2019 foi o ponto mais alto do turismo cabo-verdiano, 819.308 visitantes entraram no arquipélago. Em nove anos, o número turistas mais do que duplicou (em 2010 tinham sido 381.831). 2020 foi o pior ano de sempre do turismo cabo-verdiano, a pandemia provocou uma queda de mais de 70% do número de visitantes o que ajudou a varrer a riqueza do país, cujo PIB caiu quase 15%. 2021 mostra alguns sinais de melhoria, principalmente nos últimos meses do ano, mas os números estão ainda longe do que se projectava há dois anos. De qualquer forma, a queda no ano passado foi tão grande, que este retorno, mesmo que baixo, fez com que houvesse um aumento de 308% no movimento de hóspedes, quando comparado com o segundo trimestre de 2020, segundo os dados do INE.
A reconstrução do sector tem um lado positivo: pode-se começar um novo tipo de turismo. “A necessidade da promoção da sustentabilidade do turismo, com as características da economia cabo-verdiana, coincide, em larga medida, com a necessidade da construção da sustentabilidade da economia do país, ou seja, com o processo e os caminhos do seu desenvolvimento”, disse Eugénio Inocêncio, na palestra A Sustentabilidade do Turismo.
No fundo, o turismo sustentável é um turismo que beneficia todos, em termos etários, de género, de estrato social e das regiões. E proporciona vários equilíbrios: social, ambiental, económico e demográfico. Como avisou o presidente da Associação de Turismo de Santiago, “importa evitar o turismo não sustentável, que conduz à desestruturação social das regiões com vocação turística, com graves implicações ao nível do modo de vida, da preservação e reforço da cultura e do ambiente – e consequências gravosas ao nível da segurança/insegurança das populações e dos turistas”.
A construção do turismo sustentável
Como sublinha o presidente da Associação de Turismo de Santiago, há várias questões a ter em conta quando se pretende avançar para um turismo com sustentabilidade. A começar, a competitividade internacional, quer em relação aos destinos alternativos a Cabo Verde de hoje, quer os que vão surgir. Depois, o desenvolvimento do turismo Interno, como complemento do turismo externo. Segue-se a “urgência” da construção de uma economia a uma “única velocidade”, com o planeamento e execução de um programa de articulação entre sectores, económicos e sociais, e com um forte apelo ao ensino, à formação profissional, à segurança e à saúde.
Segundo Eugénio Inocêncio, é preciso igualmente ter em conta a diversificação da economia; o reforço da qualidade e diversificação da oferta turística, com o aumento do peso da cultura, da história e da gastronomia. Além disso, defende, num país com as características de Cabo Verde, a questão demográfica deve ser uma das prioridades do planeamento do turismo sustentável, “prevenindo ou corrigindo as movimentações internas desordenadas, bem como as externas igualmente desordenadas. O que supõe uma clara política de imigração e uma política integrada de combate ao êxodo rural”. Mas, avisa o responsável, “não basta conceber e planear, é preciso agir, de forma muito precisa e rapidamente”.
A vontade de levar “a bom termo o desígnio de um turismo sustentável e inclusivo para Cabo Verde”, já tinha sido abordada pelo ministro da tutela, Carlos Santos, no início do mês, durante o acto do encerramento do Projecto “Resposta à crise da Covid-19 e recuperação do sector do Turismo em Cabo Verde”, enquadrado no programa Apoio à competitividade na África Ocidental — Cabo Verde.
A retoma enfim à vista
Regressamos a 2019, em plena euforia do aumento exponencial dos turistas nos anos anteriores, antecipavam-se números estratosféricos para o sector, para 2021 eram esperados mais de um milhão de turistas e o optimismo apontava mesmo para os 3.5 milhões de turistas em 2030 (números do governo), ou seja, mais uma duplicação num espaço temporal de nove anos.
Para o governo, o turismo era um dos pilares centrais da economia, como é visível no Programa de Governação e no Plano de Desenvolvimento Sustentável (PEDS), que tinha entre metas e prioridades, além do milhão de turistas em 2021, o crescimento das receitas, acima da média e colocar Cabo Verde no top 30 dos destinos mais competitivos e no top 5 em África. Além do sol, da praia e do mar, era também avançada a ideia da diversificação, com foco para novos segmentos como o turismo rural, o turismo de montanha/ecológico, o turismo de eventos, social e cultural, o turismo de cruzeiros e o turismo histórico, entre outros. Como já vimos, depois aconteceu 2020 e nestes últimos meses do ano, há um regresso, tímido.
Entretanto, à Lusa, o ministro do turismo cabo-verdiano, Carlos Santos, já admitiu que com a retoma em curso da procura, principalmente com origem em Portugal e na Alemanha, o próximo inverno deverá marcar o fim do retrocesso no sector.
