Mais que uma revolução, o que se pretende é uma transformação, como explicou ao Expresso das Ilhas o Ministro do Turismo, Carlos Santos. “Acho que há, neste momento, condições propícias para fazer isso. Em primeiro lugar, estamos a sair de uma pandemia, o que nos está a levar para o chamado novo normal que obriga a que estejamos atentos ao perfil do novo turista que teremos nos próximos anos e que será um turista muito preocupado com a segurança sanitária. Também temos um ecossistema de financiamento muito propício, há uma vontade dos parceiros em ajudar Cabo Verde a dar esse passo, que tem de passar pela diferenciação do produto”.
“Cabo Verde”, sublinha o governante, “para continuar a competir num mercado que é massificado, tem de seguir por um caminho em que apresente um produto diferente. E como é que se pode apresentar esse produto diferente? Apostando no que é nosso, a nossa cultura, gastronomia, música, a nossa riqueza ambiental, patrimonial e histórica e as nossas gentes, um recurso que não se encontra em mais lado nenhum, é apostar nessa morabeza. É nesse novo clima que estamos a desenvolver este POT, uma oportunidade única que devemos aproveitar para transformar o país e diversificar o turismo, porque diversificando o turismo estaremos a diversificar a economia. Esse é o caminho”.
O Programa Operacional do Turismo é um instrumento de planificação que foi criado para materializar a visão do governo em relação ao turismo. No fundo, é uma etapa quase final dessa planificação que foi feita ao longo dos últimos anos, começou pela redacção das grandes opções de desenvolvimento sustentável do turismo, um documento que cobre os anos desde 2021 até 2030, que depois foi traduzido na elaboração dos chamados master plans por ilha, documentos que fazem um diagnóstico daquilo que são as potencialidades de cada ilha e como transformá-los em produtos turísticos das ilhas. Estes documentos desembocaram na elaboração do POT, documento orientador a nível de implementação dos projectos que advêm, ou que foram recomendados, nos master plans.
O POT congrega projectos de vários sectores, uma vez que o turismo é um sector transversal, abrange projectos da área do mar, das indústrias criativas e da cultura, e também das áreas das infra-estruturas. São cerca de 5 dezenas de projectos, que serão desenvolvidos nos próximos 5 anos. O programa tem um orçamento global de 20 milhões de contos, neste momento já se conseguiu mobilizar cerca de 41 por cento desse valor, à volta de 8 milhões de contos. O financiamento, para já, vem do Banco Mundial – 35 milhões de dólares, a outra parte, 50 milhões, vêm do Fundo do Turismo.
“No essencial”, diz Carlos Santos, “procura materializar a visão do governo, que é a da preservação dos recursos naturais, patrimoniais e ambientais do país, transformá-los em produto turístico, densificar o turismo para as outras ilhas, numa perspectiva de diversificação da oferta, sem pôr em causa esses recursos, tendo em conta que somos um país arquipelágico, com um ecossistema frágil, e procurando também levar com que as gerações actuais e as vindouras continuem a tirar proveito do turismo. Ou seja, é um turismo que pretendemos que tenha um crescimento sustentável, equilibrado, amigo do ambiente e inclusivo em termos sociais e económicos”.
“É por isso que, pela primeira vez, podemos dizer que temos aqui um instrumento orientador para o desenvolvimento da oferta, a sua densificação, a melhoria daquilo que é a promoção do destino turístico cabo-verdiano, a qualificação dos recursos humanos, a governança do sector – sem uma governança ágil e eficaz teremos dificuldade em conseguir continuar a dar passos seguros no turismo – e sem esquecer a linha que norteia todo esse crescimento que é a da sustentabilidade, ou seja, o cumprimento dos ODS”, refere o Ministro do Turismo.
A árvore dos problemas
Esta é uma metodologia que serve para identificar os problemas, as suas causas, os seus efeitos e consequências.
Segundo o POT o problema central do turismo cabo-verdiano é que o produto turístico é pouco qualificado e diversificado. E isso acontece devido a cinco questões: infra-estrutura de base deficiente (e as causas são – deficiente saneamento básico; portos com poucas condições para receber turistas; deficiências ao nível de infra-estruturas e equipamentos de saúde; infra-estruturas gerais em mau estado de conservação; carências de habitação e requalificação urbana), deficiente conectividade interna e externa (causas – ligações internas caras e insuficientes; poucos incentivos a empresas do sector aéreo, em especial as low cost; falta de coordenação e integração entre meios de transporte: deficiências ao nível da rede de estradas), modelo de governança inadequado (causas – ordenamento do território deficiente; autoridade turística central com pouca autonomia financeira; estruturas de coordenação regional do turismo deficientes; deficiente coordenação intersectorial e pouca participação dos privados nacionais nas decisões e negócios; pouca capacidade de monitorização do destino; fraca capacidade negocial junto dos principais operadores do mercado), pouca integração do património natural e cultural na oferta turística existente (causas – potenciais atrativos do património histórico-cultural pouco conservados; aproveitamento deficiente das áreas protegidas; deficiente conhecimento e valorização do património histórico-cultural; oferta gastronómica e de artesanato pouco desenvolvida; défice de capacitações específicas que permitam estruturar produtos para segmentos específicos), marketing pouco eficiente (causas – descoordenação na promoção do destino; conteúdos de marketing pouco desenvolvidos; fraco aproveitamento do marketing digital; ausência de uma agenda integrada de eventos sincronizada com as atividades dos operadores turísticos).
