O turismo e a diferença entre o crescimento e a estagnação

PorJorge Montezinho,20 mar 2022 9:41

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O turismo cabo-verdiano deve diversificar a oferta ou continuará vulnerável aos choques. Esta é uma das ideias defendida no estudo das Nações Unidas sobre o impacto do turismo no desenvolvimento sustentável de Cabo Verde. Os outros dados reforçam o que já se sabia, através das informações fornecidas pelo INE: as ilhas com mais turismo têm um PIB maior, menos desemprego, menos pobreza e mais acesso aos serviços.

Se em vez de Barlavento/Sotavento dividirmos Cabo Verde em ilhas mais/menos turísticas, os dados parecem de dois países diferentes. Ou, pelo menos, de economias diferentes, com velocidades desiguais.

Comparando as ilhas turísticas com as outras, onde houve uma estagnação, o crescimento do PIB tem sido muito dinâmico tanto no Sal (+56% antes de um abrandamento temporário em 2017) como na Boa Vista (+300% numa década), inteiramente graças ao turismo. Santiago e São Vicente não entram nesta comparação das Nações Unidas devido às suas características muito diferentes (ilhas mais populosas e com um PIB mais diversificado), mas registaram também um crescimento do PIB (+39% e +36,9% respetivamente), um aumento que se deve igualmente ao turismo, directa e indirectamente, e ao seu impacto na actividade macroeconómica. De 2001 a 2019, a pobreza foi reduzida quatro vezes na Boa Vista, enquanto no Fogo diminuiu menos de um quinto.

A taxa de pobreza na ilha do Fogo, em 2001, era ligeiramente superior a 60 por cento. Em 2015 estava ligeiramente abaixo dos 50 por cento. Em 2019 contabilizava cerca de 45 por cento. Na Boa Vista, em 2001, esta mesma taxa de pobreza tocava quase os 20 por cento, tendo descido para cerca de 7 por cento em 2015 e para 4 por cento em 2019.

Sal e Boa Vista estão igualmente acima (e continuam a subir) da média nacional em muitos indicadores relacionados com o acesso aos serviços universais, como electricidade, água potável, saneamento e comunicações. Nos últimos cinco anos, antes da pandemia, também estiveram abaixo da média nacional em termos de taxas de desemprego. São as únicas ilhas onde a taxa de desemprego é inferior a 10 por cento. Como resultado, as populações da Boa Vista e do Sal quadruplicaram nos últimos 20 anos e duplicarão nos próximos 20, de acordo com as projeções do Instituto Nacional de Estatística. O turismo, mesmo dentro do modelo all-inclusive dominante até agora no país, trouxe investimentos e oportunidades nas principais ilhas turísticas, e contribuiu para um melhor acesso aos serviços básicos e sociais.

“É o preço a pagar pelo subdesenvolvimento”, explica ao Expresso das Ilhas Eugénio Inocêncio, presidente da Associação de Turismo de Santiago. “As economias subdesenvolvidas funcionam dessa maneira. Têm geralmente um sector dinâmico, integrado na economia mundial, e depois uma grande dificuldade em articular o sector dinâmico com os outros sectores, ao contrário do que acontece nos países com economias desenvolvidas”.

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“Esta situação leva a movimentações demográficas não controladas e não planeadas, ao êxodo rural acentuado, a um excesso de população em algumas zonas e falta de população noutras, a pobreza e pobreza extrema que não conseguem ser debeladas, a taxas de desemprego elevadas, nos dois dígitos e a afectarem sobretudo a juventude, a jovens que adquirem formação e que depois não encontram trabalho de acordo com essa formação, etc., são tudo características do subdesenvolvimento”, continua Inocêncio.

Mudar este cenário, segundo o presidente da Associação de Turismo de Santiago, passa por novas atitudes. “Abertura de espírito para assumir novos instrumentos, fazer com que o crescimento dos primeiros sectores chegue aos outros, e isso supõe inovação, inovação, inovação, supõe articulação, articulação, articulação. O desenvolvimento começa sempre na cabeça das pessoas. Enquanto as pessoas não se capacitarem que é preciso fazer diferente, por mais que trabalhem, que gesticulem, que gastem horas, o desenvolvimento não acontece”.