“Estamos em crer que o inverno [época alta no arquipélago] poderá não ser como antigamente, não estamos a dizer que vamos atingir os valores de 2019, mas estaremos a atingir um ponto de não retorno. E isso é bom porque significa que os operadores e os países começam a confiar no destino Cabo Verde, que reúne as condições de segurança sanitária”, disse o governante.
Com o sinal verde do Reino Unido, no passado dia 11, o arquipélago passou a ser o destino número um entre os mais procurados pelos turistas britânicos, um dado importante uma vez que se trata do maior mercado emissor. Os dados do INE mostram que quase 200 mil britânicos visitaram Cabo Verde em 2019, representando 24% do total, liderando também no tempo de estadia. Em 2018, os turistas britânicos que visitaram Cabo Verde representaram 22,7% do total, chegando nesse ano aos 174.078.
Para já, no segundo trimestre de 2021, Portugal foi “o principal país de proveniência de turistas”, segundo o Instituto Nacional de Estatística, com 16,4% do total, seguido dos Estados Unidos, com 5,1%, e da França, com 4,8%.
De regresso estão também os navios de cruzeiro, segundo a ENAPOR, estão previstas cerca de 68 escalas até o final do ano, depois de 19 meses de paralisação total devido à pandemia.
Como referiu o director-geral do Turismo e Transportes, Francisco Martins, este fim-de-semana, Cabo Verde está a figurar nas preferências dos países emissores e os operadores estão a olhar para o arquipélago como um destino seguro.
O responsável falou também da sustentabilidade. “De forma a termos um turismo mais diversificado, resiliente e competitivo… abranger a todas as ilhas, para além de Sal e Boa Vista. Queremos que o turismo seja uma realidade de Santo Antão a Brava. Vamos continuar o nosso trabalho, empenhar em ter o País preparado para a retoma económica, para que as famílias possam voltar à sua vida normal”, disse à Inforpress.
As dinâmicas do futuro
O turismo é o sector com maior peso na economia do país, representando cerca 25% do PIB. A partir dos anos 90, o turismo aparece no Primeiro Plano de Governo. É também nessa altura que o sector começa a apresentar resultados através da participação no PIB. É ao observar estes resultados e o potencial de crescimento que o executivo estabelece o turismo como o principal factor de desenvolvimento do arquipélago, na década de 2000, mais precisamente em 2006, quando afirma que o turismo é considerado “como o motor principal da economia”. Foi também no fim da primeira década do século XXI que se começou a falar da necessidade de criar novos produtos turísticos, depois de vários estudos terem caracterizado Cabo Verde como um destino onde o sector turístico estava aquém do potencial nacional.
Hoje, a sustentabilidade do turismo está relacionada com a capacidade de diversificar, não só o sector, como toda a economia. Por outro lado, o turismo, enquanto actividade globalizada, tem na distribuição o papel de líder da relação entre a procura (os turistas) e a oferta (os destinos), com uma relação dinâmica e em permanente evolução, entre as grandes Operadoras ou Agências Globais de Turismo; as grandes Plataformas Globais de booking; as Agências Nacionais de Viagens e de Turismo e as Empresas Nacionais de Plataformas de Informação e a crescente relação directa entre a oferta (produção nacional e local) e o consumidor final.
“A relação dinâmica entre estes quatro factores”, sublinha o presidente da Associação de Turismo de Santiago, “é determinante para qualquer estratégia e planeamento do turismo, no todo nacional e em qualquer ilha, se quisermos que o turismo seja sustentável e competitivo”, conclui Eugénio Inocêncio.
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Características da economia de Cabo Verde
- Dispõe de um sector dinâmico e moderno, o turismo, com uma forte expansão a partir da década de noventa do século XX. O turismo é o único sector dinâmico da economia. Representa cerca de 25 do PIB e é o maior empregador do país.
- Este sector está basicamente concentrado em duas ilhas, Sal e Boa Vista, com mais de 80 por cento da entrada de turistas no país. Estas duas ilhas são de baixo povoamento, especialmente no momento de partida.
- A oferta turística apoia-se basicamente no produto Sol e Mar.
- A economia apresenta as características das economias a duas velocidades, com os sectores tradicionais, nomeadamente a agricultura, a pecuária, o artesanato e as pescas, a não tirarem o proveito devido da procura induzida pelo turismo.
- O país apresenta altos índices de pobreza e de pobreza extrema.
- Igualmente, tem taxas de desemprego elevadas, de dois dígitos, A taxa de desemprego jovem é particularmente elevada. A taxa de desemprego dos jovens com formação superior é relativamente elevada.
- O país tem uma taxa de emigração elevada, principalmente jovem e, nos últimos anos, feminina.
- Cabo Verde é um arquipélago pouco povoado e com mais de metade da população a viver numa ilha, a ilha de Santiago.
- O êxodo rural é persistente, especialmente para a capital e para as duas ilhas turísticas.
Fonte: Eugénio Inocêncio, Palestra sobre a Sustentabilidade do Turismo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1039 de 27 de Outubro de 2021.