Fundo Soberano de Garantia vai aumentar a dívida pública em 5,7% - FMI

PorJorge Montezinho,3 mai 2020 8:05

O alerta está no último relatório do Fundo Monetário Internacional. O fim do Trust Fund e o uso dos seus recursos para a criação do Fundo Soberano de Garantia e do Fundo de Emergência foram analisados no documento.

O governador do Banco de Cabo Verde, João Serra, já tinha alertado que a dívida pública ia subir, pelo menos a prazo, quando foi ouvido pela Comissão Especializada de Finanças e Orçamento, em Março do ano passado, na Assembleia Nacional, exactamente para falar da Proposta de Lei que extinguia o International Support For Cabo Verde Stabilization Trust Fund e autorizava a troca dos Títulos Consolidados de Mobilização Financeira detidos pelo Banco de Cabo Verde por Títulos do Tesouro. Agora, é o FMI a levantar algumas dúvidas.

Em 1998, no quadro do Programa de Reformas Económicas com o objectivo de sanear a dívida pública interna, foi criado o Trust Fund cabo-verdiano. Em dois anos, entre 1998 e 2000, foram desembolsados para o Trust Fund cerca de 100 milhões de dólares, principalmente dinheiro das privatizações e donativos de parceiros externos. Estas contribuições serviram para transformar as obrigações do tesouro na posse das instituições do sistema financeiro - Banco Central (4,6 milhões de contos); BCA (6,4 milhões de contos); INPS (328 mil contos); e a seguradora Garantia (22 mil contos) - em Títulos Consolidados de Mobilização Financeira (TCMF).

O Artigo 19° da Lei n° 70/98, de 17 de Agosto, determinava que “o Estado obriga-se a adquirir os TCMF num período máximo de 20 (vinte) anos a contar da data da aprovação” dessa Lei, pelo que a totalidade dos TCMFs emitidos deviam ter sido recomprados pelo Estado até 17 de Agosto de 2018. O que não aconteceu.

No final do período de 20 anos, foi decidido, após negociações com os detentores dos títulos, fechar o Trust Fund e usar os recursos para criar um Fundo Soberano de Garantia de Investimento Privado, no seguimento de uma proposta originalmente apresentada no Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS) do governo em 2017, e um Fundo de Emergência, necessário para apoiar a preparação do governo nas respostas a choques relacionados com as alterações climáticas. O Parlamento aprovou uma lei, no final de 2018, segundo a qual os TCMFs seriam substituídos por novos títulos a serem amortizados em 20 anos e remunerados a uma taxa de juros de até 3%. Nesta base, os TCMFs detidos pelo Garantia foram resgatados, em Janeiro de 2019; e o INPS recomprou títulos do BCA. Em Junho de 2019, o Parlamento aprovou a lei que cria o Fundo Soberano, que entrou em vigor no início de Agosto de 2019, após promulgação pelo Presidente da República. No final de Dezembro de 2019, os TCMFs eram detidos pelo BCV (4,6 milhões de contos) e pelo INPS (6,7 milhões de contos).

Os fundos que ainda não existem

No final de 2019, a conta no exterior tinha 106 milhões de euros; e os passivos correspondentes totalizaram 102,7 milhões de euros (5,7% do PIB). O plano das autoridades é usar os recursos da conta offshore para configurar o Fundo Soberano de Garantia (90 milhões de euros) que serão investidos e usados para dar garantias a projectos de investimento privado com uso intensivo de capital; e um Fundo de Emergência (10 milhões de euros) para resposta rápida a desastres naturais. Sob esse plano, o Fundo Soberano emitirá um título para o Tesouro, e o Tesouro emitirá títulos a uma taxa de juros de 3% para substituir os TCMFs. As modalidades finais da substituição do TCMF e os parâmetros relacionados aos novos títulos serão esclarecidos na estratégia que ainda está em preparação.

O FMI chegou a um entendimentos com as autoridades cabo-verdianas sobre a necessidade de se preparar de uma estrutura conceptual abrangente antes que o Fundo Soberano esteja operacional. Durante as discussões, o governo explicou que o uso de recursos do Trust Fund para estabelecer o Fundo de Garantia e o fundo de emergência foi impulsionado por três factores principais: (i) ajudar a facilitar o acesso ao financiamento para investimentos privados intensivos em capital; (ii) evitar inundar um sistema bancário já superlíquido, com 5,7% do PIB, se os recursos do Trust Fund fossem usados para reembolsar imediatamente os TCMFs; e (iii) melhorar a preparação do país para responder a choques exógenos. O governo cabo-verdiano disse ao FMI que estes recursos representam uma oportunidade única para Cabo Verde apoiar o desenvolvimento do sector privado e melhorar as perspectivas de crescimento.

No entanto, do ponto de vista do Fundo Monetário Internacional, há vários aspectos do Fundo de Garantia Soberano que suscitam preocupações, principalmente no que diz respeito a riscos quase-fiscais potenciais se forem necessárias garantias, incertezas sobre os rendimentos do fundo em relação à cobertura dos passivos e uma possível incompatibilidade entre activos e passivos decorrentes da alocação de recursos do Trust Fund.

No seguimento destas questões, a equipa do FMI solicitou uma abordagem mais abrangente para que haja uma maior clareza sobre as questões relacionadas a gestão dos activos e a cobertura de passivos. Neste contexto, as autoridades cabo-verdianas garantiram que vão preparar uma nova Nota de Estratégia, que deverá estar pronta a tempo da próxima avaliação do Fundo Monetário Internacional.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 961 de 29 de Abril de 2020.

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Autoria:Jorge Montezinho,3 mai 2020 8:05

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  10 fev 2021 23:20

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