros tiveram os contratos de trabalho suspensos. Eunice Monteiro ficou no grupo dos contratos suspensos e regressou à sua ilha de origem, em Junho. Depois de tudo, pensa regressar ao Sal pelo continua a pagar a renda do quarto onde habitava.

“Vivo numa casa que tem três quartos, três cozinhas e duas casas de banho. O quarto que ocupo custa 10 mil escudos mensais. A última vez que eu recebi o salário foi no mês do Maio e tenho pago a renda com a pouca reserva que tinha. Já está a acabar e já começo a ficar aflita”, admite.

A vontade de começar a trabalhar fez com que Eunice planeasse o regresso à ilha do Sal em finais de Setembro já que num grupo de WhatsApp os colegas que ali ficaram informaram-na de que o hotel vai abrir as portas no próximo dia 1 de Outubro.

“Os meus patrões não me disseram nada sobre as coisas voltarem a funcionar, ainda assim vou regressar logo de modo a entrar em contacto com eles e ver o que vai acontecer. Regressar ao Sal agora é um risco que vou ter de correr porque posso ir e as coisas não funcionarem logo e vou ter gastado o meu pouco dinheiro”, reflecte.

Ficar na Praia não é uma opção para esta jovem mãe que há alguns anos tentou trabalhar na capital, depois de ter vivido no Sal.

Fiz algumas entrevistas, mas os salários eram 13 mil escudos. Sinceramente, eu já não consigo trabalhar para ganhar esse valor sabendo que tenho uma filha para sustentar e a mim mesma. Este vencimento não é suficiente nem para a minha filha, imagina para nós duas. Mesmo que na Praia não tenha de pagar renda por viver com a minha mãe, já não consigo trabalhar aqui porque o que eu ganho no Sal, mesmo que o custo de vida seja mais caro, compensa e dá para viver tranquilamente”, considera.

Para ficar na Praia, enfatiza, somente se conseguir um emprego que pague pelo menos 20 mil escudos.

Regressar ou não regressar

Também natural de Santiago, depois de se formar em restauração, Evida Semedo foi viver na ilha do Sal onde permaneceu durante três anos. Há três meses, depois de ter o contracto de trabalho suspenso, regressou para a casa da mãe.

“Trabalhava num hotel e dividia a casa com uma colega. Pagávamos 14 mil escudos de renda, compramos toda a mobília, mas quando tive de regressar deixei tudo ali no caso de um dia voltar. Então, mesmo estando na Praia pago a casa para que a mobília tenham onde ficar”, explica.

Depois que chegou à Praia, conta, começou a procurar emprego, todavia, até agora, diz, não encontrou nada. Por enquanto, não tem a certeza se quer, ou não, regressar ao Sal, ao menos que encontre um trabalho com um salário que compense.

“Aqui vivo com a minha família e estou meio dependente deles, recebo 70% do salário porque estou com o contrato do trabalho suspenso. Enquanto não disserem se vou ter ou não o meu salário de volta vou pagando a renda de casa no Sal. Mas não estou a pagar como antes porque alguns amigos que ainda estão no Sal ficaram na casa e dividimos a renda entre nós. Pago só para poder ter onde pôr as minhas coisas”, diz.

Segundo Evida Semedo, foram muitos os que regressaram para a ilha de Santiago, ou porque perderam o emprego, ou porque viram os contratos suspensos, e aqueles que tiveram um pouco mais de sorte já trabalham.

Em São Nicolau

Assim como a ilha de Santiago, a ilha de São Nicolau recebeu muitos jovens nativos oriundos das ilhas do Sal e Boa Vista após perderem o emprego. Em Junho deste ano, no quadro da iniciativa Acolher, Integrar e Recomeçar (AGIR) da Antena Jov@ Emprego-São Nicolau, em parceria com a Câmara Municipal da Ribeira Brava, recebeu os jovens regressados dessas ilhas.

