Os modelos para a economia cabo-verdiana

PorJorge Montezinho,19 jun 2022 8:01

Nesta fase agitada da vida internacional, e também de Cabo Verde, deve-se tomar decisões. Como referiu o economista e académico António Rebelo de Sousa, na conferência “Dos Cenários Alternativos da Economia Mundial ao Futuro de Cabo Verde no Contexto Internacional”, é preciso ser-se imaginativo, construir um projecto de futuro e criar condições para o sucesso. Mas não basta criar estas condições, é preciso mesmo ser-se bem-sucedido. “Sem um projecto de futuro consistente, não há um sentido para o presente”, disse o especialista.

Não é segredo que o actual cenário geoestratégico é complexo e incerto. Aos danos causados pela pandemia, juntou-se a invasão russa na Ucrânia, o que aumentou a desaceleração da economia global. Aproxima-se um período potencialmente prolongado de crescimento fraco e inflação elevada, de acordo com o mais recente relatório do Banco Mundial: Perspectivas Económicas Globais. O que significa um agravamento do risco de estagflação, com consequências desfavoráveis para as economias de médio e baixo rendimento.

O crescimento global, segundo as últimas estimativas, vai cair de 5,7% em 2021 para 2,9% em 2022 – significativamente menor do que os 4,1% projectados em Janeiro. Este ritmo deve continuar até 2023-24, porque a guerra na Ucrânia interfere nas actividades, nos investimentos e no comércio no curto prazo. Como consequência dos danos causados pela pandemia e pela guerra, o nível de rendimento per capita nas economias em desenvolvimento, este ano, ficará aproximadamente 5% abaixo das tendências pré-covid.

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Os níveis de incerteza ensombram o processo de recuperação económica Óscar Santos, Governador do BCV

O relatório Perspectivas Económicas Globais de Junho apresenta a primeira avaliação sistemática que compara as actuais condições económicas globais à estagflação dos anos 1970 — dando ênfase ao facto de como a estagflação pode afectar os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento. A recuperação, após a estagflação dos anos 70, reclamou aumentos acentuados nas taxas de juros das principais economias avançadas, o que contribuiu de forma proeminente para o desencadeamento de uma série de crises financeiras nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento.

Como sublinhou o economista António Rebelo de Sousa, em Cabo Verde é preciso ter cuidado com estes aumentos das taxas de juros, “porque um aumento excessivo poderá ter um efeito recessivo”. Por outro lado, defendeu o académico na conferência “Dos Cenários Alternativos da Economia Mundial ao Futuro de Cabo Verde no Contexto Internacional”, é necessária a continuação de estímulos monetários, com uma expansão moderada do crédito à economia.

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É preciso tomar decisões, é preciso ser-se imaginativo e criar condições para o sucesso António Rebelo de Sousa, Economista

No entanto, há aqui um problema com as Pequenas e Médias Empresas, alertou Rebelo de Sousa, por causa do risco de crédito. “Hoje em dia”, referiu o académico, “os bancos centrais são muito exigentes na supervisão e os bancos não podem conceder crédito de qualquer maneira. E estar a conceder crédito a PMEs que não têm garantias para prestar, nem têm capitais próprios, é um problema que tem de ser pensado”.


O cenário nacional

Vivemos um cenário de interrupções nas cadeias de abastecimento internacionais, escassez de cereais e fertilizantes, aumento dos preços das matérias-primas, da inflação e redução do poder de compra.

Em 2020, registou-se a maior queda do PIB na história da economia cabo-verdiana: 14,8%. As receitas brutas do turismo caíram de 24,4% para 8,9% do PIB, as receitas fiscais diminuíram em cerca de 23% e verificou-se o aumento do défice público global de 1,8% para 9,1% do PIB, um agravamento do défice externo para os 16,5% do PIB e o aumento do desemprego de 11,3% para 14,5%.