Os desafios e as oportunidades

Como mostra o estudo das Nações Unidas, os sectores relacionados com o turismo estão a descolar de forma lenta, mas para quem está no terreno, há outras dificuldades a precisarem de respostas diferentes. “O maior desafio para os operadores que estão em Cabo Verde é, sem dúvida, o financiamento”, refere Eugénio Inocêncio. “Os maiores desafios para o país e, em consequência, para as empresas instaladas em Cabo Verde, é fazermos diferente do que temos estado a fazer. Ou seja, é preciso encontrar forma de ter uma maior articulação entre o público e o privado, e entre os próprios privados. No fundo, a qualificação do turismo de Cabo Verde, uma maior sofisticação da nossa oferta, uma maior fluidez na concretização dos empreendimentos, dos projectos, das decisões de melhoria da oferta a ser feita e uma profunda articulação entre os diversos sectores da nossa actividade económica”.

“No caso de Cabo Verde”, continua o presidente da Associação de Turismo de Santiago, “esse financiamento tem de se apoiar num Banco de Fomento, que tire partido dos ganhos já efectuados pela Pró-Empresa, que tem recursos humanos com experiência e com capacidade. Isso é urgente em Cabo Verde, é um novo instrumento que tem de ser criado. A nossa banca comercial tem mérito, é profissional, capaz e merece os maiores elogios, mas não é um instrumento para o fomento empresarial e para este desafio de financiamento que enfrentamos e que tem de ser capaz de cobrir os grandes empreendimentos, os médios e os pequenos, de forma profissional e com sentido de fomento empresarial”.

Não é novidade, e tem sido debatido pelos peritos do sector turístico, que depois desta pandemia, as exigências vão aumentar em relação a todos os mercados que são destino de turismo e a capacidade de responder a este desafio de inovação e mudança vai definir o quadro mundial da oferta turística.

“As oportunidades existem para Cabo Verde”, acredita Eugénio Inocêncio, “o país tem todas as condições para se transformar num dos destinos mais seguro, em termos sanitários. Mas para isso é preciso agir de forma diferente, é preciso funcionarmos de forma diferente. O esforço que temos de fazer implica uma mudança na articulação entre os diversos departamentos da nossa economia, os diversos sectores da nossa economia, os diversos departamentos públicos e uma forte parceria entre o público e o privado”.

O impacto do turismo

Como refere o estudo das Nações Unidas, para além do seu impacto directo e positivo nas ilhas mais turísticas, o turismo representa um contributo vital para as finanças públicas e, como tal, beneficia todas as ilhas através do investimento público. O impacto da COVID nas finanças públicas, impulsionado principalmente pela queda nas chegadas e nas receitas de turistas (-70% para ambos), criou uma brecha entre receitas e despesas públicas que só será fechada quando o turismo recuperar totalmente, o que, segundo os cálculos de várias entidades internacionais, só acontecerá em 2024.

Essa lacuna levou a um aumento dramático da dívida pública, após anos de lenta consolidação fiscal, levando a um serviço da dívida avassalador a ser pago a cada ano, embora suspenso por enquanto devido ao prolongamento da moratória. Quando as moratórias chegarem ao fim, e se nenhum acordo de alívio da dívida for alcançado, o serviço da dívida representará 48% das receitas fiscais, limitando ainda mais as possibilidades do Governo investir no desenvolvimento sustentável. A rápida recuperação do turismo é, portanto, vital para retomar o caminho do desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, refere o documento, o turismo é um sector vulnerável se não for diversificado. A prova? Ao observar a pobreza em ilhas selecionadas, em 2019 e 2020, o aumento das privações na Boa Vista (+89,5%) e no Sal (+50%) é muito maior do que nas outras ilhas. Como sublinha a ONU, isso não é surpreendente, uma vez que o emprego e o rendimento nessas ilhas dependem quase inteiramente do sector de turismo, o mais atingido globalmente pela pandemia. No entanto, isso exige diversificação económica, tanto vertical (dentro do sector de turismo) quanto horizontal (desencadeando o potencial de outros sectores), utilizando sempre o modelo actual como fonte necessária de empregos, rendimento e receitas públicas.

Recomenda as Nações Unidas que dentro do segmento all-inclusive, o foco deve mudar da criação de empregos para a criação de empregos decentes (incluindo protecção social e melhores salários) e da produtividade para a sustentabilidade (incluindo consumo de energia e produção de resíduos), para amenizar o impacto das externalidades sociais e ambientais.