O encontro serviu para auscultar as necessidades e planos futuros desses jovens, para além de se dar a conhecer as ofertas formativas disponíveis, as oportunidades de investimento nas áreas de turismo, agricultura e pescas. Por outro lado, o encontro visava falar das ofertas das linhas de crédito, de modo a elaborar um plano de acção conjunto para apoiar aqueles que pretenderem fixar-se no concelho.

Carla (nome fictício) é uma dos muitos jovens que estão de volta à São Nicolau.

“Eu trabalhava na Boa Vista, trabalho aí desde 2012 num hotel que agora está parado por causa da COVID-19, sou pasteleira. Voltei para São Nicolau agora em Junho. Sem trabalho não dava para ficar”, revela.

Para esta jovem da terra do Chiquinho fixar-se na ilha está “fora de cogitação”. Por isso garante que logo que os estabelecimentos retomarem as suas actividades volta.

Em São Nicolau, Carla fica em casa da família e não lida com as despesas. Mas, na Boa Vista vive com a filha num quarto alugado. Mensalmente pagava 11 mil escudos pelo quarto. A casa de banho e a cozinha eram divididas com outras pessoas que habitavam os outros quartos.

“Para mim viver em São Nicolau custa tanto quanto viver na Boa Vista. Mesmo que não custasse, não pretendo deixar o meu trabalho na Boa Vista, sou de quadro. Eu sei que muitas pessoas voltaram para as suas ilhas de origem com a intenção de regressar à Boa Vista quando tudo voltar ao normal”, sublinha.

Uma outra sorte

Dercilene Silva regressou à Ribeira Dom João na ilha do Maio em Março, depois de perder o emprego num hotel na ilha do Sal, onde viveu desde Junho de 2019, depois de se ter formado na Escola de Hotelaria e Turismo de Cabo Verde (EHTCV).

Devido à pandemia parou de trabalhar e, antes de ser declarado o Estado de Emergência, retornou à sua ilha de origem.

“Sem trabalho não tinha nada a fazer no Sal já que o custo de vida é caro. Eu pagava 8 mil escudos por um quarto que dividia com uma outra pessoa. Sem trabalho fica tudo mais difícil pelo que decidi voltar para a minha ilha onde, pelo menos, não preciso preocupar-me com pagar a renda”, refere.

O quarto era mobiliado, por isso Dercilene não se preocupou em desfazer-se dos objectos. Ao chegar na ilha do Maio, começou a fazer e vender bolos de aniversário, casamento, iogurtes caseiros, pizza e outros petiscos.

“Pouco tempo depois, uma senhora que abriu um bar na Vila do Porto Inglês chamou-me para trabalhar com ela. Ultimamente, aqui no Maio têm vindo muitas pessoas da Praia passar o fim-de-semana, devido à pandemia, então temos trabalhado bem”, menciona.

Apesar de receber metade do que ganhava no Sal e da insistência do patrão para regressar, Dercilene Silva garante que mesmo que as coisas voltem ao normal, não vai deixar a sua ilha, levando em consideração que mesmo ajudando a mãe com os custos da casa, ainda sobra “um bom dinheiro”.

“Muitas colegas regressaram às suas ilhas e posso assegurar que da ilha do Maio foram muitos. Só no lugar onde estou a trabalhar somos sete que regressaram do Sal”, exemplifica.

A previsão do Governo é que crise gerada pelo novo coronavírus provoque a perda de 19.800 empregos este ano, a nível nacional. O sector mais afectado, segundo as previsões, é o turismo. A estimativa é terminar o ano com uma taxa de desemprego de 19,2% (da população activa), em comparação com os 11,3% verificados no final de 2019 e com os 11,4% inscritos no Orçamento do Estado ainda em vigor. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 982 de 23 de Setembro de 2020.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,27 set 2020 8:42

Editado porDulcina Mendes  em  6 jul 2021 23:21

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