Em 2021 foi possível inverter este quadro macroeconómico, tendo a economia nacional crescido 7%. No entanto, as receitas do turismo e o produto interno bruto nacional continuaram ainda muito aquém dos níveis pré-pandémicos. Nos primeiros três meses de 2022, em termos homólogos, as exportações de bens (incluindo as reexportações) cresceram 103,3%, as receitas brutas de turismo 564%, as remessas dos emigrantes 29,8%, o Investimento direto estrangeiro, 16,2% e o stock das reservas internacionais líquidas aumentou cerca de 85 milhões de euros, garantindo 7,1 meses de importações de bens e serviços.

No entanto, como consequência da perda de poder de compra incitada pela escalada da inflação e da revisão, em baixa, do crescimento das economias dos principais parceiros económicos do país, o Banco de Cabo Verde prevê para este ano uma moderação do crescimento económico no intervalo 3,5% a 4,5%.

Os possíveis cenários lá fora

António Rebelo de Sousa traçou os possíveis cenários alternativos da economia mundial, que poderão passar por uma crescente hegemonia das novas economias emergentes, ou por um reforço do domínio dos Estados Unidos da América, por um mundo tripolar dominado pelos EUA, a Rússia e a China, ou ainda pelo regresso dos protecionismos, pelo aumento do peso relativo da Europa ou mesmo por um mundo multipolar. Seja qual for o panorama, Cabo Verde terá se saber onde e como colocar-se.

Para o economista, deveria mandatar-se o Ministério das Finanças para encetar diligências junto da comissão europeia para um acordo de associação particularizando com a UE em que se integrasse alguns aspectos que fazem parte das regras observadas nas regiões ultra periféricas e das regras observadas da política europeia de vizinhança. “Penso que Portugal tem a responsabilidade histórica de apoiar essa pretensão de Cabo Verde junto da EU”, disse Rebelo de Sousa.

As regiões ultraperiféricas são ilhas, arquipélagos e um território continental (Guiana Francesa). Apesar dos milhares de quilómetros que as separam do continente europeu, estas regiões são parte integrante da UE. As medidas específicas e as derrogações na legislação da UE ajudam estas regiões a lidar com os grandes desafios que enfrentam devido ao afastamento geográfico, à insularidade, à pequena superfície, ao relevo e clima difíceis e à dependência económica de um pequeno número de produtos.

A política europeia de vizinhança (PEV) abrange a Argélia, a Arménia, o Azerbaijão, a Bielorrússia, o Egipto, a Geórgia, Israel, a Jordânia, o Líbano, a Líbia, a Moldávia, Marrocos, a Palestina, a Síria, a Tunísia e a Ucrânia. Graças à PEV, a UE oferece aos seus vizinhos uma relação privilegiada, baseada num compromisso mútuo relativamente a valores comuns (democracia e direitos humanos, primado do direito, boa governação, princípios de economia de mercado e desenvolvimento sustentável). A PEV inclui a coordenação política, uma integração económica mais aprofundada, uma mobilidade acrescida e os contactos entre os povos.

Por outro lado, defendeu ainda António Rebelo de Sousa, Cabo Verde deveria reafirmar uma estratégia de parcerias euro atlânticas. “Uma parceria euro atlântica para a paz e a defesa, um acordo de associação com a UE no que respeita à economia e à promoção do desenvolvimento económico e uma parceria triangular entre Cabo Verde, os EUA e Portugal para a fiscalização e a gestão eficientes das plataformas continentais de zonas económicas exclusivas. É um recurso que existe que a comunidade lusófona parece às vezes não ter consciência da sua particular relevância. Se nós pensarmos nos países da CPLP e se juntarmos todas as zonas económicas exclusivas, estamos a falar de uma porção significativa do Atlântico”.

Outras ideias para Cabo Verde

A conferência serviu para discutir questões e apontar caminhos. Segundo Rebelo de Sousa, para Cabo Verde seria importante haver uma direcção central de planeamento, “que deveria estar dependente do Primeiro-Ministro ou do Ministro das Finanças”, que elaborasse planos de desenvolvimento plurianuais em sintonia com um instituto tecnológico de inovação, “que articule a sintonização dos sectores estratégicos feita pelos planos com os apoios financeiros que essas empresas precisam. Esse instituto faria contactos com os sectores estratégicos e criaria clusters, em que havia centros de investigação ligados a universidades. E teria de haver um banco de fomento, ou uma estrutura financeira, que federasse os apoios financeiros com a banca comercial e a banca de investimento”.