“A diversificação vai acontecer. Tem de acontecer”, diz Eugénio Inocêncio. “Por exemplo, está a ser trabalhado o projecto da Plataforma Internacional de Saúde, e temos a possibilidade de a criar. Os equipamentos turísticos são uma estrutura importante que já existe. Temos quatro aeroportos internacionais, fundamentais para uma plataforma internacional de saúde. Temos dois portos relativamente bem apetrechados na Praia e em São Vicente. Temos recursos humanos com capacidade. Temos empresários disponíveis e ávidos por novas oportunidades e temos empresários internacionais que já conhecem Cabo Verde”, conclui o presidente da Associação de Turismo de Santiago.

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Duas questões a Elcia Grandcourt

No estudo das Nações Unidas, a opinião da Directora Regional para África da Organização Mundial de Turismo da ONU

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Quais as principais contribuições do turismo para o desenvolvimento em Cabo Verde?

O desenvolvimento do turismo em Cabo Verde remonta à década de 1970, na ilha do Sal, e continuou a aumentar lentamente, contribuindo para o desenvolvimento socioeconómico da nação insular. A beleza natural, o clima tropical, a baixa pluviosidade, os ventos tropicais quentes e as muitas horas de sol são uma grande atração para os turistas que procuram fugir do inverno ou simplesmente desejam desfrutar de férias ensolaradas. O país também é conhecido pela simpatia e hospitalidade de seu povo, localmente denominado como “Morabeza”. A economia do país é orientada para os serviços, com comércio, transporte, turismo e serviços públicos representando cerca de três quartos do PIB. Como uma atividade económica chave, o turismo tem sido um veículo estratégico para o alívio da pobreza em Cabo Verde. Em conjunto com políticas económicas abrangentes, estabilidade política, instituições fortes e investimento em capital humano, o crescimento do sector do turismo nos últimos 25 anos ajudou Cabo Verde a alcançar grandes marcos em termos de melhoria da qualidade de vida e benefícios sociais. Segundo dados da OMT, antes da pandemia o turismo representava mais de 30% do total das exportações na maioria dos 38 Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento [SIDS, na sigla em inglês] e 67% em Cabo Verde. Isto torna o arquipélago especialmente vulnerável à queda do número de turistas, tornando vital o reinício oportuno do setor. Durante muito tempo, o turismo de Cabo Verde esteve ancorado num modelo de all-inclusive, que continua a impulsionar o sector do turismo como fonte de crescimento económico e criação de emprego. Tendo consolidado este modelo, a vontade do governo de fazer a transição de um modelo de all-inclusive para um sector de turismo mais diversificado e inclusivo é oportuna e louvável. As ilhas do arquipélago têm potencial para diversificar a oferta turística, garantindo assim uma maior probabilidade de aumentar o investimento turístico e, ao mesmo tempo, disseminar mais amplamente os benefícios por todo o país.

Como avalia os desafios e as oportunidades para o sector?

A pandemia não tem precedentes. A vacinação em massa é fundamental para restaurar a confiança de turistas e residentes. É extremamente encorajador ver que Cabo Verde atingiu as metas de final de ano estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. Também não é por acaso que dos seis países africanos que atingiram esse marco, três são SIDS, sendo os outros dois Seychelles e Maurícias, altamente dependentes do turismo. Cabo Verde deve continuar os seus esforços de vacinação em massa se quiser acelerar o reinício do sector de turismo. Da mesma forma, é importante que o país permaneça relevante e visível, fazendo uso das várias plataformas de media social e das ferramentas de marketing digital para atrair visitantes e explorar novos mercados de origem. A conectividade aérea é essencial para o desenvolvimento turístico das nações insulares e Cabo Verde não é excepção. O país precisa de conexões aéreas competitivas, frequentes, confiáveis e robustas tanto a nível nacional para viajar entre as ilhas, quanto a nível internacional. O frágil ecossistema da nação insular também exige que os seus líderes priorizem os esforços em direção às metas de redução de emissões e no planeamento estratégico do desenvolvimento do sector do turismo. As alterações climáticas, a poluição e a perda de biodiversidade comprometem a maioria das atividades turísticas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1059 de 16 de Março de 2022.

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Autoria:Jorge Montezinho,20 mar 2022 9:41

Editado porAndre Amaral  em  3 dez 2022 23:27

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