Este é o diagnóstico. Todos estes problemas limitam o aumento da procura turística, tornam excessiva a dependência de determinados operadores e mercados e afectam a sustentabilidade do destino. E isto tem como consequência os poucos impactos económicos e sociais do turismo, a reduzida competitividade do destino e uma cadeia de valor do turismo pouco desenvolvida.
“Atacando esses problemas, podemos atacar a competitividade”, diz o Ministro do Turismo. “Para podermos resolver esse problema, pretendemos desenvolver os outros produtos que Cabo Verde tem no domínio da cultura, ambiente, mas também os nossos recursos humanos. Todo este POT procura olhar para a oferta que temos, qualifica-la e melhorá-la”.
“Fazendo isso, e conjugando com as preocupações de sustentabilidade, a governança do sector, creio que estaremos a dar um grande passo para transformar o produto turístico num produto mais competitivo, mais resiliente e mais inclusivo” sublinha Carlos Santos.
Ponto de partida e ponto de chegada
Aumentar o número de turistas, diversificar a procura pelas ilhas, reduzir a dependência de mercados e operadores, são metas também a atingir [ver caixa]. Antes da pandemia, em 2019, registou-se a entrada de 818.308 hóspedes, um acréscimo de 7,0% face ao ano 2018. No mesmo período, as dormidas cresceram 3,7%. Em termos absolutos, houve mais 53.612 entradas e mais 181.512 dormidas do que em 2018.
O principal mercado emissor de turismo, em 2019, foi o Reino Unido, à semelhança dos anos anteriores, com 24,0%. De seguida veio a Alemanha com 11,3%, a França com 10,4% e Países Baixos e Portugal com 9,8% cada.
As ilhas do Sal, Boa Vista e Santiago foram as maiores acolhedoras de turistas. Sendo a ilha do Sal com maior expressão, 45,5% do total nacional, seguida da ilha da Boavista com 29,4% e de Santiago com 11,7%.
Como admite o ministro da tutela, há muito trabalho a fazer e pouco tempo para o executar. “Sem dúvida que temos de ser rápidos. Quando falamos da indústria do turismo, hotelaria e restauração, estamos a falar de um mercado que poderá consumir cerca de 100 milhões de euros, entre comida e bebida. Este mercado é quase todo virado para a importação, então temos de ver como vamos preparar as nossas empresas agrícolas para poderem fornecer uma parte desses produtos”.
“Em breve vamos assinar um memorando de entendimento com a TUI, para vermos como podemos facilitar essa interligação entre sectores de atividade, nomeadamente agricultura e cultura”, continua Carlos Santos, “nesse memorando deveremos criar uma espécie de clube de fornecedores de turismo, que será composto por pequenas, micro, médias empresas de cabo-verdianos e residentes, que respeitarão um conjunto de procedimentos de qualidade para poderem estar à altura de fornecer esse sector”.
“Se queremos fazer parte deste mercado, que é competitivo e disputado pelas maiores potências internacionais, se queremos estar presentes e continuar a dar cartas nesse mercado e continuarmos a crescer e a competir com outros mercados, temos de obrigatoriamente ter uma oferta de qualidade”, conclui o Ministro do Turismo.
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Objectivos do POT
Objetivos Efeito
Efeito 1. Aumentar a procura turística do país e de forma mais desconcentrada pelas ilhas:
1.1. Número turistas não inferior a 1,26 milhões até 2026;
1.2. Atingir 40% entradas de turista em outras ilhas que não Sal e BV até 2026.
Efeito 2. Reduzir a dependência dos principais mercados emissores e operadoras turísticas:
2.1. Diminuir a proporção dos 3 mercados emissores principais de 46,5% para 44% em 2026
2.2. Chegadas provenientes de operadores turísticos de 81,4% para 75% até 2026
Efeito 3. Melhorar os índices de Sustentabilidade do turismo:
3.1. Índice Saturação Turística no Sal e Boa Vista de 9,8 e Santiago de 0,4 nas restantes Ilhas de 1,0 até 2026 [até 2030 Sal e Boa Vista atingem um índice de 9,5 e Santiago de 0,6 e as ilhas menos visitadas de 1,7]
Objetivos Impacto
Impacto 1. Melhorar a competitividade do Destino:
Cabo Verde no Top 50 do ranking de competitividade turística
Impacto 2. Maximizar os impactos socioecónomicos do turismo na população:
2.1, IDH acima dos 0.750 pontos e integrar os 100 melhores neste ranking
2.2. O turismo deve contribuir para a redução da pobreza em Cabo Verde para abaixo da linha dos 8%;
2.3. Aumentar contribuição do turismo no PIB 25% para 32%
Impacto 3. Cadeia de valor desenvolvida:
3.1. Aumentar as despesas realizadas no destino de 16,7% em 2019 para 26% em 2026
3.2. Percentagem do PIB setor primário e secundário a aumentar (a determinar)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1060 de 23 de Março de 2022.