O economista falou ainda de um programa de consolidação orçamental a médio/longo prazo, para reduzir gradualmente o elevado nível de dívida pública. E aconselhou a renegociação do acordo de cooperação cambial celebrado com Portugal. “Sobretudo, na parte que diz respeito à facilidade de crédito, o montante previsto é capaz de se vir a mostrar, numa situação mais difícil, menos adequado, e que alterasse as competências da comissão de acompanhamento do acordo de cooperação cambial, essas competências teriam de ser alargadas”, resumiu Rebelo de Sousa.

Para o académico, as reservas líquidas cambiais deverão continuar a garantir 5/6 meses de cobertura de importações de bens e serviços em 2022. “Sabemos que sectores importantes conheceram uma expansão em 2021 – administração pública, industria transformadora, construção, transportes, comércio – mas a instabilidade da situação geopolítica e um cenário mais crítico, que eu reconheço que pode vir a acontecer com a intensificação do conflito, ou a intensificação de problemas do lado da oferta, principalmente se a China prosseguir a sua estratégia de Covid Zero com bloqueios prolongados dos seus centros de produção e de comércio, se continuar a haver um aumento da taxa de inflação a médio prazo e se houver ressurgimento da pandemia, então é necessário tomar algumas medidas mais urgentes”, alertou António Rebelo de Sousa.

Um mundo incerto e perigoso

No encerramento da conferência o Ministro das Finanças falou num quadro marcado por uma crise tripla: climática, pandémica e a guerra na Ucrânia. Como resumiu Olavo Correia, um contexto novo e mais exigente.

Como referiu o governante, será necessário discutir com a sociedade civil e com os quadros especialistas nacionais e internacionais, para encontrar os caminhos para um futuro melhor para Cabo Verde. Um caminho que irá passar por reformas nos mais diversos domínios e por uma aceleração na agenda de desenvolvimento do país, através da transição digital, da transição energética, da aposta na qualificação dos recursos humanos, do reforço ao nível da qualidade das instituições e da criação de uma Zona Económica Especial, com medidas e políticas públicas para atrair grandes e médias empresas, nacionais e internacionais.

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Cabo Verde tem de acelerar a sua ambição Olavo Correia, Ministro das Finanças

“Cabo Verde vive hoje uma crise”, reiterou o Ministro, “uma emergência alimentar, energética, que depois irá dar a uma emergência orçamental e financeira. Esta é a situação que o país vive neste momento. Neste momento de crise, todos são chamados a adaptar-se. Não podemos fazer de conta que estamos em crise e manter tudo constante”.

O ministro lembrou um dos desafios que Cabo Verde terá de enfrentar, novas infraestruturas e a factura será pesada: o arquipélago vai precisar de mais de cinco mil milhões de euros nos próximos dez anos. “Quinhentos milhões de euros por ano”, disse Olavo Correia, “isto não será possível ser financiado com base nos recursos orçamentais. Temos de estabelecer uma parceria com o sector privado, temos de ir ao mercado de capitais e temos de ter formas criativas e inovadoras para enfrentar o futuro”.

“Não podemos enfrentar o futuro com os instrumentos do passado, estamos num futuro novo e não podemos ter medo do futuro, do novo. Temos de poder inovar e ser ousados no que queremos fazer para o nosso país”, sublinhou o ministro das finanças.

Na abertura da conferência, o governador do Banco Central tinha deixado uma ideia semelhante. “Pensar fora da caixa é um requisito cada vez mais exigido e a assunção plena das nossas responsabilidades nos demanda ações inovadoras, tempestivas e pragmáticas. Que condições estamos a criar e que futuro estamos a construir para as novas gerações? Pois cada geração tem a responsabilidade de deixar melhores condições às gerações vindouras”, disse Óscar Santos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1072 de 15 de Junho de 2022. 

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Autoria:Jorge Montezinho,19 jun 2022 8:01

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  6 mar 2023 23:27

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