Covid-19 e a crise económica: A maior recessão em um século

PorJorge Montezinho,12 jul 2020 20:11

De mês para mês as previsões económicas são mais pessimistas. Para Cabo Verde é esperada uma queda do PIB que pode chegar aos -6%, para a África subsaariana as perdas esperadas podem chegar aos 79 mil milhões de dólares. Mas nem tudo é negativo, no meio deste cenário tão sombrio, a crise é também uma oportunidade para acelerar a transição para um crescimento mais produtivo, sustentável e equitativo, isto se o investimento for direccionado para as novas tecnologias verdes e digitais e se a rede de protecção social for alargada.

“Estamos a atravessar um momento muito difícil e as famílias, principalmente as mais vulneráveis, acabam por ser as mais prejudicadas por esta situação”, diz ao Expresso das Ilhas Olavo Semedo, vice-presidente da Associação de Jovens Economistas de Cabo Verde, palavras que vão ao encontro das últimas projecções do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

A pandemia de COVID-19 empurrou as economias para uma paralisação total que ajudou a conter o vírus e salvar vidas, mas também desencadeou a pior recessão desde a Grande Depressão. Mais de 75% dos países estão agora em processo de reabertura e vários já começaram a recuperar, mas, na falta de uma solução médica, a solidez da recuperação é altamente incerta e o impacto sobre os sectores e países é desigual.

Em comparação com as previsões do World Economic Outlook de Abril, as projecções actuais do Fundo Monetário Internacional apontam para uma recessão mais profunda em 2020 e uma recuperação mais lenta em 2021. O produto mundial deverá cair 4,9% em 2020 – ou seja, 1,9 pontos percentuais abaixo da previsão de Abril – seguido de uma recuperação parcial, com crescimento de 5,4% em 2021. Estas projecções implicam uma perda acumulada superior a 12 triliões de dólares para a economia mundial no biénio 2020–21.

No fundo, a revisão em baixa das previsões, num curto espaço de três meses, reflecte os resultados piores do que os previstos no primeiro semestre deste ano, a expectativa de distanciamento social mais persistente no segundo semestre e os danos no potencial de oferta.

A grande incerteza

Essa previsão envolve ainda um alto grau de incerteza, com a possibilidade de materialização das perspectivas mais optimistas ou mais das pessimistas. Do lado positivo, vão aparecendo boas notícias sobre vacinas e tratamentos, além de novas políticas de apoio, que podem levar a uma retoma mais rápida da actividade económica. Do lado negativo, há novas ondas de infecção que podem reverter o aumento da mobilidade e dos gastos, além de apertar rapidamente as condições financeiras, desencadeando uma situação de sobrendividamento.

As tensões comerciais e geopolíticas podem também prejudicar as frágeis relações internacionais, numa altura em que se prevê um colapso do comércio em cerca de 12%.

Uma recuperação como nenhuma outra?

A dimensão nunca vista desta crise global dificulta as perspectivas de recuperação das economias que dependem das exportações e ameaça as perspectivas de convergência de rendimento entre as economias em desenvolvimento e as avançadas. O FMI projecta uma desaceleração profunda e sincronizada em 2020, tanto nas economias avançadas (-8%) como nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento (-3%; -5% se excluirmos a China), e um crescimento negativo do rendimento per capita em mais de 95% dos países. O impacto acumulado no crescimento do PIB em 2020–21 deve ser maior nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, excluída a China, do que nas economias avançadas.

À medida que os países reabrem, a retoma da actividade é também desigual. Por um lado, a procura reprimida nestes últimos meses está a levar a uma escalada de gastos em alguns sectores, como o comércio; por outro lado, os sectores de serviços, como hotelaria, viagens e turismo, continuam deprimidos. Os países que dependem fortemente destes sectores, diz o FMI, provavelmente sentirão um impacto profundo e prolongado.

Também o mercado de trabalho tem sido atingido duramente e a um ritmo inédito, afectando, essencialmente, os trabalhadores de baixo rendimento e pouco qualificados, que não têm a opção do teletrabalho. A actividade em sectores que fazem uso intensivo de mão de obra, como o turismo e a hotelaria, deve continuar pressionada, pelo que a recuperação plena do mercado de trabalho pode levar algum tempo, agravando a desigualdade de rendimento e aumentando a pobreza.

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“Vejo a questão da recuperação em duas perspectivas, para Cabo Verde”, diz ao Expresso das Ilhas Olavo Semedo, “primeiro, a recessão vai dar origem a muito desemprego; em segundo, vamos ter uma retoma da economia mais lenta. Se calhar, não tínhamos um turismo muito sustentável, um turismo pensado a longo prazo. Como se constatou, era um turismo que facilmente poderia sofrer um choque, e vemos isso no impacto que sofremos em apenas três meses”.

O apoio das políticas públicas

O apoio fiscal, a nível global, já soma mais de 10 triliões de dólares e a política monetária passou por uma flexibilização drástica graças a cortes de juros, injeções de liquidez e compras de activos. Em muitos países, essas medidas conseguiram amparar os meios de subsistência e evitar falências em larga escala.

