À medida que a economia global inicia uma recuperação gradual, continua a incerteza à volta das perspectivas de curto e médio prazo. Por isso mesmo, entre as conclusões das reuniões da Primavera, encontros virtuais que decorreram na passada sexta-feira, saiu a necessidade de continuar o apoio financeiro e técnico sustentado, diferenciado e direccionado para uma resposta política adequada. Foi ainda encorajada uma forte coordenação entre organizações bilaterais e multilaterais e maior apoio ao sector privado. “Pedimos ao Banco Mundial que continue a apoiar os países na conquista do duplo objectivo: erradicar a pobreza extrema e impulsionar a prosperidade compartilhada e promover o desenvolvimento verde, resiliente e inclusivo, bem como apoiar os ODS”, lê-se no comunicado final.
O Comité de Desenvolvimento deixou várias mensagens claras. Uma delas, é que os efeitos da crise serão sentido durante anos. Outra, a entrega oportuna de vacinas seguras e eficazes em todos os países é fundamental para acabar com a pandemia, especialmente à medida que surgem novas variantes. “Os países em desenvolvimento”, referem, “precisam de fortalecer a sua prontidão para campanhas de vacinação e desenvolver estratégias coordenadas para alcançar as populações vulneráveis”. A pandemia deu origem consequências que vão prolongar-se no tempo, pelo que, refere o Comité, deve fortalecer-se a preparação global para futuras pandemias e, ao mesmo tempo, progredir na construção de sistemas de saúde robustos e com cobertura universal.
Os países mais pobres estão a enfrentar a crise com maiores restrições de recursos, espaço fiscal limitado e níveis crescentes de dívida pública, muitos deles, incluindo os pequenos estados, estão vulneráveis ao stress financeiro. A rápida resposta inicial, a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (conhecida pela sigla DSSI) facultou a liquidez necessária, mas tal não é ainda suficiente. Segundo o Comité de Desenvolvimento, “todos os credores bilaterais oficiais devem implementar esta iniciativa de forma plena e transparente”. Em linha com a decisão do G20, o Comité apoia o prolongamento do DSSI por mais 6 meses, até o final de Dezembro deste ano. “Esta extensão”, refere o comunicado, “permitirá que os países beneficiários mobilizem mais recursos para enfrentar os desafios da crise e, quando apropriado, passar para uma abordagem mais estrutural para lidar com as vulnerabilidades da dívida”.
Os apoios do Banco Mundial e do FMI continuam críticos para melhorar a gestão da dívida e a transparência, fortalecer a mobilização de receitas internas dos países e a eficácia de gastos e combater os fluxos financeiros ilícitos. “Olhando para o futuro, insistimos junto do Banco e do FMI para ajudarem os países a formular e a implementar políticas para enfrentar as causas profundas da dívida excessiva e insustentável”.
Um sector privado vibrante será essencial para que os países recuperem, criem empregos e adoptem a transformação económica. Daí o apelo do Comité de Desenvolvimento, para que o Banco Mundial continue a ajudar a atrair capital e finanças privados e a apoiar o sector privado. “A IFC” [International Finance Corporation – Corporação Financeira Internacional, instituição global, membro do Grupo Banco Mundial, que ofereça serviços de investimento, consultoria e administração de activos para incentivar desenvolvimento do setor privado em países menos desenvolvidos] “deve continuar a ajudar as empresas a criar empregos, preservar negócios viáveis, adaptar-se às mudanças trazidas pelo COVID e procurar uma recuperação verde”.
A próxima reunião do Comité de Desenvolvimento está programada para 15 de Outubro deste ano, em Washington.
Os recados de David Malpass, presidente do Banco Mundial
Antes das reuniões da Primavera, David Malpass discursou na London School of Economics e aproveitou o palco dado pela conceituada universidade pública britânica, para abordar alguns dos temas que têm acompanhado a sua liderança: clima, dívida e desigualdade, a que se acrescenta o actual contexto de pandemia. O Expresso das Ilhas escolheu algumas partes da intervenção do presidente do Banco Mundial.
