“Embora tenhamos procurado criar algum espaço fiscal reorientando os gastos e usando grande parte de nossos amortecedores externos, o impacto do choque não pode ser contido apenas pelos nossos esforços”, lê-se na carta, assinada pelo vice-primeiro-ministro, Olavo Correia, e pelo governador do Banco de Cabo Verde (BCV), João Serra, dirigida à directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva.
“A nossa análise preliminar mostra que a economia contrairá em 5,5% em 2020, com necessidades fiscais imediatas de pelo menos 10% do PIB (cerca de 192 milhões de dólares)” (cerca de 180 milhões de euros), acrescenta a carta, com data de 14 de Abril e que formalizou o pedido de financiamento de 32,3 milhões de dólares (30 milhões de euros) ao FMI.
Esse financiamento, para combater os efeitos da pandemia, servirá para reforçar o sector da saúde, segundo o Governo cabo-verdiano, ao abrigo do programa de Facilidade Rápida de Crédito (Rapid Credit Facility – RCF, na sigla em inglês), contando com uma taxa de juro de 0%, tendo sido aprovado pelo FMI na quinta-feira.
“A pandemia está a afetar gravemente a economia e a pressionar o orçamento e a balança de pagamentos. Embora o nosso país tenha registado apenas alguns casos de COVID-19 até ao momento, como uma economia dependente do turismo, a desaceleração económica global e as restrições de viagem associadas à pandemia estão a afectar gravemente a economia. As operadoras de turismo estimaram que as chegadas de turistas diminuirão em mais de 60% se a situação atual persistir até o final de Setembro”, lê-se ainda na carta.
A economia cabo-verdiana depende em 25% do turismo, tendo registado um recorde de mais de 800 mil turistas em 2019.
Cabo Verde conta actualmente com 88 casos da COVID-19, distribuídos pelas ilhas da Boa Vista (52), de Santiago (35) e de São Vicente (1). Um destes casos, um turista inglês de 62 anos – o primeiro diagnosticado com a doença no país, em 19 de Março -, acabou por morrer na Boa Vista, enquanto outro dos doentes já foi dado como recuperado.
Na carta ao FMI, o Governo e o BCV reconhecem que o impacto da pandemia “também está a ser sentido no adiamento das decisões de investimento doméstico e no declínio do investimento directo estrangeiro e das remessas” de emigrantes.
“As receitas do Governo também foram reduzidas significativamente, perante a necessidade urgente de aumentar os gastos em saúde e assistência social”, acrescentam os dois responsáveis na mesma carta, em que se comprometem junto do FMI a assinar um memorando de entendimento para “esclarecer” as “responsabilidades” de cada parte e prevendo um processo de avaliação dos compromissos a assumir com este financiamento.
O Governo e o FMI iniciaram em Julho último um programa de assistência técnica através do Instrumento de Coordenação de Políticas (PCI, na sigla em inglês), envolvendo o apoio técnico a uma reforma fiscal e à privatização de várias empresas, sem envolver envelope financeiro.
Na missiva à directora-geral do FMI, o Governo garante permanecer “totalmente comprometido com os objectivos estabelecidos” no PCI, embora admita que “algumas metas quantitativas precisam de ser reavaliadas no contexto da próxima revisão”.
“Assim que a crise diminuir, continuaremos implementando políticas e reformas para aumentar as receitas domésticas e conter os gastos públicos para ajudar a fortalecer a posição fiscal (…) e reduzir o peso da dívida”, lê-se.
“O Governo também continuará com os planos para concluir a reestruturação e privatização de empresas públicas e melhorar o ambiente de negócios para promover o crescimento e reduzir a pobreza”, acrescentam.
Na carta, o Governo cabo-verdiano assume que “implementará uma política fiscal mais flexível, orientada pela disponibilidade de financiamento e sustentabilidade da dívida de médio prazo”, acrescentando que “para ajudar o sector privado a mitigar o impacto da pandemia”, fornecerá garantias de empréstimos no valor de 30 milhões de dólares (27,8 milhões de euros) e “programas de pagamento flexíveis” de impostos, entre outras medidas “para garantir o emprego e a renda dos trabalhadores no sector formal da economia”.
O Governo prevê aprovar até Junho um novo Orçamento do Estado, para fazer face ao novo quadro económico do país.
A nível global, segundo um balanço da AFP, a pandemia de COVID-19 já provocou mais de 190 mil mortos e infectou mais de 2,6 milhões de pessoas em 193 países e territórios.