Esse apoio excepcional, sobretudo por parte dos principais bancos centrais, também impulsionou uma forte recuperação das condições financeiras, apesar, sublinha o FMI, dos resultados reais desanimadores. Ao impedir uma crise financeira, as políticas de apoio ajudaram a evitar resultados reais piores. Mas, ao mesmo tempo, ritmo diferente entre os mercados reais e os financeiros gera preocupações quanto a uma assunção de riscos excessiva e constitui uma vulnerabilidade significativa.

Ainda não estamos fora de perigo

A recomendação do FMI é que, dada a enorme incerteza, as autoridades devem manter-se atentas e adaptar as políticas à medida que a situação evolui. Ao mesmo tempo, os países devem zelar pela transparência e pelo rigor das contas fiscais, bem como pela independência da política monetária.

Uma prioridade é administrar os riscos para a saúde, mesmo com a reabertura dos países. Isso exige continuar a reforçar a capacidade do sector de saúde, fazer testes em massa, rastrear casos, manter o isolamento e praticar o distanciamento seguro (além de usar máscaras). Essas medidas ajudam a conter a propagação do vírus, asseguram ao público que é possível enfrentar novos surtos de forma ordeira e minimizam as perturbações económicas.

Nos países onde as actividades estão fortemente limitadas pela crise sanitária, as pessoas directamente afetadas devem receber apoio ao rendimento através do subsídio de desemprego, subsídios salariais e transferências de rendimento, enquanto as empresas prejudicadas devem receber apoio através de garantias de crédito e subsídios.

Esta é uma crise que também vai gerar desafios a médio prazo. A dívida pública deve atingir neste ano o nível mais alto da história em relação ao PIB, tanto nas economias avançadas como nas emergentes e em desenvolvimento. Os países vão precisar de quadros fiscais sólidos para a consolidação a médio prazo, por meio de cortes de gastos improdutivos, da ampliação da base tributária, da minimização da fuga fiscal e, em alguns países, de uma tributação mais progressiva.

Aliás, o governo cabo-verdiano prevê cortar, com a aprovação do Orçamento Rectificativo, 1,4% da massa salarial da função pública inicialmente orçamentada para este ano, equivalente a 324 mil contos, com cancelamentos de recrutamentos e suspensões de progressões, uma confirmação do que já tinha sido admitido, em Junho, pelo ministro das Finanças. “Nós temos de, enquanto Governo, tudo fazer para proteger os rendimentos, indo até ao limite. Mas tudo aquilo que for necessário cortar do ponto de vista das viagens, ajudas de custos, remunerações variadas, promoções, progressões, reclassificações, vão ser cortados e congelados. O que é um princípio normal em contextos adversos”, escreveu na altura Olavo Correia.

“Muitas famílias dependeram, e dependem, dos apoios sociais para sobreviver”, sublinha o vice-presidente da Associação de Jovens Economistas. “Essa intervenção do Estado é ainda necessária, mas chegará o momento em que não vai conseguir alocar mais verbas, ou corre o risco de se endividar de forma insustentável. Não podemos esquecer que houve um reforço de financiamento para a saúde, para o apoio das famílias mais vulneráveis, e isso não é fácil. É o grande desafio que estamos, e teremos, a enfrentar”.

O outro lado da recessão

Ao mesmo tempo, a crise também apresenta uma oportunidade para acelerar a transição para um crescimento mais produtivo, sustentável e equitativo mediante o investimento em novas tecnologias verdes e digitais e em redes de protecção social mais amplas.

“É o outro lado da crise”, salienta Olavo Semedo, “No dia à dia, temos visto pessoas motivadas para procurar outras formas de vender os seus produtos e os seus serviços através do online. Agora, temos ainda duas questões, uma é preparar melhor as pessoas, a outra é diminuir o fosso no acesso ao mundo digital. Mas não há dúvidas que, de uma forma geral, a área da tecnologia ganhou cada vez mais espaço e poderá ser a alavanca para o desenvolvimento de Cabo Verde e do mundo”.

O último enfoque, tando do FMI como do Banco Mundial, vai para a cooperação internacional, considerada por ambas as instituições imprescindível para enfrentar uma crise verdadeiramente global. Todos os esforços, dizem, devem ser empreendidos para resolver as tensões comerciais e tecnológicas, ao mesmo tempo em que se procura aperfeiçoar o sistema de comércio multilateral baseado em regras. O FMI garante que continuará a fazer todo o possível para garantir liquidez internacional suficiente, oferecer financiamento de emergência, apoiar a iniciativa do G-20 de suspensão do serviço da dívida e prestar assessoria e apoio aos países durante esta crise sem precedentes.

  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 971 de 8 de Julho de 2020. 

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Autoria:Jorge Montezinho,12 jul 2020 20:11

Editado pormaria Fortes  em  25 abr 2021 23:21

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