“Mais de um ano depois do início da pandemia, a escala da tragédia não tem precedentes: 127 milhões de infecções, 2,8 milhões de mortes, mais de 100 milhões de pessoas empurradas para a pobreza extrema, o equivalente a 250 milhões de empregos perdidos e um quarto de bilião de pessoas levadas à fome aguda. Além dos danos imediatos, a COVID-19 está a deixar ‘cicatrizes’ duradouras: escolas fechadas e atrofia física das crianças; empresas em colapso e empregos perdidos; o esgotamento de economias e activos; e endividamento excessivo que reduzirá o investimento e os gastos sociais urgentes”.
“A COVID-19 caiu sobre os pobres como um incêndio. A pandemia dividiu-se em várias crises de combustão lenta - conflitos e violência crescentes, campos de refugiados, rendimento médio estagnado, empréstimos imprudentes, contratos de dívida mal escolhidos e danos causados pelas mudanças climáticas. Como essas crises aconteceram em velocidades diferentes, a tendência natural foi enfrentá-las separadamente - uma de cada vez, sem atenção suficiente às ligações cruzadas que poderiam ter permitido uma resposta mais eficaz”.
“O clima apresenta vários, e grandes, desafios e oportunidades para economia, finanças e desenvolvimento. Eu gostaria de mencionar vários e encorajar a discussão pública. Primeiro, como está o mundo a ajudar os países mais pobres a fazer grandes investimentos em bens públicos globais, como a redução do uso de carvão? Os custos devem ser compartilhados por todos? Se sim, como? Como podem os incentivos nacionais ser alinhados e financiados para ajudar as pessoas na transição para combustíveis e empregos mais verdes, por exemplo, usando impostos sobre carbono e gasolina? Como podemos medir adequadamente os custos e os benefícios do ciclo de vida completo de várias opções de políticas climáticas? Como podem as pessoas nos países mais pobres fazer as adaptações necessárias, mas caras, às mudanças climáticas e como podem preparar-se da melhor maneira para futuras pandemias e desastres naturais - sabendo que a preparação é muito melhor do que a ajuda humanitária após os desastres?”
“Muitos dos países mais pobres enfrentam cargas de dívida recordes. Mesmo antes da pandemia, o relatório do Banco Mundial sobre Ondas Globais de Dívida descobriu que metade de todos os países de rendimento baixo estavam já em situação de sobreendividamento ou em alto risco. A pandemia apenas exacerbou o peso da dívida sobre as pessoas”.
“Todos os dias, altos pagamentos do serviço da dívida desviam recursos escassos que poderiam ser usados para necessidades urgentes: saúde, educação, nutrição - e também ação climática”.
“Até agora, o alívio da dívida foi menor do que o previsto porque nem todos os credores participaram. E, o que é mais preocupante, os detentores de títulos e outros credores privados continuaram a cobrar reembolsos integrais durante a crise”.
“A nossa resposta à pobreza, às mudanças climáticas e à desigualdade definirá as escolhas da nossa época. A desigualdade atinge mais os trabalhadores informais e os mais vulneráveis. (…) O peso da dívida, geralmente, cai sobre os pobres”.
“A COVID-19 trouxe-nos a uma encruzilhada. Nas nossas escolhas políticas, ao olharmos para o futuro, podemos evitar erros do passado. Para reparar os danos, precisaremos de estratégias integradas de longo prazo que enfatizem o desenvolvimento verde, resiliente e inclusivo. Isso deve estar alinhado com a necessidade de políticas que ajudem os países a aumentar a alfabetização, reduzir o atraso no crescimento e a desnutrição, garantir o acesso à água potável e à energia e fornecer melhores cuidados de saúde. Devemos ajudar os países a prepararem-se para futuras pandemias. Precisamos ajudá-los a acelerar o desenvolvimento e a adopção de tecnologias digitais”.
“Hoje, temos uma oportunidade histórica de mudar: melhorar os resultados do desenvolvimento, superar os perigos crescentes das mudanças climáticas, da desigualdade sistémica, da instabilidade social e dos conflitos. Nos nossos esforços para reconstruir, podemos gerar uma recuperação que garanta um aumento amplo e duradouro da prosperidade, especialmente para os mais pobres e marginalizados. É uma oportunidade que não podemos deixar passar”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1011 de 14 de Abril de 2021.